A parábola do bom samaritano é
conhecida de todos. Nesta apresentação, quero focar no que o texto diz sobre o
ouvinte dessa parábola, e em como ele ficaria impactado. Talvez assim nós
possamos nos permitir ser igualmente impactados também.
Em primeiro
lugar, o homem que perguntou a Jesus “o que fazer para ter a vida eterna” era
um rabino. Não era, exteriormente, uma pessoa comum e leiga, mas um dos mais
respeitados religiosos de seus conhecidos. Porém, por maior que fosse o seu
conhecimento e a sua piedade, ele tinha escondido no fundo o seu ídolo, isto é,
o sujeito de sua justificação: ele mesmo.
Jesus lhe
respondeu com uma pergunta: o que você acha que a Lei lhe diz sobre isso? Jesus
queria que o homem confessasse que já sabia a resposta para questão da vida
eterna, e isso faria com que o homem fizesse a pergunta que realmente estava
incomodando a sua alma. Ele induziu o rabino a revelar suas verdadeiras
intenções. O rabino respondeu corretamente, que a Lei lhe ordena amar Deus e
amar o próximo. O mestre tinha entendido o espírito da Lei, e isso já é um
grande passo. Era isto que estava mexendo com a consciência desse rabino: ele
sabia que a Lei lhe tinha ordenado o amor, mas, lá no seu coração, ele não
estava disposto a amar. Jesus sabia disso e disse-lhe de forma sincera, mas
provocante: “Então, não é simples? Basta amar, e você viverá”.
Obviamente,
o rabino não ficou satisfeito e revelou a Jesus o que ele realmente queria
saber: quem é esse próximo que eu devo amar? Note que o texto diz que ele fez
essa pergunta “querendo se justificar”. Essa observação é crucial. O rabino
tinha um pecado escondido, um pecado que a sua consciência lhe dizia que estava
o impedindo de ganhar a vida eterna. Ele não era capaz de amar o próximo como a
Lei lhe dizia. Quando ele lia na Lei mandamentos como “Se o boi do seu inimigo
se extraviar, leve-o de volta ao seu dono” e “Se o jumento de alguém que o
odeia tropeçar, vá e ajude-o”, ele reprimia a acusação de estar faltando com o
amor ao inimigo. Ele fez o que qualquer um de nós faria: relativizar e
interpretar como lhe convém. Mas esse mecanismo de defesa não o deixou em paz.
Ele sabia que algo estava errado com ele, e ele precisava encontrar um meio de
se sentir coerente. Assim, ele entendia, Deus o aceitaria também.
Quando
perguntou a Jesus “quem é o meu próximo”, ele estava dizendo a si mesmo
“Pronto, minha angústia termina aqui. Esse profeta iluminado certamente me dirá
que eu só preciso amar aqueles que se parecem comigo, aqueles que são a minha
imagem e semelhança. O ódio que eu tenho pelos samaritanos, gentios e outros
pecadores impuros passará impune. Meu problema existencial está resolvido e eu
posso continuar como eu estou”. É evidente que o rabino estava confiando em sua
justiça própria e subjetiva para ser salvo. Aquele que praticamente havia
memorizado a Lei e os Profetas tinha, inevitavelmente, se tornado o seu próprio
deus e salvador.
Jesus,
então, respondeu com uma história em que um homem é gravemente ferido e
necessitava do amor de alguém para sobreviver. Um levita e um sacerdote foram
incapazes de amar. O ferido em questão era certamente um judeu, visto que ele
“descia de Jerusalém para Jericó”. Ele tinha acabado de prestar culto ao Deus
dos judeus e estava retornando para casa. E, justamente aqueles que eram os
mediadores do culto passaram longe do miserável homem. Talvez esse sacerdote
tinha oferecido o sacrifício que o homem levou ao templo; talvez esse levita
era o músico que levou o homem a cantar a Deus. Os três podem ter se visto
pessoalmente prestando culto a Deus juntos. No entanto, longe do templo e da
liturgia, a história foi outra. E sim, isso foi dito para acusar todos nós.
Essa é a parte em que o rabino
que ouviu a história ficou chocado por ouvir que mesmo os homens mais
religiosos podem pecar na falta de amor. Mas, ao mesmo tempo, ele disse a si
mesmo “Bem, se eu estivesse lá, eu teria ajudado. Afinal, o homem é da mesma
religião que a minha e adora o meu Deus”. Então Jesus lhe joga uma bomba:
aquele que amou o judeu destruído foi um samaritano – isso mesmo, um
racialmente mestiço e religiosamente sincrético. Alguém que era parte do povo
da aliança, mas apostatou de tal forma que seguiu a religião dos assírios – ou,
como o autor do livro dos Reis diz, “adoravam a Deus, mas adoravam os seus
ídolos”. E, mesmo após séculos, a sua religião ainda era maculada. Para a
grande surpresa do rabino, foi um samaritano quem amou o judeu.
Jesus induz o rabino a afirmar a
conclusão que ele já não podia mais reprimir: o próximo do judeu foi o
samaritano, e não os outros tão santos judeus. Tudo o que o rabino não queria
ouvir ele ouviu – e ainda foi levado a confessar. Não havia mais como escapar:
ele tinha de se admitir pecador, transgressor. Ele encarou sem desvios a
verdade de que ele deveria amar os seus inimigos, os seus diferentes, aqueles
que eram mais aparentemente errados. Não sabemos se, depois desse batismo de
fogo, o rabino se enfureceu, se ficou deprimido, ou inventou mecanismos de
defesa ainda mais sufocantes. No entanto, se ele teve a curiosidade de continuar
observando o tão sábio Mestre, talvez ele tenha entendido que esse Mestre não
apenas aponta o problema, mas também a solução.
O coração humano é mau. Enquanto
ele confiar em seus próprios conceitos e em sua própria capacidade de ser
justo, ele não poderá cumprir o amor ensinado na Lei. Mais uma vez, o que o
coração humano não pôde realizar, o Senhor Jesus realizou. Jesus é o nosso
melhor e perfeito samaritano. O samaritano tinha o seu povo e os seus
semelhantes, mas Jesus Cristo não tinha ninguém para apoiá-lo. Ele amava a
todos indistintamente e, exatamente por essa razão, ele foi odiado por todos.
Seu amor pelos samaritanos ganhou-lhe o ódio dos judeus. Sua origem e religião
judaica causou tal aversão nos samaritanos que João pediu a Jesus que lhes
enviasse fogo do céu – e a resposta de Cristo foi “eu vim para salvar, não para
condenar”. Seu amor pelas mulheres ganhou-lhe o ódio dos homens; seu amor pelas
prostitutas ganhou-lhe o escândalo dos castos; seu amor pelos coletores de
impostos rendeu-lhe a ira dos nacionalistas; seu amor pelos ladrões foi pago
com o julgamento dos dizimistas. Ele era o samaritano na terra dos judeus e o
judeu na terra dos samaritanos. E toda a ralé que o seguia por causa dos
milagres esperava que ele fosse o rei vitorioso, mas, quando essa esperança foi
provada falsa diante de Pilatos, Jesus ficou inteiramente sozinho. A multidão
que aparentemente o amava estava gritando “Crucifique-o”. Os romanos o
espancaram e lhe pregaram os pregos; os judeus o acompanhavam para zombar. Se o
samaritano ordinário era um proscrito, Jesus o foi muito mais.
E, se o samaritano da parábola
prestou ajuda com o seu tempo e o seu dinheiro, Jesus também nesse aspecto foi
o nosso melhor e perfeito samaritano. Ele pagou o preço pela nossa vida com o seu
sangue. Ele dedicou todo o seu tempo na terra em favor daqueles que ele já
sabia que iriam odiá-lo. Ele não gastou parte do seu dinheiro conosco, mas
abandonou toda a sua riqueza celestial, tornando-se absolutamente pobre, para
que nós fôssemos espiritualmente restaurados. E, em sua maior agonia na cruz,
no momento em que a maior despesa foi paga – a sua própria santidade
sacrificada para que fosse maldito em nosso lugar –,
tendo sido fatalmente traído por um de seus melhores amigos e negado pelo
outro, ouvindo zombarias de todos os lados e surras daqueles romanos que nem o
conheciam; em face disso tudo, o seu amor aos inimigos não falhou; antes,
levou-o a orar “Pai, perdoa-os, pois não sabem o que estão fazendo”.
Se o amor ao nosso samaritano é
impossível para nós, ele foi possível para Cristo. Somente porque ele foi o
nosso perfeito amante, sendo nós ainda inimigos, “samaritanos” diante de Deus,
nós podemos participar desse amor e perpetuá-lo em nossos círculos. Essa é a
grande resposta para o inquieto rabino que existe em todos nós.
André Duarte
Agora eu vi porque esse é o que você mais gosta! Você chorou enquanto estava escrevendo? Eu limpei as lágrimas do rosto enquanto estava lendo. Mandou muito bem!
ResponderExcluir