sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Crítica ao evangelismo contemporâneo 3 – O Retorno do Rei



            Depois de aprender com Tim Keller que “one does not simply writes a theological article without presenting the gospel of Jesus”, vou mostrar agora como Jesus Cristo, o sujeito e o assunto do evangelismo, pregava sobre si mesmo e respondia às questões do povo. (O trocadilho do título foi até mais adequado que o do post anterior :P)

            Quanto ao ponto do apelo, Jesus faz como Pedro: ele chama ao arrependimento. Para Jesus, não há a menor chance de alguém tentar segui-lo sem que esteja profundamente convicto da própria perdição e da vida eterna imerecida que o Senhor dá. Quando ele ouve notícias de que Pilatos assassinou alguns galileus, ele diz “Vocês acham que esses que morreram eram mais pecadores que os outros, por terem morrido? Não! Mas, se vocês não se arrependerem, também perecerão”. Jesus tinha de dizer isso sempre, porque havia muita divergência de opiniões sobre quem ele era – assim como há hoje. Ele tinha de deixar claro que ele veio chamar pecadores ao arrependimento, e não aqueles que já se acham justos. Ele deseja destruir a justiça própria que há em cada um para que só então essa pessoa o siga. E as pessoas que dizem entregar a vida a Jesus só porque se sentiram emocionadas no momento ou porque desejam ser mais felizes não mudaram em nada a autoidolatria.

            Outro ponto que eu quero salientar é que Jesus sempre falava, além do arrependimento, em uma regeneração espiritual. Hoje em dia, basicamente fala-se sobre uma regeneração emocional – você vai ser mais feliz e pleno –, comportamental – você não vai mais precisar beber, se drogar ou se prostituir – ou intelectual – você terá acesso aos verdadeiros conceitos sobre a vida e o mundo. Jesus aponta para uma mudança lá no fundo do coração, algo que é crucial e tem como consequência a regeneração emocional, comportamental e intelectual. É algo que não pode ser nomeado por palavras assertivamente descritivas, mas que a Bíblia chama de espírito. É a natureza pecaminosa sendo subjugada pela natureza espiritual. É o homem carnal tornando-se o homem espiritual, o adorador de si mesmo tornando-se um adorador do verdadeiro Deus. A metáfora que Jesus usa com Nicodemos é o nascer de novo. Para se fazer entender ao povo, Jesus usa figuras que demonstram a insuficiência do homem ao tentar agradar a Deus e a total dependência que ele tem de Cristo. Eu tenho postado aqui no blog alguns exemplos de como Jesus retira o ídolo que há no ouvinte para colocar a si próprio nesse arquétipo. O que podemos fazer para realizar essa tarefa tão complicada que mal pode ser explicada? Pregar dessa forma como eu tenho descrito, a forma como Jesus prega. O entendimento espiritual será dado pelo Espírito Santo, mas a pregação correta é nosso dever.

            Outro ponto: Jesus prometia vida eterna para quem o seguisse. Mas, até que venha a dimensão do eterno, só tem coisa ruim, ruim para quem é carnal e não foi regenerado. Autossacrifício, autorrenúncia, perseguição, sofrimento! Isso ficou claríssimo quando ele se comparou ao maná. A primeira multiplicação dos pães é uma história que aparece em todos os evangelhos, mas só o de João dá o desfecho. Depois que a multidão faminta fica maravilhada com o milagre de Jesus, ele começa a dizer “Então, pessoal, a coisa não é tão simples assim. Eu não sou uma mera fonte de sustento e alimento. Eu mesmo sou esse sustento. Vocês comem esse pão feito por milagre achando o máximo, e também leem que os seus antepassados comeram o pão do céu achando maravilhoso. Mas a verdade é que o verdadeiro pão do céu sou eu. Não adianta vocês ficarem vindo atrás de mim para que eu faça pães, vocês precisam reconhecer que o pão que os satisfaz totalmente sou eu. É de minha carne e meu sangue que vocês devem se alimentar”. Alguns detestaram essa metáfora, confundindo com canibalismo, mas grande parte do povo entendeu o que aquilo significava. Infelizmente, há milhões de crentes que estão seguindo Jesus atrás do pão que ele dá, e não do pão que ele é. Quantas pessoas você conhece que se tornaram dependentes da liturgia animada e cheia de autoajuda nos domingos? O evangelho de autoajuda e motivação existencial é esse falso evangelho que diz “Siga Jesus, e ele lhe dará o pão”. O pão que Cristo dá é ele próprio; a vida, a morte, a ressurreição e o envio do Espírito Santo regenerador e paráclito, é isso que ele nos oferece para termos uma vida abundante. Mas esse é o ponto que toca, mais uma vez, na remoção de um ídolo da alegria fácil em nosso arquétipo e preenchê-lo com Jesus. A pregação de um evangelho com motivação existencial e só com a parte bonitinha faz do ouvinte alguém que segue Jesus para que Jesus ofereça para ele algo que dá a felicidade da vida, nem que seja um algo abstrato (porque mencionar a teologia da prosperidade aqui seria muito mainstream :P). É necessário que paremos de achar que Jesus veio fazer ou dar alguma coisa que não seja ele próprio, pois ele é tudo. Ele é o caminho, a verdade, a vida, a ressurreição, a água, o pão; todo o resto pode ser permeado de problemas e sofrimentos e não há nada de estranho nisso.

            Vinculado a esse ponto, existe o aspecto da pregação de Cristo de “one does not simply follow me”. Havia milhares que pediam para seguir Jesus, e ele não deixava. Que contraste com o que se faz hoje. Hoje, nós praticamente tentamos fazer todo o possível para um descrente crer; Jesus fazia todo o possível para que ninguém o seguisse a menos que quisesse isso mais do que tudo na vida. Nessa mesma história do pão, a multidão abandona Jesus, e ele não vai atrás dela. E ele ainda vira aos discípulos e diz “E vocês, estão esperando o quê para ir embora?”, e Pedro diz “Senhor, tu és o santo de Deus que tens as palavras da vida”.  Certa pessoa queria seguir Jesus achando que estaria tudo bem, e ele diz “Até os animais têm suas casas, mas eu nem tenho onde dormir. Você não tem condição de vir comigo, tchau”. A outro Jesus disse “Siga-me e deixe que os mortos sepultem os seus próprios mortos”. A outro que quis seguir Jesus só depois de despedir-se dos seus pais, o Senhor diz “Quem põe a mão no arado e olha para trás não pode entrar no Reino dos céus”. Jesus quer filtrar ao máximo quem realmente pode segui-lo. Seguir Jesus é muito mais difícil do que seguir Elias – pois, quando Eliseu pediu para despedir-se de sua família antes de seguir Elias, este disse que tudo bem. A situação também faz lembrar aquela em que Josué renova a aliança sinaítica com os israelitas. Ele diz “Escolham a quem vocês seguirão, mas eu e minha família serviremos ao Senhor”. O povo diz “Seguiremos o Senhor”, e Josué diz “Vocês não tem condição de servir ao Senhor! Ele é santo!”. Outras advertências de Jesus: “se alguém ama pai, mãe, filho ou esposa mais do que a mim não pode me seguir”, “só terá a vida aquele que a perder por minha causa e carregar a sua cruz todos os dias”. Jesus não permitirá que alguém o siga antes de renunciar aos seus ídolos e converter-se a Jesus para que ele seja o agente que remove os ídolos diariamente. A pregação fácil que se faz hoje, com uma simples oração de confissão e a motivação existencialista, atrai muitos números, mas a maioria desses números é falsa, porque tais métodos são ineficazes para atingir o problema dos ídolos.

            Por fim, Jesus também fala muito sobre o inferno. Quantas vezes eu já tive de ouvir que eu não podia falar de Jesus pra alguém mencionando o inferno, para não assustá-la! Jesus deve ter sido muito errado então em falar do inferno tantas vezes para os ouvintes coitadinhos. :P Ele diz “se algo faz você pecar, corte-o e jogue-o fora; é melhor entrar mutilado no céu a entrar inteiro no inferno” ou “Temam não os homens que só podem matar o corpo, mas sim aquele que pode destruir corpo e alma no inferno”. E todas as parábolas em que o infiel é atirado no fogo e nas trevas onde há choro e ranger de dentes? Sim, falar da eterna condenação é importantíssimo. É necessário que o ouvinte saiba o que ele merece por ter pecado contra Deus. O ouvinte precisa saber que Jesus teve de passar por uma condenação infernal para salvar aqueles que eram merecedores dela. Quanto mais for ressaltada a justiça punitiva de Deus,  maior será o entendimento da justiça graciosa e amorosa. Na pregação, deve haver a apresentação de ambos. A santidade e justiça punitiva de Deus sozinhas criam pessoas cheias de medo e paranoia; a graça e o amor de Deus sozinhos criam pessoas relaxadas e relativistas. Jesus não apenas pregou sobre ambos os aspectos, mas viveu o aspecto da condenação para que tivéssemos acesso ao aspecto da graça. E, se alguém rejeita essa graça por meio de um relativismo ou legalismo, a condenação ainda paira sobre ela.

        Agora, queridos, é o momento de fazer uma autoanálise. Decida se vai continuar seguindo uma tradição de 100 anos que teve como resultado esse cristianismo fácil e relativista ou se vai amoldar-se ao padrão de Cristo. E lembre-se, você pode viver como Cristo porque ele já viveu como você. Ele se tornou um pequeno humano para que você possa se tornar um pequeno Jesus.
Beijo pras mina e abraço pros mano.
André Duarte

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