Este é o primeiro salmo de
clamor por livramento. Foi escrito por Davi quando fugia de seu filho Absalão.
Nessa ocasião, como lemos em 2Samuel, Absalão usurpou o trono de Davi, o qual
fugiu com suas tropas leais, estando na iminência de uma guerra civil uma vez
que o exército de Israel saísse à perseguição.
Davi inicia
o salmo reconhecendo a magnitude do perigo; não era exagero afirmar que os
perseguidores eram muitos. Sua reclamação quanto aos inimigos, como é comum nos
outros salmos imprecatórios, é que o inimigo que se levanta contra ele é
culpado de se levantar contra Deus, pois Deus está a favor do salmista. Assim,
quando o exército de Israel e todos aqueles que odiavam Davi perseguiam-no,
faziam-no blasfemando contra Deus. Pois, como Davi tinha total consciência,
Deus estava com ele devido à sua aliança perpétua, e havia prometido um reinado
eterno a ele. As ideias do salmo 2 devem se resgatadas aqui: o exército que
rejeita o ungido do Senhor rejeita o próprio Senhor.
Davi,
entretanto, age não com o orgulho que se poderia esperar do rei ungido, mas com
a humildade de um homem frágil, que não concebe força alguma além de Deus. Ele
confia que Deus é o seu defensor, seu ajudador e seu consolador. Deus não
apenas protege o corpo da morte infligida pelas armas, mas também a alma da
agonia. Ele estabelece a paz no espírito enquanto age sobre as circunstâncias
físicas.
Também é
elemento comum nos salmos imprecatórios que o salmista inicie expressando
angústia e, em seguida, ou no fim do salmo, declare confiança e tranquilidade
na resposta de Deus à oração em andamento. Poucos salmos contêm o clamor e
omitem a resposta. Neste caso, a confiança de Davi baseia-se, como foi dito, na
aliança que Deus selou. Ele diz que Deus o responde do seu santo monte, o qual é
representado pelo monte Sião, de onde Davi estava fugindo. O monte Sião
representa o encontro de Deus com o seu povo dentro do contexto do pacto
messiânico. É a infalível fidelidade de Deus ao que o monte Sião representa o
fundamento da esperança de Davi, bem como da Igreja ora perseguida, que confia
no Deus que garante a promessa da salvação para o reino do Messias.
Um dos
resultados práticos dessa confiança é a percepção de que Davi continua vivo,
não sendo assassinado enquanto dorme. Ele nota que, após dormir, ele acorda
vivo. Seria fácil atribuir a segurança à sua própria força em qualquer parte do
dia em que Davi estivesse consciente e em ação; entretanto, quem pode cuidar
dele durante o seu sono? Ele conclui que somente Deus é o protetor, especialmente
nas circunstâncias em que ele mais se encontra indefeso e frágil. O fato de
Davi estar protegido em momentos em que ele jamais poderia agir em seu próprio
favor comprova para ele que Deus está zelando por sua vida. Constatado isso,
Davi não sente medo diante dos seus inimigos. A meditação no livramento
constante de Deus trouxe para ele a tranquilidade interior da qual necessitava.
Somente
agora Davi apresenta sua petição. Ele desabafa sua situação perante Deus,
declara o que ele sabe sobre Deus e seu relacionamento com ele, medita em uma
constatação prática e, agora preparado, encerrando sua oração, Davi pede a Deus
que derrote seus inimigos. Essa petição é totalmente vinculada à confiança de
que Deus a atenderá. Pode-se questionar: por quê, então, pedir? Porque a
petição é necessária ao nosso amoldamento à atitude de filhos de Deus. É a
linguagem humana abrindo o coração para a ação espiritual de Deus.
A última
frase de Davi é a declaração, mais uma vez, de que é o Senhor quem dá o
livramento e a bênção para o seu povo. Outro ponto típico dos salmos
imprecatórios é a conclusão que declara a expansão da bênção de Deus além do
próprio salmista e alcançando o povo ou a nação. Neste caso, Davi compreende
que ele não é especial diante de Deus, como se tivesse qualquer destaque que
atraísse o favor de Deus mais do que outra pessoa o faria. Pois Deus não é
exclusivo dele, mas é o Deus que abençoa Israel. Davi também compreende que o
livramento em sua vida é diretamente relevante para o livramento de Israel. Ele
relembra que foi escolhido por Deus para ser o rei de Israel gerando uma
dinastia perpétua e que, portanto, Israel pode cumprir o seu propósito para
Deus e diante do mundo. Isto é, se Davi sobreviver aos inimigos, ele poderá
voltar ao trono e governar Israel como o devido rei teocrático.
Podemos
retirar deste salmo a seguinte aplicação messiânica. Jesus Cristo também
abandonou o seu trono – espontaneamente, não como Davi, que foi expulso – e
teve de passar por perigos e perseguições de inimigos. No entanto, mesmo
sofrendo e ansioso, Jesus orava a Deus constantemente e confiava nele, como diz
Hebreus 5. Jesus também foi livrado da morte por Deus, mas de forma muito mais
plena que Davi: Jesus de fato morreu, mas triunfou sobre a morte ao
ressuscitar. Sua ressurreição e sua vitória sobre a morte e sobre seus inimigos
recolocaram-no de volta ao seu trono, de onde reina sobre o seu povo como o
perfeito rei teocrático da linhagem de Davi. Porque Jesus venceu a morte, pelo
livramento de Deus, a sua bênção está sobre o seu povo.
André
Duarte
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