quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Post Natalino 1 – O Nascimento Virginal



            Saudações, leitores. Em vista da iminência do Natal, a data em que se comemora o papai noel o nascimento de Jesus, a encarnação do Filho, vou postar alguns estudos natalinos sobre os textos dos evangelhos de Mateus e Lucas que contam essa história. Sinceramente, tenho sentido falta de estudos sobre esse tema. O nascimento do Senhor virou história ilustrada para crianças; entre os adultos, praticamente não vi pregações sobre esse evento. Entretanto, é um evento tão significativo quanto a morte e a ressurreição do Senhor, e a data do 25 de dezembro é ainda mais comemorada do que a da Páscoa (embora Jesus obviamente não tenha nascido no inverno, mas essa é outra história). Fala-se muito sobre a importância de não se deixar levar pelas manias mundanas que tem o consumismo como objetivo, o que é certamente importante. Mas, o ensino sobre o Natal não é apenas sobre o que ele não é. Quero expor reflexões sobre o que ele é.

            Para começar, vamos voltar ao prólogo do nascimento de Jesus. Os profetas falaram diversas vezes sobre a salvação de Deus que libertaria o povo, embora não tivessem em mente como isso ocorreria em uma pessoa específica. Foi a interpretação judaica que começou a desenvolver o conceito de um Messias, um Ungido. Ninguém tinha dúvidas de que o Ungido seria um grande rei, descendente de Davi. O que causava estranheza eram as profecias sobre o Ungido servo e sofredor, como em Isaías 53. Alguns judeus entendiam que haveria um Messias rei e um Messias servo. Os judeus essênios criam num Ungido rei e num Ungido sacerdote. Mas, o plano de Deus era outro. O Ungido seria rei, servo e sacerdote, o único mediador e salvador. Além disso, o rei libertador não viria libertar os judeus do império dominador, fosse ele o Ptolomeu, o Selêucida ou o Romano, mas libertaria o mundo todo do domínio do pecado. Após 2000 anos, ainda é terrivelmente comum o entendimento errado do que Jesus veio destruir para nos libertar: instituições, capitalismo, sofrimentos, autoridades, pobreza. O Senhor veio nos libertar do pecado. Esse é o ponto.

            Somos apresentados a um casal de noivos, José e Maria. Em Mateus 1, temos a genealogia de José. Fica comprovado que José é descendente dos reis de Judá. Desde Abraão, passando por Davi, Salomão, os reis seguintes até o exílio, Zorobabel, que governou Judá com sabedoria durante o domínio dos persas... e chega-se em José, o qual é deliberadamente indicado não como o progenitor de Jesus, mas como o homem que se casou com Maria. O evangelista organiza a genealogia em três grupos de 14 nomes, para fins de organização, saltando alguns nomes, o que torna a lista concisa. O importante é a comprovação histórica de que Jesus Cristo é descendente dos reis de Judá, o que o legitima como rei de direito. Não importa que ele não tenha sido gerado por José, pois, para os judeus, o filho adotivo herda todos os direitos de um filho biológico.

            Apenas para fins de tirar dúvidas, vamos comparar à genealogia em Lucas 3. Em Lucas, temos, tradicionalmente, a genealogia de Maria. Essa interpretação não é estranha, visto que Lucas dá alto valor às mulheres em seus relatos. Mesmo que esteja escrito “José, filho de Eli”, isso pode ser interpretado como “José, genro de Eli”. A quantidade maior de nomes dá-se devido ao que já foi mencionado, que a genealogia em Mateus deliberadamente omite nomes. E ali vemos que Maria também é descendente de Davi, embora não dos reis seguintes. O propósito de Lucas é definir Jesus como humano; por isso, cita sua ascendência até Adão.

            Bem, lemos que um anjo deu a Maria a mensagem de que ela engravidaria, embora fosse virgem. O Espírito de Deus geraria no ventre dela o Salvador do mundo. Essa gravidez virginal era cumprimento de profecia, disse o anjo. A profecia encontra-se em Isaías 7:14. Vamos explorar um pouco essa profecia. Em seu contexto original, Isaías estava falando com o rei Acaz, de Judá. Acaz era um homem perverso; entretanto, foi pai de um dos mais santos reis de Judá, Ezequias. Quando Isaías fala a Acaz, sua profecia refere-se a esse rei Ezequias. O texto original diz  não que uma virgem engravidaria, mas que uma moça jovem engravidaria. Em hebraico, o termo usado significa uma moça que, na maioria dos casos, seria virgem, devido à sua pouca idade. No caso na concepção de Ezequias, obviamente sua mãe não era virgem, mas sim uma moça. Isaías explica que o nascimento de Ezequias seria um sinal de que Deus libertaria os judeus das nações vizinhas por meio da Assíria. O profeta continua descrevendo como o futuro rei seria, e sua descrição não pode se aplicar a Jesus – por exemplo, a sugestão de que haveria uma idade em que o menino não soubesse distinguir o certo do errado. Na história dos reis, vemos essa profecia se cumprindo pouco antes de Ezequias assumir o trono.

            O que isso tem a ver com Jesus? É necessário compreender que os profetas nunca entenderam que estavam falando sobre Jesus. O cumprimento pleno e secundário de suas profecias ocorre em Jesus, e a revelação dessa interpretação foi uma novidade trazida pelo Espírito Santo. Por isso, Paulo diz tanto que Cristo era um mistério para as gerações passadas e uma revelação especial a nós. Por isso, a citação de profecias parece descontextualizada, como veremos em outras. Mas a interpretação é possível. Ora, a Septuaginta, versão grega do Antigo Testamento extremamente popular nos dias de Jesus, traduziu o termo “moça” como “virgem”. A tradução pode não ser precisa, mas é possível. O sentido oculto da profecia teve sua revelação viabilizada pela Septuaginta e explicada pelo anjo: o nascimento de Ezequias era uma prefiguração do nascimento de Cristo. Maria não era apenas moça, mas era virgem também. Jesus é o verdadeiro e perfeito Emanuel, muito mais do que Ezequias. E seria um libertador muito mais pleno também. Jesus não é apenas a representação de Deus entre nós, mas é o próprio Deus conosco, o qual desceu à terra para que subíssemos ao céu.

            Há muita discussão em torno do que o nascimento virginal significa para a natureza de Jesus. Muitos têm dito que o pecado original não atingiu Jesus porque ele só passa através do homem; se Jesus não teve participação masculina em sua concepção, ele não nasceu pecador e, por isso, pôde viver sem pecado. Nestorianos, monofisistas e calcedônios discutem sobre como se dá a natureza divina-humana de Jesus e concentram-se na metafísica de sua concepção. Em minha opinião, isso é correr atrás do vento. É especulação em cima do nada, visto que as Escrituras não explicam nada sobre esse ponto. A única função especial do nascimento virginal que as Escrituras revelam é o seu valor como sinal. Ora, lemos no Antigo Testamento sobre os nascidos de mulheres estéreis. Tais nascimentos eram reconhecidos publicamente como, além de favor de Deus para a mãe, um significante de que o nascido seria um homem especial. Repare na alta estima que Samuel tinha desde que nasceu. Veja também Sansão e mesmo João Batista. Quanto maior é o sinal de um nascido de virgem! Desde que Jesus nasceu, ele já seria indicado diante do povo como um homem especialmente promissor para realizar uma grande obra de Deus, alguém talvez maior que Isaque, Israel, Samuel, Sansão e outros. Aprendemos, assim, que o nascido de virgem é superior aos nascidos de estéreis.

            Em Mateus, vemos a misericórdia de José em aceitar Maria, mesmo antes de compreender sua gravidez sobrenatural. Se Maria estava grávida, obviamente traiu o seu noivo. Na época, o compromisso de noivado era tão estável quanto o do casamento. Pela Lei de Moisés, a adúltera noiva deveria morrer apedrejada. José, entretanto, preferiu desfazer o noivado em segredo, antes que o povo juntasse os pedaços da história e pedisse a morte de Maria. Entretanto, o anjo explicou a José que não era caso de traição, mas que o menino havia sido gerado por Deus no ventre da moça. A maioria dos homens pensaria que isso era loucura, principalmente porque o anjo apareceu a José num sonho. Mas, José creu e recebeu Maria sem nenhuma estranheza. Sem dúvida, foi um dos homens mais piedosos da Bíblia.

            Voltando à mensagem do anjo a Maria: veja em Lucas 1:30-33 que maravilhas o anjo diz. Ele mesmo ordena que o nascituro seja nomeado Jesus. Não há certeza de qual tenha sido o nome em aramaico, mas o nome registrado em grego, Jesus, é a variante do hebraico Josué, que significa “Deus é salvador”. A missão primordial de Jesus é ser o salvador do povo, salvá-lo do domínio do pecado e da justa ira de Deus. Além disso, Jesus é declarado Filho do Altíssimo, demonstrando sua origem celestial, sua identidade como o único Filho gerado por Deus e, consequentemente, sua semelhança com o Pai. E, finalmente, a grandiosa mensagem de esperança: Jesus herdaria o trono de Davi e reinaria sobre Israel para sempre. Aquele que foi esperado ansiosamente por séculos finalmente havia chegado. As palavras “seu reino jamais terá fim” ecoam a profecia de Daniel 2:44. O Ungido havia chegado para trazer o reino de Deus e realizar salvação eterna.

            Por essa razão, nós celebramos o Natal. Celebramos com alegria o cumprimento da fidelidade de Deus, do seu amor e da sua graça. O Messias de fato veio e executou o plano de redenção. Nossa resposta ao saber de tão maravilhosa notícia deve ser como a de Maria, em Lucas 1:46-55: louvar o favor de Deus, adorá-lo por sua fidelidade à aliança, glorificá-lo porque ele humilha aqueles que confiam em si mesmos e exalta aqueles que nele confiam. Agradecemos a Deus por ter escolhido uma virgem para gerar o seu Filho, pois, mais uma vez, o Senhor ridiculariza as expectativas baseadas em nossos paradigmas corruptos e surpreende o seu povo realizando obras impossíveis, para que ao nome dele todo coração se renda.

André Duarte

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