Seguindo com a análise de
Pinóquio, vemos que ele foi libertado pela Fada para voltar ao seu pai. No
caminho para casa, ele e o Grilo estão em perfeito acordo. O menino aprendeu a
lição e está totalmente confiante. Será que ele já está sábio o bastante para
ser um menino de verdade? Um erro bem sutil permeia suas falas.
Pinóquio está, em primeiro lugar,
confiando em si mesmo. “Eu garanto, nada me impedirá”. O Grilo aprova sua fala.
Esse estado de espírito representa um homem livrado pela graça de Deus, mas que
se torna orgulhoso e desafiador. Ele se esqueceu de sua falibilidade, de que
pecou quando confiou em si mesmo anteriormente. Pinóquio tornou-se um perfeito
fariseu. Sua fé estava em si mesmo, e não em seu pai. Em nenhum momento de seu
discurso de vitória ele menciona o amor ao seu pai e a sua submissão à vontade
da Fada. Ele não pensa em se desculpar e se humilhar diante do pai que
abandonou para ir ao teatro. Pinóquio não se arrependeu como fez o filho
pródigo de Lucas 15. Ele demonstra pensar apenas em benefício próprio: “Quero
ser inteligente, e não artista”. Deuteronômio 8 é uma ótima advertência contra
a soberba que sucede a misericórdia. Em outras palavras, Pinóquio tornou-se um
legalista. Seu coração de madeira ficou rígido como a pedra. E o que faz a sua
consciência? Apenas lhe diz estar certo. A consciência de um legalista,
enquanto ele está vivendo pelos seus padrões, enaltece sua bondade.
Mais uma vez, os malandros João
Honesto e Gideão vão atrás do boneco com uma proposta ainda mais cruel e mentirosa.
Propõem-no uma noite na Ilha dos Prazeres. Cheia de diversão, sem regras,
totalmente anárquica. Só não contaram a ele que os meninos que vão à ilha
transformam-se em burros.
Para cada menino enganado, ganhariam ouro do tal Cocheiro.
Pinóquio mostra resistência no princípio, diferentemente do que fez na primeira
tentação. Ele é levado quase à força pelos tentadores. O Grilo, pra variar,
estava longe. Onde está a divina consciência quando um máximo legalista é
confrontado com a máxima tentação? No início, Pinóquio é levado contra a sua
vontade. Entretanto, rapidamente ele aquiesce com o destino fatal.
Não é impressionante que, logo
depois de ter aprendido com um pecado, o homem caia em pecado novamente. Todos
os que confiam em si mesmos estão condenados a cair cada vez mais fundo.
Entretanto, há uma diferença no tipo de tentação. Pinóquio passou, primeiro,
por um estágio antinomista que lhe colocaria como um deus sobre o mundo, cheio
de admiração e idolatria pública. Depois, transformou-se em um legalista.
Quando caiu na tentação seguinte, sua mudança tornou-se ainda pior: um
antinomista que é deus apenas de si mesmo, visto pelo mundo como escória. O
pecado foi tão profundo que nem a máscara maravilhosa lhe cabe. A Ilha dos
Prazeres consiste de prazeres desprezados até pelos mundanos, como beber e
fumar à vontade, destruir coisas, espancamento. Tudo o que um bandido faria. O
estado mental do pecador chegou ao ápice de sua perversidade. Ocorre-lhe o que
disse Jesus em Lucas 11:24-26: “Quando um espírito imundo sai de um homem,
passa por lugares áridos procurando descanso e, não o encontrando, diz
‘Voltarei para a casa de onde saí’. Quando chega, encontra a casa varrida e em ordem. Então , vai e
traz outros sete espíritos piores do que ele e, entrando, passam a viver ali. E
o estado final daquele homem torna-se pior do que o primeiro”.
Desta vez, nem a bronca do Grilo
consegue convencer Pinóquio. O boneco tornou-se surdo e o Grilo o abandona,
como ocorreu da última vez. E vem a consequência do pecado. A consequência
seria irreversível por um triz. Todos os meninos viraram burros e foram
vendidos. Por mais que implorassem a clemência do Cocheiro, não havia mais
saída (maaan, crianças da década de 40 deviam ter um mega estômago pra aguentar
essas cenas). Pinóquio começou a se transformar em burro, mas o Grilo voltou
para avisá-lo. Foi quando o boneco deu ouvidos à sua consciência que sua
transformação cessou. Conseguiu fugir da ilha antes que fosse tarde demais.
Embora a Fada não interviesse neste ponto, a consciência foi suficiente para,
pelo menos, livrar o Pinóquio do pior. É neste momento que o coração do boneco
mudou para voltar ao seu pai de todo o coração.
Mas, não é
assim com o homem. O homem jamais voltará ao seu Criador se o Espírito Santo
não lhe chamar. O homem não mudará sozinho, nem com a ajuda de sua consciência,
se a graça de Deus não efetuar essa mudança. Somente a graça de Deus pode
destruir a fé que o homem tem em si mesmo. A causa da queda do boneco não foi
simplesmente a transgressão, mas sim a confiança em si mesmo. Por isso,
legalistas e antinomistas estão igualmente afastados de Deus. O legalismo não é
apenas indesejável, mas foi o principal inimigo de Jesus quando esteve na
terra; é o legalismo que faz a ponte para a queda pecaminosa potencialmente
irreversível. Foi aos legalistas que Jesus disse que o pecado contra o Espírito
Santo não tem perdão. Foi a legalistas que o autor de Hebreus disse, no
capítulo 6, que aqueles que caíram da graça não podem ser restituídos.
Legalismo e antinomismo não são opostos. São apenas faces da mesma moeda, a
moeda do pecador condenado.
André Duarte
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