Há muito o
que falar sobre a Igreja. Poderíamos falar das práticas litúrgicas – louvor,
oração, confissão de fé – ou sobre o que uma pregação precisa conter. Talvez eu
faça isso mais tarde. Por ora, quero encerrar essa série com este post sobre os
sacramentos que Jesus ordenou: batismo e ceia.
Sabemos que
todas as práticas eclesiásticas são um reflexo de uma realidade espiritual.
Cantar louvores, orar, executar dons, liderar – todas essas coisas são
manifestações de adoração e fé. O crescimento da Igreja é efetuado por todos
esses meios que se expressam em palavras, com o fim de comunicar uns aos outros
as verdades que o Senhor revelou. Dessa
perspectiva, os sacramentos parecem ser um tanto deslocados. Afinal, o batismo e
a ceia envolvem coisas, elementos físicos necessários, não apenas palavras e
mente. Pareceriam, portanto, rituais antiquados de uma religião primitiva. Por
que eles foram ordenados? A grande virtude dos sacramentos é justamente essa,
de serem símbolos sensíveis do que Jesus fez por nós. “Sensíveis” significa que
aguçam os sentidos físicos. Você ouve o som da água e a sente na pele; toca o
pão e o vinho, vê os elementos, sente o gosto e o cheiro. Não há nenhum
acontecimento mágico com essa conexão sensorial. Ela é dada pela misericórdia
de Deus, que sabe que os homens são fracos e que, por vezes, precisam de um
contato físico com elementos memoriais para imprimir na mente a fé espiritual.
Podemos
também dizer que os sacramentos são “meios de graça”. Um meio de graça é uma
prática que Deus ordenou para fortalecer e edificar a fé. Assim, por exemplo,
temos a oração, a leitura bíblica, o louvor, a comunhão, o ensino mútuo e, além
de outros, os sacramentos. Esses meios de graça são necessários, porque ninguém
mantém o coração em Deus somente por força de vontade. Esses meios são as
maneiras de que dispomos, pela graça de Deus, para permanecermos em comunhão
com ele. Ora, o mundo tem infinitos “meios de graça” também – todas as
manifestações de “cobiça da carne, dos olhos e ostentação dos bens” (1Jo 2).
Para que a nossa fé continue cativa a Deus, precisamos usar dos seus meios de
graça, para não cairmos nas tentações apóstatas do mundo. Por outro lado, os
“meios de graça” não podem ter sua importância exagerada ao ponto de se
tornarem os “fins da graça”. A esse erro incorrem as pessoas que se desesperam
se deixam de orar por um dia, se esquecem de ler a Bíblia uma vez, ou sentem-se
totalmente abandonadas se, por acaso, faltarem em algum culto. A fé deve estar
em Deus, e nele somente.
Vamos,
enfim, aos sacramentos. O que o batismo e a ceia significam? Esse é um assunto
enorme, sobre o qual as igrejas têm interpretado de maneiras tão diversas ao
longo da história que é difícil explicá-lo sem mostrar favoritismo. Mas, vou me
arriscar.
Para
começar, o batismo. De onde realmente surgiu essa prática? Muitas pessoas se
surpreendem ao ver João Batista batizando as pessoas “do nada”, e pensam “de
onde ele inventou isso?”. Por isso, um entendimento do Antigo Testamento é
necessário. Batismo, antes de se tornar um sacramento eclesiástico, nada mais
era do que uma imersão na água (putz, já era, falhei, falei “imersão” :P) que
os judeus praticavam desde a Lei. Os sacerdotes tinham sua bacia de água para
se lavarem antes de ministrar (Êxodo 30:17-21). Uma nova foi dada por Salomão,
gigante como uma piscina (1Reis 7:23-26). E, todo o resto do povo também
precisava se lavar na água constantemente para realizar purificação cerimonial
– veja a receita em Números 19 (opa, aqui já é por aspersão, hmmm...). A
cultura judaica foi construída, assim, com a ideia de que lavar-se na água é
purificar-se cerimonialmente. Quando João chamou o povo para ser batizado,
ninguém achou estranho. Podemos imaginar os rabinos pensando “ah, tudo bem, já
faço isso todo dia mesmo”. É aí que João introduz a novidade: não se tratava de
uma purificação cerimonial rotineira, mas de um único ato que só teria valor se
fosse acompanhado de um verdadeiro arrependimento. O batismo de João tinha essa
estreita ligação com arrependimento, conversão genuína a Deus. Claro que os
fariseus não entenderam nada, pois já se achavam perfeitamente convertidos.
Jesus não
batizava com água, mas sim com o Espírito Santo. Entretanto, seus discípulos
precisavam continuar a batizar com água (Jo 4:2), conforme ele ordena em Marcos
16:16 e Mateus 28:19. Os exemplos em Atos mostram que, de fato, o batismo
perpetuado pela Igreja é simbolizado com água, não apenas com imposição de
mãos. Além disso, o batismo nas águas é acompanhado pelo batismo no Espírito.
Não é correta a distinção que os pentecostais fazem. O exemplo dos efésios em
Atos 19, em que o batismo nas águas não veio com o Espírito Santo, mostra que
foi uma exceção derivada de uma fé incompleta, não que é a regra para todas as
igrejas. O exemplo de Cornélio é outra exceção estranha, em que o batismo no
Espírito veio antes do batismo nas águas. A regra para a Igreja, porém, é que o
batismo nas águas vem com o batismo no Espírito, sem separação. Simplesmente
porque todos os crentes têm o Espírito Santo. Pode surgir a pergunta “Mas, e o
crente que só foi se batizar depois de 3 anos? Ele não tinha o Espírito antes?”.
Sim, ele tinha, ele era salvo – não vamos errar pensando que a salvação é pela
aplicação de água. Mas essa separação temporal é um erro. Um crente precisa ser
batizado o quanto antes, não deve ficar postergando, como se não fosse tão
importante. O batismo era feito, no primeiro século, imediatamente com a
conversão. Os cursos de batismo e a burocracia da Igreja acabam forçando esse
interstício indevido. Mas, a responsabilidade pessoal é a de procurar ser
batizado o mais rápido possível. (Ah, não batize a si mesmo, isso não existe)
Por fim, o
que o batismo significa? Creio que o batismo é um símbolo da purificação, tal
qual a história do povo de Deus mostra. Mas não uma purificação meramente
cerimonial. É a purificação espiritual que Deus opera no coração pelo Espírito
Santo. É o sinal da regeneração, da justificação e da capacitação para a
santidade. Já ouvi muitas vezes que o batismo é “a confissão pública de fé”.
Isso tem base apenas na prática comum da Igreja, não na Bíblia. O batismo é,
atualmente, acompanhado pela confissão pública de fé, mas ele não significa
isso. Ele não é um sinal de algo que você faz para Deus, mas, ao contrário, é
um símbolo do que Deus faz no seu espírito.
Agora, a
ceia. A primeira diferença notável entre a ceia e o batismo é que o batismo é
um ato único, pois a salvação e a regeneração são uma só. A ceia, porém, é
feita em rotina. Não porque Cristo está se sacrificando várias vezes, como
pensam os católicos, pois o seu sacrifício é único, eficaz, definitivo e
suficiente, conforme ensina Hebreus 9. Mas a memória desse sacrifício deve ser
constante.
A ceia
também não foi inventada do nada. Ela é a continuação da refeição da Páscoa
judaica. Quando Deus instituiu a Páscoa em Êxodo 12, o principal ato da
refeição era a morte do cordeiro, cujo sangue deveria cobrir as laterais das
portas para desviar a ira de Deus. Em todo o tempo dos judeus, eles faziam a
refeição da Páscoa anualmente, lembrando da misericórdia de Deus e do seu ato
libertador. Quando Jesus celebrou sua última ceia com seus discípulos, não
parecia nada de mais, no início. Entretanto, aquela seria a última ceia em que
havia um cordeiro morto, pois o verdadeiro Cordeiro de Deus estava para morrer
de uma vez por todas. Pode-se imaginar a angústia de Jesus ao comer aquele
cordeiro sacrificado, sabendo que ele teria o mesmo fim em questão de horas.
Mas, a partir desse dia, Jesus inovou nessa refeição. Ele deu significados ao
pão e ao vinho da ceia. O pão, rasgado e moído, significa o seu corpo, que
seria dilacerado em favor de muitos. O vinho significa o seu sangue, derramado
para estabelecer uma nova aliança. O que Jesus fala sobre o vinho é uma
paráfrase de Êxodo 24:8 – “o sangue da aliança”. Desse dia em diante, os
elementos centrais da refeição da ceia seriam o pão e o vinho, pois o propósito
do cordeiro estava plenamente cumprido. Jesus, o supremo cordeiro sacrificado,
derramou o seu sangue para desviar a ira de Deus de seu povo e para efetuar a
libertação do pecado, tal qual o antigo cordeiro desviou o anjo destruidor e
iniciou a libertação dos egípcios.
A ceia
passou a ser realizada com mais frequência, não mais anualmente. Muitas igrejas
realizavam-na semanalmente. O importante é que a ceia seja feita em memória de
Cristo, como ele ordena. Instruções claras sobre a ceia aparecem em 1Coríntios
11 e acabam gerando algumas confusões. Em primeiro lugar, ela não é uma
refeição leviana. Paulo diz que deve ser tomada com “discernimento do corpo do
Senhor”. Não é correto que os pais deem os elementos da ceia às suas crianças
muito pequenas e sem discernimento, nem que convidados descrentes os tomem. Na
verdade, há várias orientações que mostram que a ceia é uma prática em que é
absolutamente necessário que a vontade e a mente estejam centradas no culto a
Deus. Temos a orientação genérica de que a ceia deve ser tomada com consciência
da comunhão. A repreensão de Paulo é para que certos coríntios não comessem
tudo, embriagando-se com o vinho e se esquecessem dos irmãos pobres que ficavam
passando fome depois, por terem chegado mais tarde. A ceia deve ser feita com
amor e comunhão, não como um ato individual e egocêntrico.
Outra
orientação que causa dúvidas é a parte do “examinem a si mesmos”. Muitos pensam
que a pessoa deve se examinar para ver como está o coração dela e fazer um
cálculo abstrato de sua dignidade de tomar a ceia. Mas, Paulo não diz
“examinem-se para ver se vocês podem tomar”, e sim “examinem-se e então tomem”.
Não tenha dúvidas, você não é digno de participar da ceia. Você é um pecador maculado.
Mas o Cordeiro pascal já foi morto e já proveu perdão para você. Examine-se e
então participe da ceia, pois a solução para o seu pecado está justamente no
Cordeiro a que a ceia remete. Não que você seja purificado pela ingestão dos
elementos, mas sim pelo Cristo simbolizado no pão e no vinho. A ceia é dada
para uma tomada de consciência da supremacia e da graça de Cristo e da sua
necessidade de crer na morte expiatória dele. Não recuse a ceia e nem a tome em
vão. Deixe que os sentidos provocados pelos elementos aproximem seu coração e
sua mente de Jesus.
Por outro
lado, também podemos compreender que a ceia é um prenúncio do que está por vir.
Jesus, quando tomou o vinho, disse “Não beberei do fruto da videira até que eu beba
o vinho novo no Reino dos céus” (Mc 14:25) Um dia, toda a Igreja estará com
Cristo em seu reino, e todos participaremos do banquete celestial com o
Cordeiro. Celebramos hoje a ceia em esperança e expectativa pela grande e
maravilhosa ceia que tomaremos com Jesus quando ele se manifestar. A ceia é,
portanto, não apenas uma ocasião de contrição e remorso, mas também de alegria
pela salvação que temos hoje e que será consumada quando o Filho de Deus vier
em glória.
André Duarte
André Duarte
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