domingo, 29 de julho de 2012

Ame o seu Samaritano


            A parábola do bom samaritano é conhecida de todos. Nesta apresentação, quero focar no que o texto diz sobre o ouvinte dessa parábola, e em como ele ficaria impactado. Talvez assim nós possamos nos permitir ser igualmente impactados também.

            Em primeiro lugar, o homem que perguntou a Jesus “o que fazer para ter a vida eterna” era um rabino. Não era, exteriormente, uma pessoa comum e leiga, mas um dos mais respeitados religiosos de seus conhecidos. Porém, por maior que fosse o seu conhecimento e a sua piedade, ele tinha escondido no fundo o seu ídolo, isto é, o sujeito de sua justificação: ele mesmo.

            Jesus lhe respondeu com uma pergunta: o que você acha que a Lei lhe diz sobre isso? Jesus queria que o homem confessasse que já sabia a resposta para questão da vida eterna, e isso faria com que o homem fizesse a pergunta que realmente estava incomodando a sua alma. Ele induziu o rabino a revelar suas verdadeiras intenções. O rabino respondeu corretamente, que a Lei lhe ordena amar Deus e amar o próximo. O mestre tinha entendido o espírito da Lei, e isso já é um grande passo. Era isto que estava mexendo com a consciência desse rabino: ele sabia que a Lei lhe tinha ordenado o amor, mas, lá no seu coração, ele não estava disposto a amar. Jesus sabia disso e disse-lhe de forma sincera, mas provocante: “Então, não é simples? Basta amar, e você viverá”.

            Obviamente, o rabino não ficou satisfeito e revelou a Jesus o que ele realmente queria saber: quem é esse próximo que eu devo amar? Note que o texto diz que ele fez essa pergunta “querendo se justificar”. Essa observação é crucial. O rabino tinha um pecado escondido, um pecado que a sua consciência lhe dizia que estava o impedindo de ganhar a vida eterna. Ele não era capaz de amar o próximo como a Lei lhe dizia. Quando ele lia na Lei mandamentos como “Se o boi do seu inimigo se extraviar, leve-o de volta ao seu dono” e “Se o jumento de alguém que o odeia tropeçar, vá e ajude-o”, ele reprimia a acusação de estar faltando com o amor ao inimigo. Ele fez o que qualquer um de nós faria: relativizar e interpretar como lhe convém. Mas esse mecanismo de defesa não o deixou em paz. Ele sabia que algo estava errado com ele, e ele precisava encontrar um meio de se sentir coerente. Assim, ele entendia, Deus o aceitaria também.

            Quando perguntou a Jesus “quem é o meu próximo”, ele estava dizendo a si mesmo “Pronto, minha angústia termina aqui. Esse profeta iluminado certamente me dirá que eu só preciso amar aqueles que se parecem comigo, aqueles que são a minha imagem e semelhança. O ódio que eu tenho pelos samaritanos, gentios e outros pecadores impuros passará impune. Meu problema existencial está resolvido e eu posso continuar como eu estou”. É evidente que o rabino estava confiando em sua justiça própria e subjetiva para ser salvo. Aquele que praticamente havia memorizado a Lei e os Profetas tinha, inevitavelmente, se tornado o seu próprio deus e salvador.

            Jesus, então, respondeu com uma história em que um homem é gravemente ferido e necessitava do amor de alguém para sobreviver. Um levita e um sacerdote foram incapazes de amar. O ferido em questão era certamente um judeu, visto que ele “descia de Jerusalém para Jericó”. Ele tinha acabado de prestar culto ao Deus dos judeus e estava retornando para casa. E, justamente aqueles que eram os mediadores do culto passaram longe do miserável homem. Talvez esse sacerdote tinha oferecido o sacrifício que o homem levou ao templo; talvez esse levita era o músico que levou o homem a cantar a Deus. Os três podem ter se visto pessoalmente prestando culto a Deus juntos. No entanto, longe do templo e da liturgia, a história foi outra. E sim, isso foi dito para acusar todos nós.

Essa é a parte em que o rabino que ouviu a história ficou chocado por ouvir que mesmo os homens mais religiosos podem pecar na falta de amor. Mas, ao mesmo tempo, ele disse a si mesmo “Bem, se eu estivesse lá, eu teria ajudado. Afinal, o homem é da mesma religião que a minha e adora o meu Deus”. Então Jesus lhe joga uma bomba: aquele que amou o judeu destruído foi um samaritano – isso mesmo, um racialmente mestiço e religiosamente sincrético. Alguém que era parte do povo da aliança, mas apostatou de tal forma que seguiu a religião dos assírios – ou, como o autor do livro dos Reis diz, “adoravam a Deus, mas adoravam os seus ídolos”. E, mesmo após séculos, a sua religião ainda era maculada. Para a grande surpresa do rabino, foi um samaritano quem amou o judeu.

Jesus induz o rabino a afirmar a conclusão que ele já não podia mais reprimir: o próximo do judeu foi o samaritano, e não os outros tão santos judeus. Tudo o que o rabino não queria ouvir ele ouviu – e ainda foi levado a confessar. Não havia mais como escapar: ele tinha de se admitir pecador, transgressor. Ele encarou sem desvios a verdade de que ele deveria amar os seus inimigos, os seus diferentes, aqueles que eram mais aparentemente errados. Não sabemos se, depois desse batismo de fogo, o rabino se enfureceu, se ficou deprimido, ou inventou mecanismos de defesa ainda mais sufocantes. No entanto, se ele teve a curiosidade de continuar observando o tão sábio Mestre, talvez ele tenha entendido que esse Mestre não apenas aponta o problema, mas também a solução.

O coração humano é mau. Enquanto ele confiar em seus próprios conceitos e em sua própria capacidade de ser justo, ele não poderá cumprir o amor ensinado na Lei. Mais uma vez, o que o coração humano não pôde realizar, o Senhor Jesus realizou. Jesus é o nosso melhor e perfeito samaritano. O samaritano tinha o seu povo e os seus semelhantes, mas Jesus Cristo não tinha ninguém para apoiá-lo. Ele amava a todos indistintamente e, exatamente por essa razão, ele foi odiado por todos. Seu amor pelos samaritanos ganhou-lhe o ódio dos judeus. Sua origem e religião judaica causou tal aversão nos samaritanos que João pediu a Jesus que lhes enviasse fogo do céu – e a resposta de Cristo foi “eu vim para salvar, não para condenar”. Seu amor pelas mulheres ganhou-lhe o ódio dos homens; seu amor pelas prostitutas ganhou-lhe o escândalo dos castos; seu amor pelos coletores de impostos rendeu-lhe a ira dos nacionalistas; seu amor pelos ladrões foi pago com o julgamento dos dizimistas. Ele era o samaritano na terra dos judeus e o judeu na terra dos samaritanos. E toda a ralé que o seguia por causa dos milagres esperava que ele fosse o rei vitorioso, mas, quando essa esperança foi provada falsa diante de Pilatos, Jesus ficou inteiramente sozinho. A multidão que aparentemente o amava estava gritando “Crucifique-o”. Os romanos o espancaram e lhe pregaram os pregos; os judeus o acompanhavam para zombar. Se o samaritano ordinário era um proscrito, Jesus o foi muito mais.

E, se o samaritano da parábola prestou ajuda com o seu tempo e o seu dinheiro, Jesus também nesse aspecto foi o nosso melhor e perfeito samaritano. Ele pagou o preço pela nossa vida com o seu sangue. Ele dedicou todo o seu tempo na terra em favor daqueles que ele já sabia que iriam odiá-lo. Ele não gastou parte do seu dinheiro conosco, mas abandonou toda a sua riqueza celestial, tornando-se absolutamente pobre, para que nós fôssemos espiritualmente restaurados. E, em sua maior agonia na cruz, no momento em que a maior despesa foi paga – a sua própria santidade sacrificada para que fosse maldito em nosso lugar –, tendo sido fatalmente traído por um de seus melhores amigos e negado pelo outro, ouvindo zombarias de todos os lados e surras daqueles romanos que nem o conheciam; em face disso tudo, o seu amor aos inimigos não falhou; antes, levou-o a orar “Pai, perdoa-os, pois não sabem o que estão fazendo”.

Se o amor ao nosso samaritano é impossível para nós, ele foi possível para Cristo. Somente porque ele foi o nosso perfeito amante, sendo nós ainda inimigos, “samaritanos” diante de Deus, nós podemos participar desse amor e perpetuá-lo em nossos círculos. Essa é a grande resposta para o inquieto rabino que existe em todos nós.

André Duarte

Um comentário:

  1. Agora eu vi porque esse é o que você mais gosta! Você chorou enquanto estava escrevendo? Eu limpei as lágrimas do rosto enquanto estava lendo. Mandou muito bem!

    ResponderExcluir