O que a Bíblia
diz sobre o álcool? Muitos crentes, especialmente da geração passada, pensam
que bebida alcoólica é totalmente proibida em qualquer dose e espécie. Crentes
que conviveram desde crianças com parentes alcoólatras podem adquirir um
compreensível horror a respeito da bebida e acabam distorcendo as declarações
bíblicas para se amoldarem a esse mecanismo de defesa. Já outros crentes vão ao
oposto e frequentemente se embriagam, focalizando apenas os argumentos bíblicos
permissivos sobre a bebida. Façamos, portanto, uma análise global para elucidar
essa questão.
Em primeiro
lugar, é claramente errado determinar o álcool como sempre proibido. Permissões
para a bebida alcoólica, inclusive na forma de mandamentos, estão por toda a
Bíblia. O pastor Doug Wilson, em seu livro “Joy at the end of the tether”, diz
que há, no mínimo, cinco usos para o vinho que a Bíblia permite explicitamente:
Religioso. A Lei de Moisés ordena o uso
do vinho para certas ofertas (Êxodo 29:40; Levítico 23:13; Números 28:14, etc).
Deus estabelecia critérios claros e rígidos quanto a quais elementos deveriam
ser ofertados e quais eram proibidos, por serem impuros. O vinho não foi
declarado impuro por Deus, ao contrário do porco e dos ratos, por exemplo. O
vinho era aceitável a ele. O vinho era também dado junto aos outros alimentos
do dízimo (Deuteronômio 14:26) e de outras ofertas dadas aos levitas (18:4). Deus
expressamente ordena que os israelitas deem vinho aos levitas. Notar que, além
de vinho, Deus diz “e qualquer outra bebida fermentada”, um termo genérico para
qualquer bebida alcoólica. A Páscoa era celebrada com vinho e, de todos os
alimentos envolvidos nessa cerimônia, Jesus preservou somente o pão e o vinho
para a ceia cristã (Marcos 14:23,24; 1Coríntios 11:25,26). Os cristãos
receberam a ordem de tomar vinho no sacramento da ceia. Quem acha que tomar
bebida alcoólica é sempre um pecado simplesmente profana um sagrado sacramento
ordenado por Jesus.
Celebrante: A abundância de vinho é uma
bênção prometida por Deus aos israelitas fiéis (Gênesis 27:28; Deuteronômio
7:13; Provérbios 3:10), enquanto a sua escassez é sinal de sua maldição pela
desobediência do povo (28:39; Lamentações 2:12). O salmo 104:15 cita o vinho
como uma bênção de Deus para alegrar o coração. O rei Melquisedeque levou pão e
vinho a Abraão para celebrar a derrota dos inimigos de Sodoma (Gênesis 14:18). Salomão
diz para bebermos o vinho com alegria como celebração da vida (Eclesiastes
9:7). O vinho é uma bênção de Deus, e o álcool é dado por ele ao homem para que
festeje e celebre a alegria de viver. Para alegrar-se diante de Deus e de sua
graça, o vinho é incentivado pelas Escrituras, pois simboliza a própria mão de
Deus abençoadora. Então, sim, é perfeitamente possível e legítimo festejar com
bebida alcoólica para a glória de Deus. Proibir algo que o próprio Deus
prometeu como dádiva de alegria é chamar a sua bênção de maldição. É pisar um
presente de alegria que ele concedeu aos homens. É uma afronta contra a sua
graça.
Medicinal: Nos tempos bíblicos, a água
era frequentemente encontrada contaminada. Para resolver esse problema, as pessoas
adicionavam vinho à água, por ser um antisséptico natural. É com essa
finalidade que Paulo ordena a Timóteo que beba vinho com água (1Timóteo 5:23).
Aparentemente, Timóteo não queria “dar mau testemunho” pela ingestão de vinho,
visto que ele estava sendo enviado como presbítero de Éfeso e, portanto,
deveria ter, entre as qualificações, “não ser dado ao vinho” (3:3). Porém, por
conta disso, ele ficava enfermo frequentemente. Paulo diz que a prioridade é a
saúde. Ele deve sim permanecer no costume de purificar a água com um pouco de
vinho. Eu conheço uma crente tão fanática que diz que Paulo estava errado em
dar essa ordem! Mas, se o apóstolo, em uma escritura inspirada, dá a ordem de
usar o vinho para o bem da saúde, é óbvio que esse fim é legítimo. Hoje, ainda
existem muitas cidades sem o mínimo de saneamento básico (o Egito inteiro não
tem nenhuma estação de tratamento da água, por exemplo). O conselho de Paulo
continua sendo sábio. Existem outras aplicações desse princípio. Até várias
décadas, o vinho era usado em ferimentos abertos como desinfetante.
Descobriu-se recentemente que um copo de vinho por dia faz bem ao coração e
ajuda a prevenir infartos. O vinho é um remédio natural dado por Deus.
Simples prazer: Jesus transformou água
em vinho no casamento em Caná (João 2). Mas ele não produziu qualquer vinho.
Ele fez questão de oferecer o mais saboroso dos vinhos, mais do que o vinho
normal que havia acabado. O vinho que Jesus transmutou foi tão admirável que
rendeu elogios no fim da festa. O vinho é saboroso. Ele dá prazer ao paladar. Veja
Provérbios 31:6,7. A mãe de Lemuel o aconselha a dar vinho como um ato de
misericórdia aos infelizes e condenados da terra. Bebendo vinho – não apenas
pelo sabor, mas pelo leve estado de alegria que ele induz –, os pobres da terra
terão alguns momentos de prazer em sua vida amarga. O argumento falacioso de
que “a bebida só oferece um prazer momentâneo” cai aqui, pois Provérbios ensina
que esse prazer momentâneo é melhor do que nenhum.
Matar a sede: Quando Jesus estava na
cruz, em seus últimos momentos, ele gritou de sede. Alguém, com más intenções,
embebeu uma esponja em vinagre – um vinho barato da época – e a levantou até a
boca dele por uma vara. Jesus provou o vinagre e morreu. Ainda que o desejo de
Jesus fosse água, e não vinho, e que o vinho só foi dado pela maldade de alguém
que queria ver Jesus passar mais tempo sofrendo na cruz, o fato é que ele não
recusou. Jesus bebeu o vinagre para matar a sede. Se isso fosse um pecado, todo
o sofrimento que ele passara até então teria sido em vão, pois ele estaria
imperfeito para ser sacrificado a Deus.
Todos esses
usos de bebida alcoólica são expressamente permitidos ou ordenados por Deus na
Bíblia. É impossível sustentar a crendice de que bebida alcoólica é sempre um
pecado. Na verdade, ela não é nem mesmo vista com suspeição. Agora, existe um
único uso distorcido dessa bênção, que é proibida pela Bíblia: a embriaguez
descontrolada. É nesse sentido que o presbítero não deve ser dado ao vinho
(1Timóteo 3:3; Tito 1:17), que o crente não deve se embriagar e dar-se à
libertinagem (Efésios 5:18), que o vinho é perigoso por tirar a lucidez
(Provérbios 23:30; 21:17; 20:1; 31:4; 23:21). Provérbios 23:29-35 descreve
vividamente a sensação de estupor de um bêbado. Ele diz como o bêbado fica
tonto, com ilusões e acaba sendo zombado e espancado. E, no fim, o bêbado
percebe que não estava consciente quando lhe fizeram mal e acha isso ótimo,
desejando a próxima bebida para repetir a sensação. A Bíblia permite e
incentiva o uso do álcool até o estado mental de leveza e riso, mas proíbe que
isso seja levado ao estado de descontrole e falta de juízo.
Não é difícil
entender por que a embriaguez é um pecado. Ela retira qualquer capacidade de
domínio próprio. Ela bloqueia o senso moral e permite a vazão dos impulsos da natureza
depravada. A embriaguez é uma forma de dizer ao Espírito Santo “Não quero o seu
domínio, quero ser deixado por conta própria”. Ela profana o templo de Deus,
por expô-lo a tolices e a atos lascivos. Ela impossibilita que o homem vigie
contra o pecado. A maneira mais eficiente para o homem se dar aos seus desejos
transgressores é bebendo até perder o juízo. É nesse sentido que tantas vezes o
pecado desenfreado de uma pessoa ou nação é comparado à embriaguez com vinho (Jeremias
51:7; Sofonias 1:12; Apocalipse 17:2; 14:8, etc). Também é nesse mesmo sentido
que Deus diz que a sua ira é como um cálice de vinho dado às nações para
beberem (Jeremias 13:13; 25:15; Apocalipse 14:10). Um povo que sofre a ira de
Deus fica perdido e desnorteado, como se estivesse embriagado. Porém, esse uso
proibido do vinho nada mais é do que uma distorção de uma boa criação de Deus –
como qualquer outro pecado. A bebida alcoólica não deve ser vista com mais
suspeição do que qualquer outra criação divina, porque qualquer coisa pode ser
usada pelo homem de forma pecaminosa.
Como a bebida
deve ser tratada hoje pela Igreja? No contexto do respeito mútuo, Paulo diz que
o reino de Deus não é comida ou bebida (Romanos 14:17). É óbvio que, pelas
circunstâncias atuais e pela dica desse texto, a bebida deve ser colocada no
rol de práticas possivelmente alienáveis. Entramos na velha questão do “não
escandalizar”. E, mais uma vez, enfatizamos que o “não escandalizar” deve
receber uma compreensão imparcial. Escandalizar significa “fazer pecar”, não
simplesmente ofender. Romanos 14 e 1Coríntios 8-10 tratam dessa questão. O
crente maduro em sua liberdade sabe que pode beber. O imaturo ainda possui
resistência. Há duas maneiras de causar o pecado por meio da bebida: induzir (“pressionar”)
o imaturo a beber contra a sua própria consciência ou provocar uma divisão na
irmandade pela falta de sensibilidade. Dessa forma, um crente maduro não deve
tomar bebida na presença de um imaturo. Isso resultaria em uma ofensa
desnecessária. Por outro lado, o imaturo também recebe a ordem de não condenar
e não olhar de cima para baixo um crente que bebe. Ambos possuem responsabilidades
mútuas. E há algo maior, que é a defesa da verdade. O imaturo deve sim ser
ensinado que beber não é pecado, que o uso de bebida alcoólica é autorizado
pelas Escrituras em circunstâncias determinadas. Saiba que quem resiste a
bebidas alcoólicas por razões teológicas está perdendo o desfrute de uma das
bênçãos que Deus mais enfatiza na Bíblia. É um ato de amor ser sensível à
imaturidade desse irmão, mas é ainda mais amoroso doutrinar esse irmão para que
ele receba essa bênção divina. Ele terá mais um motivo para se alegrar e dar
graças a Deus. O maduro não deve abandonar o imaturo em sua ignorância.
Por que Jesus
ordenou o vinho como símbolo de seu sangue derramado? Por causa de todo o
simbolismo que o vinho já possuía nas Escrituras. O vinho é símbolo da ira de
Deus, como já vimos, e é também símbolo de alegria e favor dos céus. Tim Keller
diz, comentando sobre a parábola do filho pródigo, que nós entramos no banquete
do Pai porque Jesus Cristo tomou o cálice da ira para nos dar o cálice da
alegria. Seu sangue derramado é sinal da ira de Deus contra o pecado e do amor
de Deus pela humanidade. Quando Jesus orou “afasta de mim este cálice”,
referia-se justamente à ira de Deus. Porém, ele tomou esse cálice. Para nós,
está reservado o banquete celestial, no casamento com o Cordeiro. Após dar a
ordem de tomar o vinho na ceia, Jesus disse que beberia do fruto da videira
somente quando viesse em seu reino – e conosco (Mateus 26:29)! Esse banquete é
o casamento entre Cristo e a Igreja, conforme Apocalipse 19. O vinho é uma
bênção escatológica! Na verdade, é uma promessa escatológica. Quando a Igreja
se encontrar com Jesus, todos os seus beberão vinho com ele. Ninguém ficará
escandalizado, nem dando sermão em Jesus por induzir as pessoas a esse “pecado”.
Isso nos leva
a uma conclusão rígida. O crente que condena a bebida de todas as formas e
critica quem bebe está blasfemando contra uma promessa de Cristo. Está odiando
uma conquista maravilhosa de Jesus para nós, que lhe custou a sua vida. Ora,
será que Jesus Cristo realizou a sua obra para dar o vinho novo no Reino de
Deus a crentes que odeiam bebida alcoólica? Se alguém pensa que beber é sempre
errado, que tomar álcool é um pecado em si, é mais coerente que negue a fé
cristã, visto que lança na sarjeta uma caríssima bênção do Cordeiro. Se beber é
pecado ou não, isso não é uma questão polêmica. É uma questão para a qual a
Bíblia dá ensinos claríssimos. Quem persiste em condenar a bebida não está
apenas emitindo uma opinião, está contradizendo a Bíblia e deve ser levada ao
arrependimento.
André Duarte