terça-feira, 30 de julho de 2013

A Bíblia e o álcool


                       
O que a Bíblia diz sobre o álcool? Muitos crentes, especialmente da geração passada, pensam que bebida alcoólica é totalmente proibida em qualquer dose e espécie. Crentes que conviveram desde crianças com parentes alcoólatras podem adquirir um compreensível horror a respeito da bebida e acabam distorcendo as declarações bíblicas para se amoldarem a esse mecanismo de defesa. Já outros crentes vão ao oposto e frequentemente se embriagam, focalizando apenas os argumentos bíblicos permissivos sobre a bebida. Façamos, portanto, uma análise global para elucidar essa questão.

Em primeiro lugar, é claramente errado determinar o álcool como sempre proibido. Permissões para a bebida alcoólica, inclusive na forma de mandamentos, estão por toda a Bíblia. O pastor Doug Wilson, em seu livro “Joy at the end of the tether”, diz que há, no mínimo, cinco usos para o vinho que a Bíblia permite explicitamente:

Religioso. A Lei de Moisés ordena o uso do vinho para certas ofertas (Êxodo 29:40; Levítico 23:13; Números 28:14, etc). Deus estabelecia critérios claros e rígidos quanto a quais elementos deveriam ser ofertados e quais eram proibidos, por serem impuros. O vinho não foi declarado impuro por Deus, ao contrário do porco e dos ratos, por exemplo. O vinho era aceitável a ele. O vinho era também dado junto aos outros alimentos do dízimo (Deuteronômio 14:26) e de outras ofertas dadas aos levitas (18:4). Deus expressamente ordena que os israelitas deem vinho aos levitas. Notar que, além de vinho, Deus diz “e qualquer outra bebida fermentada”, um termo genérico para qualquer bebida alcoólica. A Páscoa era celebrada com vinho e, de todos os alimentos envolvidos nessa cerimônia, Jesus preservou somente o pão e o vinho para a ceia cristã (Marcos 14:23,24; 1Coríntios 11:25,26). Os cristãos receberam a ordem de tomar vinho no sacramento da ceia. Quem acha que tomar bebida alcoólica é sempre um pecado simplesmente profana um sagrado sacramento ordenado por Jesus.

Celebrante: A abundância de vinho é uma bênção prometida por Deus aos israelitas fiéis (Gênesis 27:28; Deuteronômio 7:13; Provérbios 3:10), enquanto a sua escassez é sinal de sua maldição pela desobediência do povo (28:39; Lamentações 2:12). O salmo 104:15 cita o vinho como uma bênção de Deus para alegrar o coração. O rei Melquisedeque levou pão e vinho a Abraão para celebrar a derrota dos inimigos de Sodoma (Gênesis 14:18). Salomão diz para bebermos o vinho com alegria como celebração da vida (Eclesiastes 9:7). O vinho é uma bênção de Deus, e o álcool é dado por ele ao homem para que festeje e celebre a alegria de viver. Para alegrar-se diante de Deus e de sua graça, o vinho é incentivado pelas Escrituras, pois simboliza a própria mão de Deus abençoadora. Então, sim, é perfeitamente possível e legítimo festejar com bebida alcoólica para a glória de Deus. Proibir algo que o próprio Deus prometeu como dádiva de alegria é chamar a sua bênção de maldição. É pisar um presente de alegria que ele concedeu aos homens. É uma afronta contra a sua graça.

Medicinal: Nos tempos bíblicos, a água era frequentemente encontrada contaminada. Para resolver esse problema, as pessoas adicionavam vinho à água, por ser um antisséptico natural. É com essa finalidade que Paulo ordena a Timóteo que beba vinho com água (1Timóteo 5:23). Aparentemente, Timóteo não queria “dar mau testemunho” pela ingestão de vinho, visto que ele estava sendo enviado como presbítero de Éfeso e, portanto, deveria ter, entre as qualificações, “não ser dado ao vinho” (3:3). Porém, por conta disso, ele ficava enfermo frequentemente. Paulo diz que a prioridade é a saúde. Ele deve sim permanecer no costume de purificar a água com um pouco de vinho. Eu conheço uma crente tão fanática que diz que Paulo estava errado em dar essa ordem! Mas, se o apóstolo, em uma escritura inspirada, dá a ordem de usar o vinho para o bem da saúde, é óbvio que esse fim é legítimo. Hoje, ainda existem muitas cidades sem o mínimo de saneamento básico (o Egito inteiro não tem nenhuma estação de tratamento da água, por exemplo). O conselho de Paulo continua sendo sábio. Existem outras aplicações desse princípio. Até várias décadas, o vinho era usado em ferimentos abertos como desinfetante. Descobriu-se recentemente que um copo de vinho por dia faz bem ao coração e ajuda a prevenir infartos. O vinho é um remédio natural dado por Deus.

Simples prazer: Jesus transformou água em vinho no casamento em Caná (João 2). Mas ele não produziu qualquer vinho. Ele fez questão de oferecer o mais saboroso dos vinhos, mais do que o vinho normal que havia acabado. O vinho que Jesus transmutou foi tão admirável que rendeu elogios no fim da festa. O vinho é saboroso. Ele dá prazer ao paladar. Veja Provérbios 31:6,7. A mãe de Lemuel o aconselha a dar vinho como um ato de misericórdia aos infelizes e condenados da terra. Bebendo vinho – não apenas pelo sabor, mas pelo leve estado de alegria que ele induz –, os pobres da terra terão alguns momentos de prazer em sua vida amarga. O argumento falacioso de que “a bebida só oferece um prazer momentâneo” cai aqui, pois Provérbios ensina que esse prazer momentâneo é melhor do que nenhum.

Matar a sede: Quando Jesus estava na cruz, em seus últimos momentos, ele gritou de sede. Alguém, com más intenções, embebeu uma esponja em vinagre – um vinho barato da época – e a levantou até a boca dele por uma vara. Jesus provou o vinagre e morreu. Ainda que o desejo de Jesus fosse água, e não vinho, e que o vinho só foi dado pela maldade de alguém que queria ver Jesus passar mais tempo sofrendo na cruz, o fato é que ele não recusou. Jesus bebeu o vinagre para matar a sede. Se isso fosse um pecado, todo o sofrimento que ele passara até então teria sido em vão, pois ele estaria imperfeito para ser sacrificado a Deus.

Todos esses usos de bebida alcoólica são expressamente permitidos ou ordenados por Deus na Bíblia. É impossível sustentar a crendice de que bebida alcoólica é sempre um pecado. Na verdade, ela não é nem mesmo vista com suspeição. Agora, existe um único uso distorcido dessa bênção, que é proibida pela Bíblia: a embriaguez descontrolada. É nesse sentido que o presbítero não deve ser dado ao vinho (1Timóteo 3:3; Tito 1:17), que o crente não deve se embriagar e dar-se à libertinagem (Efésios 5:18), que o vinho é perigoso por tirar a lucidez (Provérbios 23:30; 21:17; 20:1; 31:4; 23:21). Provérbios 23:29-35 descreve vividamente a sensação de estupor de um bêbado. Ele diz como o bêbado fica tonto, com ilusões e acaba sendo zombado e espancado. E, no fim, o bêbado percebe que não estava consciente quando lhe fizeram mal e acha isso ótimo, desejando a próxima bebida para repetir a sensação. A Bíblia permite e incentiva o uso do álcool até o estado mental de leveza e riso, mas proíbe que isso seja levado ao estado de descontrole e falta de juízo.

Não é difícil entender por que a embriaguez é um pecado. Ela retira qualquer capacidade de domínio próprio. Ela bloqueia o senso moral e permite a vazão dos impulsos da natureza depravada. A embriaguez é uma forma de dizer ao Espírito Santo “Não quero o seu domínio, quero ser deixado por conta própria”. Ela profana o templo de Deus, por expô-lo a tolices e a atos lascivos. Ela impossibilita que o homem vigie contra o pecado. A maneira mais eficiente para o homem se dar aos seus desejos transgressores é bebendo até perder o juízo. É nesse sentido que tantas vezes o pecado desenfreado de uma pessoa ou nação é comparado à embriaguez com vinho (Jeremias 51:7; Sofonias 1:12; Apocalipse 17:2; 14:8, etc). Também é nesse mesmo sentido que Deus diz que a sua ira é como um cálice de vinho dado às nações para beberem (Jeremias 13:13; 25:15; Apocalipse 14:10). Um povo que sofre a ira de Deus fica perdido e desnorteado, como se estivesse embriagado. Porém, esse uso proibido do vinho nada mais é do que uma distorção de uma boa criação de Deus – como qualquer outro pecado. A bebida alcoólica não deve ser vista com mais suspeição do que qualquer outra criação divina, porque qualquer coisa pode ser usada pelo homem de forma pecaminosa.

Como a bebida deve ser tratada hoje pela Igreja? No contexto do respeito mútuo, Paulo diz que o reino de Deus não é comida ou bebida (Romanos 14:17). É óbvio que, pelas circunstâncias atuais e pela dica desse texto, a bebida deve ser colocada no rol de práticas possivelmente alienáveis. Entramos na velha questão do “não escandalizar”. E, mais uma vez, enfatizamos que o “não escandalizar” deve receber uma compreensão imparcial. Escandalizar significa “fazer pecar”, não simplesmente ofender. Romanos 14 e 1Coríntios 8-10 tratam dessa questão. O crente maduro em sua liberdade sabe que pode beber. O imaturo ainda possui resistência. Há duas maneiras de causar o pecado por meio da bebida: induzir (“pressionar”) o imaturo a beber contra a sua própria consciência ou provocar uma divisão na irmandade pela falta de sensibilidade. Dessa forma, um crente maduro não deve tomar bebida na presença de um imaturo. Isso resultaria em uma ofensa desnecessária. Por outro lado, o imaturo também recebe a ordem de não condenar e não olhar de cima para baixo um crente que bebe. Ambos possuem responsabilidades mútuas. E há algo maior, que é a defesa da verdade. O imaturo deve sim ser ensinado que beber não é pecado, que o uso de bebida alcoólica é autorizado pelas Escrituras em circunstâncias determinadas. Saiba que quem resiste a bebidas alcoólicas por razões teológicas está perdendo o desfrute de uma das bênçãos que Deus mais enfatiza na Bíblia. É um ato de amor ser sensível à imaturidade desse irmão, mas é ainda mais amoroso doutrinar esse irmão para que ele receba essa bênção divina. Ele terá mais um motivo para se alegrar e dar graças a Deus. O maduro não deve abandonar o imaturo em sua ignorância.

Por que Jesus ordenou o vinho como símbolo de seu sangue derramado? Por causa de todo o simbolismo que o vinho já possuía nas Escrituras. O vinho é símbolo da ira de Deus, como já vimos, e é também símbolo de alegria e favor dos céus. Tim Keller diz, comentando sobre a parábola do filho pródigo, que nós entramos no banquete do Pai porque Jesus Cristo tomou o cálice da ira para nos dar o cálice da alegria. Seu sangue derramado é sinal da ira de Deus contra o pecado e do amor de Deus pela humanidade. Quando Jesus orou “afasta de mim este cálice”, referia-se justamente à ira de Deus. Porém, ele tomou esse cálice. Para nós, está reservado o banquete celestial, no casamento com o Cordeiro. Após dar a ordem de tomar o vinho na ceia, Jesus disse que beberia do fruto da videira somente quando viesse em seu reino – e conosco (Mateus 26:29)! Esse banquete é o casamento entre Cristo e a Igreja, conforme Apocalipse 19. O vinho é uma bênção escatológica! Na verdade, é uma promessa escatológica. Quando a Igreja se encontrar com Jesus, todos os seus beberão vinho com ele. Ninguém ficará escandalizado, nem dando sermão em Jesus por induzir as pessoas a esse “pecado”.

Isso nos leva a uma conclusão rígida. O crente que condena a bebida de todas as formas e critica quem bebe está blasfemando contra uma promessa de Cristo. Está odiando uma conquista maravilhosa de Jesus para nós, que lhe custou a sua vida. Ora, será que Jesus Cristo realizou a sua obra para dar o vinho novo no Reino de Deus a crentes que odeiam bebida alcoólica? Se alguém pensa que beber é sempre errado, que tomar álcool é um pecado em si, é mais coerente que negue a fé cristã, visto que lança na sarjeta uma caríssima bênção do Cordeiro. Se beber é pecado ou não, isso não é uma questão polêmica. É uma questão para a qual a Bíblia dá ensinos claríssimos. Quem persiste em condenar a bebida não está apenas emitindo uma opinião, está contradizendo a Bíblia e deve ser levada ao arrependimento.

André Duarte


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