quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Até que a morte os una mais ainda


            O texto principal deste discurso é aquele em que Jesus discute sobre o divórcio com os fariseus. Vamos ver, mais uma vez, o que estava por trás das intenções dos seus interlocutores e a maneira como Jesus responde.

            Na época de Jesus, existiam duas escolas farisaicas principais e opostas: uma era a do rabino Hilel e a outra era do Shammai. A escola do Hilel era a teologicamente mais liberal; a do Shammai era a mais rígida. (No futuro, o judaísmo preferiu por seguir os ensinos de Hilel.) Com relação ao divórcio, Hilel ensinava aquilo que os fariseus perguntaram a Jesus: que o homem pode se divorciar de sua mulher por qualquer motivo. Shammai ensinava algo parecido com o que Jesus respondeu: o homem não pode se divorciar de sua mulher de forma alguma, exceto em caso de adultério. O que os fariseus queriam saber era de que lado Jesus estava. Queriam que Jesus resolvesse esse conflito doutrinário.

            Jesus, amante das Escrituras como era, disse aos fariseus que eles não precisavam escolher partidos, pois a resposta estava na Lei. Esses homens ficaram tão enredados em suas tradições sagradas que se esqueceram daquilo que realmente importava, que é a revelação de Deus. E nós também fazemos assim. Como cristãos pertencentes a igrejas institucionais, por vezes ficamos tão apegados à teologia reinante em nossa igreja que deixamos de lado os ensinos vindos do próprio Deus. É necessário não colocar doutrinas de nosso líder ou de nossa igreja favorita lado a lado com os mandamentos de Jesus. Nossa base do conhecimento sobre Deus é o que Cristo nos ensinou, não o que humanos decidem. Nem sempre é fácil distinguir ambos, e nem sempre temos força para rever nossos paradigmas, mas a graça de Deus é poderosa para atuar em nós, levando-nos à verdade e à maturidade.

            Quando Jesus declarou que a luz para o problema estava nas Escrituras, os adeptos de Hilel ficaram felizes, pois sabiam que Deus havia dado uma lei através de Moisés segundo a qual o divórcio era permitido se “o homem não se agradasse de sua mulher”. Jesus, no entanto, explica que essa lei foi dada pela grande misericórdia de Deus em ensinar um povo caído na medida de sua queda. E essa interpretação não era imprevisível para os judeus, pois o profeta Malaquias – o qual, como os outros profetas, estava preparando o povo para a revelação da graça – declarou a palavra de Deus “Eu odeio o divórcio; portanto, sejam fieis à esposa de sua juventude”. Bem que Paulo disse que “a lei não foi dada aos justos, mas aos pecadores e transgressores”. O padrão para a vontade de Deus encontra-se na era antes da queda, no primeiro propósito de Deus para o homem: que o homem e a mulher se unirão e serão uma só carne. Essa cláusula não é uma explicação sobre o que havia no Éden – afinal, a parte do “deixar pai e mãe” era impossível para Adão e Eva -, mas é uma lei que Moisés estava dando ao povo, a verdadeira lei sobre o casamento fundamentada na ordem paradisíaca em que Deus criou o primeiro casal. Assim, essa lei mosaica tem uma clara primazia sobre a lei citada pelos fariseus de Hilel. Eles estavam, pra variar, relativizando a palavra de Deus para atender às suas próprias pretensões, que são claramente julgadas como contrárias à vontade de Deus, segundo a explicação de Jesus.

            Jesus Cristo contrariou claramente a opinião dos adeptos de Hilel. Mas, e quanto aos de Shammai? Jesus parece ter concordado com estes, já que declarou a exceção única do adultério para o divórcio. De fato, a conclusão é igual, mas Jesus denuncia também o erro deles em seu método. Os judeus de Shammai baseavam sua teologia na tradição dos anciãos, e Jesus, nas Escrituras. Mesmo que a conclusão tenha sido a mesma, os meios para se chegar a ela foram diferentes, e Jesus deseja que a revelação de Deus seja também o fundamento de nossas conclusões. Nós temos muitas noções do que é certo e errado, mas a nossa base deve ser sempre a declaração de Deus, pois é dele que procede toda a justiça e a moral, e não dos homens. Nisso nós também falhamos, mas Jesus amou totalmente as leis de Deus e nunca se deixou enganar pelos homens. Ele pode nos dar a graça de fazermos o mesmo.

            O que podemos aprender sobre o casamento com base em Jesus? Bem, ele mostrou, através da lei referente à criação primitiva, que o casamento é uma união completa e realizada por Deus. Existem diversos textos nas cartas que falam sobre a santidade do casamento, mas nenhum é mais sublime do que a declaração aos efésios: “Homens, amem suas mulheres como Cristo amou a Igreja e a si mesmo se entregou por ela” e “mulheres, sujeitem-se aos seus maridos como a Igreja se sujeita a Cristo”. Se os casais realmente entendessem isso, não precisariam de mais nada. A aliança que o homem tem com a mulher deve seguir a aliança que Jesus fez com a Igreja. Jesus Cristo não apenas ensinou sobre o casamento, mas ele se fez o verdadeiro e perfeito noivo de nós, a Igreja. A sua vida autossacrificial e sua entrega de si mesmo por puro amor é a perfeita consumação da sua aliança conosco. Não precisamos decorar regras para o casamento, mas precisamos olhar para Cristo. O casamento ideal é aquele que reflete o casamento do Cordeiro com a sua noiva.

            Podemos aprender também que a fidelidade é tão essencial que a falta dela é a única brecha para que Deus desfaça um casamento. Mas o casamento de Jesus Cristo é ainda melhor. Ele nunca, jamais anulará a sua fidelidade a nós. Paulo disse a Timóteo “Se somos infiéis, ele permanece fiel”. Nada pode nos separar do amor pactual de Deus. Não há divórcio entre Jesus e a Igreja. E é bom lembrar que Jesus Cristo nos ensinou que a fidelidade não está apenas em atos, mas também no desejo e nas intenções do coração. Mesmo o seu coração esteve voltado inteiramente para o seu amor à Igreja. Quando seduzido pelas riquezas que Satanás lhe ofereceu, ele resistiu, mantendo a fidelidade em seu foco. Chegando em Jerusalém pela última vez, ele diz “Está chegando a minha hora, e o que direi? Pai, salva-me desta hora? Não, pois foi para isso que eu vim”. Em sua glória no céu, em seus passos na terra, em seu espancamento pelos romanos, em sua suspensão na cruz e em sua ascensão de volta à glória, não houve um só minuto em que o coração de Jesus se desviou de nós. Sua fidelidade perfeita nos dá o movimento de sermos também inteiramente fiéis a ele e aos cônjuges terrenos que tivermos.

            O terceiro aspecto em que o casamento de Jesus é superior é a sua eternidade. A própria Lei de Moisés já nos dizia que o casamento só vale para as pessoas enquanto estão vivas, de forma que uma viúva pode de casar de novo sem ser adúltera. Paulo usou essa ilustração para explicar que, pelo fato de estarmos mortos para a Lei, nosso “casamento”, ou aliança com ela já findou. Temos agora uma aliança melhor, gloriosa e eterna, e aguardamos ansiosamente pela consumação dessa aliança. Hoje, a Igreja está como noiva de Cristo, isto é, prometida a ele em casamento. Essa promessa nos foi garantida pela marca do Espírito Santo (eu diria que o Espírito Santo é como a aliança de prata de noivado que os noivos usam), e o casamento ocorrerá quando o nosso Amado voltar para nos buscar, quando ele destruir a morte e instaurar o seu reino eterno. Se, para o casamento terreno, a morte é o que o destrói, o casamento com Cristo é justamente selado após a morte. Por isso, estamos expectantes na promessa, ansiosos para o belíssimo casamento celestial, quando nos uniremos ao Senhor Jesus para todo o sempre.

         André Duarte

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