Saudações,
leitores. Em vista da iminência do Natal, a data em que se comemora o papai
noel o nascimento de Jesus, a encarnação do Filho, vou postar alguns
estudos natalinos sobre os textos dos evangelhos de Mateus e Lucas que contam
essa história. Sinceramente, tenho sentido falta de estudos sobre esse tema. O
nascimento do Senhor virou história ilustrada para crianças; entre os adultos,
praticamente não vi pregações sobre esse evento. Entretanto, é um evento tão
significativo quanto a morte e a ressurreição do Senhor, e a data do 25 de
dezembro é ainda mais comemorada do que a da Páscoa (embora Jesus obviamente
não tenha nascido no inverno, mas essa é outra história). Fala-se muito sobre a
importância de não se deixar levar pelas manias mundanas que tem o consumismo
como objetivo, o que é certamente importante. Mas, o ensino sobre o Natal não é
apenas sobre o que ele não é. Quero expor reflexões sobre o que ele é.
Para
começar, vamos voltar ao prólogo do nascimento de Jesus. Os profetas falaram
diversas vezes sobre a salvação de Deus que libertaria o povo, embora não
tivessem em mente como isso ocorreria em uma pessoa específica. Foi a
interpretação judaica que começou a desenvolver o conceito de um Messias, um
Ungido. Ninguém tinha dúvidas de que o Ungido seria um grande rei, descendente
de Davi. O que causava estranheza eram as profecias sobre o Ungido servo e
sofredor, como em Isaías 53. Alguns judeus entendiam que haveria um Messias rei
e um Messias servo. Os judeus essênios criam num Ungido rei e num Ungido
sacerdote. Mas, o plano de Deus era outro. O Ungido seria rei, servo e
sacerdote, o único mediador e salvador. Além disso, o rei libertador não viria
libertar os judeus do império dominador, fosse ele o Ptolomeu, o Selêucida ou o
Romano, mas libertaria o mundo todo do domínio do pecado. Após 2000 anos, ainda
é terrivelmente comum o entendimento errado do que Jesus veio destruir para nos
libertar: instituições, capitalismo, sofrimentos, autoridades, pobreza. O
Senhor veio nos libertar do pecado. Esse é o ponto.
Somos
apresentados a um casal de noivos, José e Maria. Em Mateus 1, temos a genealogia
de José. Fica comprovado que José é descendente dos reis de Judá. Desde Abraão,
passando por Davi, Salomão, os reis seguintes até o exílio, Zorobabel, que
governou Judá com sabedoria durante o domínio dos persas... e chega-se em José,
o qual é deliberadamente indicado não como o progenitor de Jesus, mas como o
homem que se casou com Maria. O evangelista organiza a genealogia em três
grupos de 14 nomes, para fins de organização, saltando alguns nomes, o que
torna a lista concisa. O importante é a comprovação histórica de que Jesus
Cristo é descendente dos reis de Judá, o que o legitima como rei de direito.
Não importa que ele não tenha sido gerado por José, pois, para os judeus, o
filho adotivo herda todos os direitos de um filho biológico.
Apenas para
fins de tirar dúvidas, vamos comparar à genealogia em Lucas 3. Em Lucas, temos,
tradicionalmente, a genealogia de Maria. Essa interpretação não é estranha,
visto que Lucas dá alto valor às mulheres em seus relatos. Mesmo que esteja
escrito “José, filho de Eli”, isso pode ser interpretado como “José, genro de
Eli”. A quantidade maior de nomes dá-se devido ao que já foi mencionado, que a
genealogia em Mateus deliberadamente omite nomes. E ali vemos que Maria também
é descendente de Davi, embora não dos reis seguintes. O propósito de Lucas é
definir Jesus como humano; por isso, cita sua ascendência até Adão.
Bem, lemos
que um anjo deu a Maria a mensagem de que ela engravidaria, embora fosse
virgem. O Espírito de Deus geraria no ventre dela o Salvador do mundo. Essa
gravidez virginal era cumprimento de profecia, disse o anjo. A profecia
encontra-se em Isaías 7:14. Vamos explorar um pouco essa profecia. Em seu
contexto original, Isaías estava falando com o rei Acaz, de Judá. Acaz era um
homem perverso; entretanto, foi pai de um dos mais santos reis de Judá,
Ezequias. Quando Isaías fala a Acaz, sua profecia refere-se a esse rei
Ezequias. O texto original diz não que
uma virgem engravidaria, mas que uma moça jovem engravidaria. Em hebraico, o
termo usado significa uma moça que, na maioria dos casos, seria virgem, devido
à sua pouca idade. No caso na concepção de Ezequias, obviamente sua mãe não era
virgem, mas sim uma moça. Isaías explica que o nascimento de Ezequias seria um
sinal de que Deus libertaria os judeus das nações vizinhas por meio da Assíria.
O profeta continua descrevendo como o futuro rei seria, e sua descrição não
pode se aplicar a Jesus – por exemplo, a sugestão de que haveria uma idade em
que o menino não soubesse distinguir o certo do errado. Na história dos reis,
vemos essa profecia se cumprindo pouco antes de Ezequias assumir o trono.
O que isso
tem a ver com Jesus? É necessário compreender que os profetas nunca entenderam
que estavam falando sobre Jesus. O cumprimento pleno e secundário de suas
profecias ocorre em Jesus, e a revelação dessa interpretação foi uma novidade
trazida pelo Espírito Santo. Por isso, Paulo diz tanto que Cristo era um
mistério para as gerações passadas e uma revelação especial a nós. Por isso, a
citação de profecias parece descontextualizada, como veremos em outras. Mas a
interpretação é possível. Ora, a Septuaginta, versão grega do Antigo Testamento
extremamente popular nos dias de Jesus, traduziu o termo “moça” como “virgem”.
A tradução pode não ser precisa, mas é possível. O sentido oculto da profecia
teve sua revelação viabilizada pela Septuaginta e explicada pelo anjo: o
nascimento de Ezequias era uma prefiguração do nascimento de Cristo. Maria não
era apenas moça, mas era virgem também. Jesus é o verdadeiro e perfeito
Emanuel, muito mais do que Ezequias. E seria um libertador muito mais pleno
também. Jesus não é apenas a representação de Deus entre nós, mas é o próprio
Deus conosco, o qual desceu à terra para que subíssemos ao céu.
Há muita
discussão em torno do que o nascimento virginal significa para a natureza de
Jesus. Muitos têm dito que o pecado original não atingiu Jesus porque ele só
passa através do homem; se Jesus não teve participação masculina em sua
concepção, ele não nasceu pecador e, por isso, pôde viver sem pecado.
Nestorianos, monofisistas e calcedônios discutem sobre como se dá a natureza
divina-humana de Jesus e concentram-se na metafísica de sua concepção. Em minha
opinião, isso é correr atrás do vento. É especulação em cima do nada, visto que
as Escrituras não explicam nada sobre esse ponto. A única função especial do
nascimento virginal que as Escrituras revelam é o seu valor como sinal. Ora,
lemos no Antigo Testamento sobre os nascidos de mulheres estéreis. Tais
nascimentos eram reconhecidos publicamente como, além de favor de Deus para a
mãe, um significante de que o nascido seria um homem especial. Repare na alta
estima que Samuel tinha desde que nasceu. Veja também Sansão e mesmo João
Batista. Quanto maior é o sinal de um nascido de virgem! Desde que Jesus
nasceu, ele já seria indicado diante do povo como um homem especialmente
promissor para realizar uma grande obra de Deus, alguém talvez maior que
Isaque, Israel, Samuel, Sansão e outros. Aprendemos, assim, que o nascido de
virgem é superior aos nascidos de estéreis.
Em Mateus,
vemos a misericórdia de José em aceitar Maria, mesmo antes de compreender sua
gravidez sobrenatural. Se Maria estava grávida, obviamente traiu o seu noivo.
Na época, o compromisso de noivado era tão estável quanto o do casamento. Pela
Lei de Moisés, a adúltera noiva deveria morrer apedrejada. José, entretanto,
preferiu desfazer o noivado em segredo, antes que o povo juntasse os pedaços da
história e pedisse a morte de Maria. Entretanto, o anjo explicou a José que não
era caso de traição, mas que o menino havia sido gerado por Deus no ventre da
moça. A maioria dos homens pensaria que isso era loucura, principalmente porque
o anjo apareceu a José num sonho. Mas, José creu e recebeu Maria sem nenhuma
estranheza. Sem dúvida, foi um dos homens mais piedosos da Bíblia.
Voltando à
mensagem do anjo a Maria: veja em Lucas 1:30-33 que maravilhas o anjo diz. Ele
mesmo ordena que o nascituro seja nomeado Jesus. Não há certeza de qual tenha
sido o nome em aramaico, mas o nome registrado em grego, Jesus, é a variante do
hebraico Josué, que significa “Deus é salvador”. A missão primordial de Jesus é
ser o salvador do povo, salvá-lo do domínio do pecado e da justa ira de Deus.
Além disso, Jesus é declarado Filho do Altíssimo, demonstrando sua origem
celestial, sua identidade como o único Filho gerado por Deus e,
consequentemente, sua semelhança com o Pai. E, finalmente, a grandiosa mensagem
de esperança: Jesus herdaria o trono de Davi e reinaria sobre Israel para
sempre. Aquele que foi esperado ansiosamente por séculos finalmente havia
chegado. As palavras “seu reino jamais terá fim” ecoam a profecia de Daniel
2:44. O Ungido havia chegado para trazer o reino de Deus e realizar salvação
eterna.
Por essa
razão, nós celebramos o Natal. Celebramos com alegria o cumprimento da
fidelidade de Deus, do seu amor e da sua graça. O Messias de fato veio e
executou o plano de redenção. Nossa resposta ao saber de tão maravilhosa
notícia deve ser como a de Maria, em Lucas 1:46-55: louvar o favor de Deus,
adorá-lo por sua fidelidade à aliança, glorificá-lo porque ele humilha aqueles
que confiam em si mesmos e exalta aqueles que nele confiam. Agradecemos a Deus
por ter escolhido uma virgem para gerar o seu Filho, pois, mais uma vez, o
Senhor ridiculariza as expectativas baseadas em nossos paradigmas corruptos e
surpreende o seu povo realizando obras impossíveis, para que ao nome dele todo
coração se renda.
André Duarte
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