terça-feira, 6 de novembro de 2012

Lembra-se do que eu te disse sobre tentação? - II



            Pinóquio sai, no dia seguinte, para a escola. Supostamente, ao ir para a escola, ele aprenderia a ser um menino de verdade. Entretanto, no meio do caminho, ele é interrompido por dois sujeitos, João Honesto e Gideão. Tais nomes dão aparência de retidão e, por isso, são adornos adequados à natureza enganosa desses sujeitos. Quando Pinóquio é abordado por eles, o Grilo não está presente, ficou atrasado. Isso reflete o fato de que a atuação da consciência é tardia e, portanto, sua atuação é potencialmente fracassada. Primeiro, vem a tentação e o desejo pelo pecado, depois vem a consciência para apenas falhar.

            O que queriam os dois tentadores? Proveito próprio, em primeiro lugar, pois venderiam o boneco de madeira vivo para Strombolli, apresentador de shows de marionetes. O discurso para Pinóquio é mentiroso. Dizem eles que o boneco irá para o “caminho fácil para o sucesso”, o qual, como diria Jesus, leva à perdição e muitos entram nele. Esse tipo de tentação eleva o coração da criatura até o seu próprio céu, ativando o orgulho e o desejo pela superioridade. Foi o mesmo desejo que a serpente colocou no coração de Eva: “serás como Deus”. Esse largo caminho leva ao prestígio e à admiração pública, com todos os benefícios que apetecem a um coração autoidólatra. O boneco aceitou a proposta. E o que fez o Grilo? Apenas repetiu a regra para Pinóquio: não pode ir para o teatro, deve ir para a escola. A consciência primitiva é aliada da Lei. Ela conhece a Lei e usa a Lei contra o pecado, mas falha justamente porque o coração humano jamais pode se submeter à Lei. Pois a Lei é espiritual e o coração é carnal. Assim, Pinóquio abandona o Grilo, mesmo após ser lembrado da regra por ele.

            Devido à aquisição do objeto da vontade de Pinóquio, com todo o dinheiro, aplausos e sucesso, o Grilo o abandona, dizendo “Acho que ele não precisa mais de mim. Afinal, o que um ator vai querer com uma consciência?” Quando o pecado é consumado e cumpre as suas expectativas, a voz da consciência some. Como diz Paulo em Romanos 1, Deus colocou a humanidade numa disposição mental reprovável. Com o abandono da consciência, Pinóquio só pode contar consigo mesmo. Tal é o estado do homem dominado pelo pecado: já desprezou consciência divina sobre o certo e o errado e confia apenas em si mesmo. E então a ilusão de certidão é destruída pelas consequências reais e inevitáveis do pecado: Pinóquio é preso por Strombolli e toma conhecimento de que morrerá na fogueira após servir ao seu propósito. Assim são todos os escravos do pecado: fazer a vontade do diabo e depois serem jogados ao fogo. O transgressor provou do doce fruto proibido por um instante e, em seguida, foi amaldiçoado e expulso do paraíso, da vida eterna.

            Existe alguma esperança? Certamente que sim, mas não do próprio pecador. A figura do Pinóquio engaiolado é perfeita para descrever o estado do homem caído. Ele não pode fazer absolutamente nada para se salvar. Qualquer esforço será inútil. O auxílio precisa vir de fora. Quem estava fora? Em primeiro lugar, o próprio Geppetto, que sai em busca de seu filho, tal qual o pastor sai em busca de sua ovelha perdida (Lucas 15). A busca de Geppetto é um bom paralelo bíblico, mas o seu resultado não. Ele procura incansavelmente e não encontra Pinóquio, que é um desfecho diferente do que aprendemos na Bíblia. Entretanto, os outros significantes de Deus conseguem ajudar Pinóquio. O primeiro a encontrá-lo foi o Grilo. Ele preferiu ir se despedir do boneco, mas o descobriu preso. Ora, o Grilo é a consciência instituída e abençoada pela Fada Azul. Ele não pode ser derrotado apenas pela rebeldia do boneco. Assim é o homem pecador, que, por mais que se rebele contra Deus e se convença da certidão do seu pecado, jamais poderá sufocar completamente e eternamente a consciência divina, pois ele continua sendo imagem e semelhança do seu Criador. Entretanto, por mais que o Grilo se preocupasse, nada poderia fazer para libertar Pinóquio, mas apenas para servir-lhe de ensino, como o guardião da Lei. Da mesma forma, a consciência divina, por mais que lhe seja dada importância, é inoperante para a redenção. Como Paulo coloca em Romanos 2 e 3, o conhecimento da Lei e da vontade de Deus apenas ressaltou e esclareceu a transgressão, mas não regenerou o transgressor. Pinóquio chega ao entendimento do seu pecado ao conversar com o Grilo, mas continua preso.

            A ajuda espiritual eficaz para a libertação vem com a intervenção da Fada Azul. Embora o grande ícone de Pinóquio seja o seu nariz que cresce a cada vez que mente, não creio que seja possível ao pecador confrontado pelo próprio Espírito Santo mentir a ele depois de ter concordado com a consciência e antes que cumpra o seu destino de ser salvo. Aqueles que mentem ao Espírito Santo, como Ananias e Safira (Atos 5), jamais se importaram com a sua consciência, e o seu destino é a destruição. Todos os personagens bíblicos que se encontraram com uma tremenda visão de Deus ficaram tão pasmos que só conseguiam se ajoelhar e adorá-lo. Que pena dar esse tratamento desprezível à cena mais famosa do personagem :P. De qualquer forma, o papel da Fada é fazer o impossível. Ela abre a gaiola e liberta Pinóquio. Diz ela que essa é a última vez que o ajudaria. Na verdade, não foi a última, pois ela também revelou ao boneco sobre o paradeiro de Geppetto, cena mais posterior do filme. Creio que ela disse isso apenas para que o boneco não fosse leviano em suas próximas provações. Assim é com Deus, que não aceita ser zombado e não pode ser controlado. O ponto é que a Fada libertou Pinóquio de uma forma sobrenatural, mudando o curso estabelecido pelo dominador da história, Strombolli. Com a graça soberana da Fada, Pinóquio está livre para tentar de novo.
            To be continued.

André Duarte

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