No post anterior, vimos que, na
concepção do Senhor, um grande milagre foi dado como sinal de sua grandeza: sua
geração por meio de uma virgem. Poderíamos esperar que algo sobrenatural
ocorresse na ocasião de seu nascimento. Hoje, veremos que, em Jesus, glória e
humildade se encontram.
Lemos em
Lucas 2 que o César Augusto (Otaviano) ordenou um recenseamento. Cada homem
deveria retornar à sua cidade natal para lá ser alistado. José residia em
Nazaré, na Galileia; porém, deveria se alistar em Belém, visto que era de
linhagem real e Davi havia nascido lá. A viagem seria especialmente complicada
devido à gravidez de Maria em estado avançado. O casal, ao chegar em seu
destino, não encontrou local para repousar, pois a estalagem (o “hotel”) estava
lotado. Não sendo prudente caminhar mais para encontrar outro lugar,
provavelmente porque Maria estava dando sinais do início de trabalho de parto,
decidiram repousar no estábulo. Ali, no meio da palha e cercada de animais,
Maria deu à luz o salvador e o colocou deitado em uma manjedoura.
Fora anunciado a Maria que o
filho em seu ventre seria o rei de Israel prometido nas Escrituras. O
libertador de Jacó, instaurador de um governo eterno, deveria ser tremendamente
grandioso e notório desde sempre. Alguém que seria não apenas um rei, mas o
maior rei de todos os tempos, seria digno de nascer em berço esplêndido. O
plano de Deus, entretanto, era que o reinado de Cristo fosse marcado, na terra,
pela pequenez humana. As circunstâncias do nascimento do Senhor são um
prenúncio da doutrina da essência do reino de Deus.
Se seguirmos na narrativa de
Mateus, o próximo acontecimento é a visita dos magos; entretanto, esse é um
acontecimento mais tardio. O fato seguinte ao nascimento de Jesus é o anúncio
dos anjos aos pastores. Não foi em absoluta escuridão que o rei nasceu. Todos
os anjos estavam contemplando e exultando diante da maravilhosa chegada do
salvador. Lemos em Hebreus 1:6 uma citação do cântico de Moisés no final de
Deuteronômio 32: quando o Filho foi introduzido ao mundo, foi dito “que todos
os anjos o adorem”. Quem poderia imaginar que os mais magníficos anjos de Deus,
semelhantes a relâmpagos, se ajoelhariam diante de um bebê humano em um
estábulo? E não estavam apenas prestando um culto formal, mas uma adoração
cheia de alegria, como fãs ao assistirem o seu ídolo em um concerto ou o seu
time ganhar um campeonato. Isso porque Jesus tinha simplesmente nascido, nem
tinha ainda cumprido sua missão. Deveríamos entender que mesmo o menor sinal da
vitória do Senhor é um motivo para grande alegria.
Os anjos não apenas cultuaram o
Senhor, mas compartilharam essa alegria com um grupo de homens. Quem deveria
ser o primeiro a receber a notícia da chegada do divino rei? Não foram rabinos,
sacerdotes, líderes nem mesmo pessoas ricas e de prestígio. Foram, sim, homens
que partilhavam do mesmo espírito humilde do rei nascido e dos anjos
adoradores. Conforme Jesus dirá mais tarde, Deus se ocultou dos grandes e se
revelou aos pequenos. Como curiosidade, podemos afirmar aqui que os pastores
foram os primeiros homens a serem evangelizados, pois foi a primeira vez que
alguém anunciou a “boa nova” – em grego, “euangelion”. Pastores eram, provavelmente,
pessoas de poucos recursos, e eles dedicavam a sua vida cuidando de ovelhas.
Para cuidar de uma ovelha, é necessário ter paciência e diligência, pois elas
facilmente se desviam do caminho. Entretanto, se o pastor chamar pela ovelha,
ela reconhece a sua voz e volta ao seu lugar. Isso não lembra João 10? Ora, o
pastor é uma figura constante nas Escrituras sobre o ofício de Jesus.
Inclusive, vemos que precursores de Jesus eram também pastores, como Jacó e
Davi. O pastor é um símbolo cultural e realista da virtude da humildade. O
pastor ideal sinceramente ama suas ovelhas, cuida delas, provê direção e, se
necessário, usa a “vara e o cajado”, conforme o salmo 23. Se Deus tem uma
profissão, é a de pastor. Jesus se compara, em Lucas 15, a um pastor que viaja
para buscar uma ovelha perdida. É adequado, portanto, para prenunciar a
natureza da obra de Cristo, que os primeiros a serem chamados para adorá-lo
sejam pastores.
E o que fazem os pastores quando
recebem a visão dos anjos? Partem imediatamente para a estrebaria e prestam
culto ao bebê recém-nascido. Em atitude de fé e maravilha, reconhecem quem era
aquele bebê e ainda quem ele viria a ser. Depois disso, saem por toda parte
espalhando a boa nova. Os pastores de fato correspondem à humildade e alegria
que o ofício deles presume. Também é por essa razão que os líderes
eclesiásticos, os homens mais maduros na semelhança a Cristo, são também
chamados pastores, conforme Efésios 4:11. Cabe aqui uma crítica aos chamados
pastores que correspondem exatamente ao contrário do que o seu título supõe.
Orgulho em lugar de humildade, opressão em lugar de cuidado, egoísmo em lugar
de amor (mais sobre isso em Ezequiel 34). Tais usurpadores jamais seriam como
os pastores que receberam a revelação dos anjos, mas sim com o inimigo do bebê,
Herodes, assunto dos próximos posts.
O nascimento do Senhor foi
marcado por duas figuras: anjos e pastores. Ambos prestaram adoração ao Senhor,
reconhecendo quem ele é, apesar das aparências. Aquele que foi adorado pelos
pastores viria a ser o maior pastor, o grande líder compassivo do seu povo. É
adequado que o rei eleito por Deus seja como um pastor, o que se pode notar na
origem de Davi. Jesus Cristo é anunciado como um rei, não como um rei opressor
de seu povo, mas como um pastor, alguém que é soberano sobre suas ovelhas, mas
imensamente compassivo e empático. Por isso, Pedro diz em sua carta que Jesus é
o nosso Supremo Pastor (1Pedro 4:4), pela sua intervenção
misericordiosa e sua constante proteção.
Por outro lado, aquele que foi adorado pelos anjos viria a
subir ao trono celestial acima deles. Mais uma vez, podemos consultar Hebreus
1, que é um discurso que explica a superioridade de Jesus aos anjos. Enquanto
humano, Jesus era “um pouco menor que os anjos”. Os anjos adoraram aquele que
era menor do que eles, porque perceberam além de sua humanidade. Jesus era
totalmente humano, mas sua divindade jamais foi esquecida pelos contempladores
celestiais. Uma vez tendo vencido a morte e cumprido sua missão redentora,
Jesus “tornou-se tão superior aos anjos quanto o nome que herdou é superior ao
deles”. Jesus é rei dos céus e da terra, dos grandes e pequenos, dos poderosos
e dos fracos. Independentemente dessas características, todo aquele que se
humilha diante de Cristo, como os anjos fizeram, pertence às suas ovelhas hoje
e recebe a esperança de pertencer à sua hoste celestial na era vindoura. Como
foi dito no início: em Jesus, glória e humildade se encontram.
André Duarte
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