“Deem fruto que mostre o arrependimento!”, disse João
Batista aos fariseus que foram ser batizados. Ao dizer isso, ele estava
distinguindo um costume simbólico de uma vivência espiritualmente verdadeira. O
homem que ele anunciava fez o mesmo: em sua última semana de vida em corpo
humano, andando por Jerusalém, Jesus amaldiçoa uma figueira que tinha folhas, e
não frutos (Marcos 11). Com os acontecimentos posteriores no templo, Jesus
ensina aos discípulos que os religiosos haviam se tornado como figueiras cheias
de belas folhas, mas nenhum fruto, e que, portanto, seriam lançados ao fogo. Muita
aparência, muita liturgia, muitos hábitos; o coração vazio e a mente perversa.
Há outra
maneira pela qual Jesus trata a metáfora do fruto. Além de comparar o hipócrita
à árvore sem fruto, ele também a compara com árvore de maus frutos. Jesus
ensina que o fruto é evidência infalível e direta da espiritualidade. “A árvore
boa não pode dar maus frutos; a árvore má não pode dar bons frutos”. E mais:
“Vocês os conhecerão pelos seus frutos”. Jesus ensina diversas vezes que todo
tipo de aparência piedosa é vã se ela for inconsistente com o fruto. Esse
ensino deve nos disciplinar constantemente, pois também somos fanáticos por
religiosidade externa. Observamos programas, performances religiosas,
ministérios que trazem estatísticas, carisma pessoal, música bela, horários e
frequência de oração e leitura bíblica, assiduidade na Igreja. Manter uma
aparência de bom crente é muito fácil. Muitos acreditam que são crentes
corretos por cumprirem uma série de normas protocoladas pela cultura de sua
Igreja ou denominação. Jesus, entretanto, observará o fruto. Se ele encontrar
maus frutos, ele destruirá a árvore má de vastas folhagens, assim como destruiu
o magnífico templo de Jerusalém no devido tempo. Pois “O homem vê a aparência,
mas o Senhor vê o coração”.
Vamos
investigar mais a fundo o que é esse tal fruto. Como já foi dito, o fruto é a
evidência externa da espiritualidade real do coração. O fruto é o reflexo da
alma. E a melhor exemplificação que temos dos frutos é a que Paulo faz em
Gálatas 5. A lista é famosa, mas há pouca meditação sobre ela. Além disso, o
fruto da carne, descrito antes do fruto do Espírito, passa despercebido muitas
vezes. E eles são mutuamente excludentes. Um crente não pode conviver com ambos
sem sentir o conflito de Romanos 7. Além disso, deveríamos questionar por que
Paulo apresenta essa lista aos gálatas. Em toda a carta, o apóstolo critica
veementemente a confiança da Igreja em performances religiosas. Os judaizantes
ganharam muito terreno na região da Galácia. Por essa carta, Paulo demonstra
que é possível realizar rituais e estabelecer hábitos cristãos e, mesmo assim,
estar espiritualmente morto. É possível cumprir todo o protocolo de um meio
social cristão, mesmo o nosso – participar dos programas, ler a Bíblia, orar,
jejuar, assistir aos cultos, chorar nas ministrações – e, no fim, ser condenado
ao inferno.
O fruto da
carne é assim descrito (segundo a
NVI): imoralidade, impureza e
libertinagem. Termos sinônimos, que levam ao significado do termo grego
“porneia”, que abrange todas as práticas sexuais proibidas por Deus, bem como o
desejo e as intenções de praticá-las. Idolatria
e feitiçaria. Muito comuns nas religiões de mistério gregas; significam,
mais amplamente, a inclinação por envolver-se com deuses falsos, seja qual for
o objeto que decidimos deificar em nossos corações. Ódio, discórdia, ciúmes, ira, egoísmo. Nossa relação com os irmãos.
Sentimentos e atitudes erradas, que demonstram orgulho e adoração própria. São
problemas pouco combatidos na Igreja, o que causa a desunião e o esfacelamento
de toda a fraternidade, e refletem total insubmissão a Cristo; vontade de ser o
senhor da própria vida. Manifestações descontroladas de ira, principalmente,
são tão comuns que todo mundo apenas entende e suporta, quase nunca repreende.
Entretanto, quem vive com ira desenfreada contra seus irmãos está morto. Dissensões, facções e inveja. Também são
problemas de fraternidade, precisamente a divisão da Igreja em torno de líderes
ou ideias. A inveja é especialmente comum entre líderes, tanto quanto era no
tempo de Paulo, e é um dos fatores mais causadores de divisões. Embriaguez, orgias e coisas semelhantes.
A completa entrega de si mesmo a práticas que o senso de autojustiça proibiria,
desistência da justiça e dissolução de si mesmo no pecado. Se há coisas
semelhantes, significa que a lista não é taxativa, pois o pecado tem múltiplas
manifestações. Há outras listas em outros textos (ex: 1Coríntios 6). Aqueles
que praticam essas coisas não serão salvos, diz Paulo.
Agora,
passemos ao fruto do Espírito. Amor.
O princípio de toda virtude, a essência da vida cristã, o norte de qualquer
mandamento. Amor a Deus e amor ao próximo, a síntese da santidade. Certamente,
o amor é o centro do outros aspectos do fruto do Espírito. Alegria. Um cristão demonstra alegria devido ao reconhecimento e
espanto diante da graça de Deus e do seu amor. Quanto mais um crente desvenda
as inumeráveis bênçãos de Deus para si, mais alegre ele se torna. Mesmo em
calamidade, em circunstâncias difíceis e desagradáveis, a alegria do Espírito
está dando suporte ao crente, pois nenhuma ocorrência abala o fundamento
imutável da alegria – o amor de Deus. Paz.
Tranquilidade diante das frivolidades da vida, domínio emocional da angústia.
Significa também a paz entre irmãos, o oposto da discórdia, egoísmo e esses
pontos do fruto da carne já comentados. Resolução de conflitos e problemas em
amor. Longanimidade (paciência). Associada
ao aspecto interior da paz; serenidade e capacidade de aguardar o tempo certo
para o cumprimento da vontade de Deus. Evidência do “suportem-se uns aos outros
em amor”. Amabilidade, bondade. Direta
aplicação do amor em atos e sentimentos, demonstração de humildade e atração
para receber amor de volta, prazer em agradar o próximo. Fidelidade. Submissão aos mandamentos de Deus dados na sua aliança,
cumprimento da própria palavra, falar e praticar a verdade. Opõe-se à palavra
dúbia e à mentira. Mansidão. Domínio
do ânimo, contenção da ira, disciplina das emoções e dos atos praticados em
momentos de raiva. “Quando ficarem irados, não pequem” (Salmo 4:4). Contrária à
gritaria e à vazão injusta ou desproporcional da raiva contra o próximo. Domínio próprio. Extensão do princípio
da mansidão a todas as outras tentações. Mansidão tem direta relação com a ira;
domínio próprio abrange a ira e todo o resto. Significa a resistência ao
impulso pecaminoso, seja qual for – prática sexual ilícita, roubo, sentimentos
de ódio ou inveja, explosão de raiva e agressão, mentira e tudo o mais.
Paulo diz
claramente que a carne e o espírito existem em conflito nos crentes. Todos nós
lutamos contra os impulsos da carne e procuramos submeter-nos ao espírito. O
que conta é quem de fato domina. Se um crente é dominado pela carne, ele não é
verdadeiro crente. É fácil rejeitar falsos irmãos que vivem em práticas sexuais
pecaminosas, “embriaguez, orgias”, mas o fruto da carne deve ser combatido
holisticamente. Ódio, inveja, ira, divisões, egoísmo – tudo isso é tão
condenável quanto os pecados que consideramos erroneamente como mais
escandalosos. A ausência de fruto do Espírito infalivelmente significa
prevalência da carne. Poucos que consideramos crentes podem evidenciar o fruto espiritual
completo. Frequentemente vemos irmãos com falta de amor, com postura triste
constante, angustiados inconsolavelmente com a vida, imediatistas
(pessoalmente, esse problema é um que me afeta), cultivando inimizades, sem
controle dos ímpetos de raiva, falando “sim” e pensando “não”. A Igreja deve
exortar-se mutuamente quanto à falta de fruto do Espírito. Não espere que
alguém caia em um pecado flagrante e escandalizante para então preocupar-se com
a santidade do irmão. Também não tolere o irmão que não aceita repreensão, que
se recusa a mudar o cultivo do fruto errado.
Lembrem-se
de que o argumento de Paulo é que alguém perfeitamente cumpridor de costumes
sacros pode ser um cultivador do fruto da carne. Como Igreja, precisamos ser
sábios para não criticarmos alguém pela aparência (nem para o bem nem para o
mal), e não pensarmos em nós mesmos como santos pelos critérios errados. Jesus
era a perfeita árvore com fruto espiritual, mas foi crucificado por não ter
“folhas”, não cumprir a expectativa pública e errada da aparência de piedoso, e
muito menos de rei messiânico. Tim Keller diz que “capacidade ministerial não
significa maturidade espiritual”. Uma Igreja que se torna uma figueira cheia de
folhas, mas sem frutos, torna-se não a Nova Jerusalém, mas a velha, que matou
Jesus. São como os gálatas, a quem Paulo diz “Ó insensatos, quem os
enfeitiçou?”. Jesus adverte: Vocês os conhecerão pelos seus frutos – o bom e o
mau.
André
Duarte
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