segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

O que é Igreja 3 - As lideranças

            

            Este é outro ponto da Igreja necessário de se tratar com especificidade, principalmente por causa das enormes distorções que se encontram praticamente em qualquer lugar. A liderança da Igreja não é explicada de forma tão rasa para justificar tantas percepções e constituições diversas. Também é um ponto crucial para o desenvolvimento saudável e maduro de uma Igreja, de forma que, se uma liderança desempenha um papel ruim e herético, toda a Igreja sofre como resultado.
           
Em primeiro lugar, de onde tiramos os ensinos sobre liderança? Já ouvi muitos sermões que procuravam embasar atributos e prerrogativas dos líderes com base nos chefes do Antigo Testamento, ao passo que quase nunca ouvi o mesmo a partir do Novo. Por exemplo, as rebeliões contra Moisés. Quando Deus defende a autoridade de Moisés contra as reclamações do povo, o ensino é que não podemos jamais questionar nossos líderes, certo? Errado. E, se Davi não quis assassinar Saul por ele ser o ungido do Senhor, então também não podemos falar nada contra os líderes, supostamente mais ungidos do Senhor do que o povão, certo? Claro que não. Líderes do Antigo Testamento não são, de forma alguma, modelos para líderes eclesiásticos. São prenunciadores de Cristo. Figuras do Antigo Testamento são modelos de Jesus, não de líderes de Igreja. Moisés foi o mediador de uma aliança, Josué foi o chefe que deu vitória ao povo de Deus, Davi foi o rei teocrático – sombras de Cristo, não de quaisquer outros homens que, porventura, tentem tomar o lugar do Senhor. Ora, há tantos ensinos diretos e específicos sobre liderança eclesiástica no Novo Testamento. Por que não usá-los?
           
Como começou a liderança da Igreja? Sua gênese está nos apóstolos. Jesus escolheu homens aos quais chamou de apóstolos para serem os guias da Igreja, transmitindo com autoridade os ensinos de Jesus. Paulo era um deles, escolhido posteriormente. O termo “apóstolo” significa, em sentido amplo, “enviado”. Nesse sentido, podemos compreender qualquer pessoa comissionada por Jesus como um apóstolo (caso, por exemplo, de Barnabé e Júnias). Tal designação não é recomendável hoje em dia, devido ao provável mau entendimento que pode ocorrer. Mas, num sentido mais específico, de acordo com o que sugere Russel Shedd, o termo apóstolo traduz uma palavra aramaica usada para designar representantes da autoridade de um rei numa terra estrangeira. Apóstolos, portanto, seriam homens que falam com a autoridade de Jesus, razão por que seus ensinos pelas epístolas são totalmente fidedignos. Essa espécie de apóstolo não existe mais; apenas os 12, Paulo, Tiago e talvez Judas (o da epístola) o eram. É totalmente errado e soberbo que líderes modernos se intitulem apóstolos. Nenhum homem pode ter a pretensão de proferir ensinos derivados de seu conhecimento pessoal com Cristo como canônicos.
           
Além dessa liderança à parte, temos líderes que emergiram dos próprios membros das igrejas. Esses homens eram reconhecidos pelos apóstolos como líderes após um certo tempo. (Atos 14:23). Era necessário que a Igreja se desenvolvesse espontaneamente por um tempo para que os membros com maturidade e capacidade de liderança se destacassem. Os líderes eram, em regra, membros da própria Igreja; não havia importação de um pastor de fora (embora temos, como exemplo de exceção, Timóteo). Isso porque o líder precisa ter íntimo envolvimento com a comunidade para atendê-la como ela necessita. E como são chamados esses líderes? Temos três títulos principais: pastor, bispo e presbítero.
           
A primeira consideração importante sobre esses títulos é que eles não representam graus hierárquicos, mas designações diferentes para os mesmos homens. Podemos ver, nas cartas pastorais (1Timóteo 3:1-7, Tito 1:6-9) que os requisitos para ser bispo são os mesmos para ser presbítero. Além disso, em Atos 20:17,28, Paulo usa os três termos para os mesmos líderes de Éfeso. Veja como ele coloca: presbíteros, aos quais Deus instituiu como bispos para pastorearem a Igreja. É legítimo chamar um pastor de bispo ou presbítero. Outro ponto comum é que os termos designam funções de fato, e não títulos de cargos. Acho especialmente notável que, nem mesmo entre os apóstolos, havia o costume de chamá-los por esse título. Existem vários exemplos de, por exemplo, “Paulo, o apóstolo”, mas nunca “o apóstolo Paulo”. Pedro teve a oportunidade de chamá-lo assim em sua segunda carta, mas, vez disso, chama-o de “o amado irmão Paulo” (2Pe 3:15). Se um pastor não estivesse pastoreando, ele não seria chamado “pastor”, por não estar realmente exercendo essa função. Falarei mais sobre isso no final do post. Bem, o que significa cada termo? “Bispo” é o “epíscopos”, ou seja, aquele que “olha por cima”. Pode ser traduzido como “supervisor”. Ser bispo significa vigiar com zelo a Igreja, percebendo que está errado, o que pode ser melhorado, se alguém precisa de ajuda, se alguém precisa de disciplina, se os dons estão sendo usados devidamente. “Presbítero” é “homem idoso”. Não pela idade, mas pela maturidade – é um adulto na fé. Líderes precisam ter a fé madura e um espírito desenvolvido na graça de Deus. “Pastor” é, literalmente, o pastor de ovelhas comum. Ele deve cuidar da Igreja com o mesmo amor de um pastor por suas ovelhas, bem como guiá-la para o eterno propósito dela – ser como Cristo. Deve-se notar que o termo “pastor”, como função eclesiástica, aparece uma só vez – Efésios 4:11 – e no plural. Deve haver uma pluralidade de líderes, para diminuir o poder nas mãos de uma só pessoa.
           
E quais são as qualificações para ser um pastor-bispo-presbítero? Mais uma vez, vemos as cartas a Timóteo e Tito. Há uma lista específica: não ser viciado em bebida, não ser neófito, bondade, generosidade, “marido de uma só mulher” – que significa fidelidade, não monogamia -, ser um bom pai de família e mais. A essência desta lista é o caráter. Isso é o mais importante. Não deve ser aceito como pastor um homem com alta inteligência e carisma, mas com um caráter maculado. Já vimos que a semelhança com Cristo é a meta de todo crente individualmente e da Igreja como um todo. Um líder é um indivíduo que precisa estar mais à frente nessa caminhada para poder ajudar os outros. Como um pastor pode guiar uma Igreja se ele mesmo for desorientado como um bebê na fé? Caráter cristão, fruto do Espírito – um pastor precisa tê-los. Não é triste que haja tantos pastores vivendo em imoralidade, irascíveis, orgulhosos, confundindo evangelho com legalismo?
           
Outra característica do presbítero é a capacidade de ensino. Um pastor precisa ter conhecimento profundo das Escrituras e sensibilidade para ensiná-las de forma edificante. Embora, recentemente, muitas igrejas tentem distinguir pastor de mestre, biblicamente, as duas funções andam juntas. O texto em 1Timóteo 5:17 parece mostrar que existem presbíteros que se dedicam especialmente ao ensino e outros não. Mesmo assim, mesmo se um pastor não ensina frequentemente, ele deve ser apto para essa função. Em Efésios 4:11, novamente, temos uma indicação de que “pastor” e “mestre” estão unidos. Das funções que Paulo nomina, “pastor” e “mestre” são as únicas não separadas pelo termo “e outros para”. Gramaticalmente, fica ambíguo, tanto no português como no grego. Mas o argumento da ausência do “outros para” indica que o pastor precisa ser mestre. Com isso, concorda Russel Shedd. Agora, a função de mestre é de especial responsabilidade. Tiago diz “Não sejamos muitos de nós mestres, pois seremos cobrados com maior rigor” (3:1). Não é preocupante a frequência de mestres por aí ensinando bobagem? Um mestre é totalmente responsável se ele ensina heresia. Ele não tem o benefício da imaturidade. Claro que nenhum mestre é infalível. Mas ele não pode ser alguém ainda no início do processo de aprendizado. Ele precisa ter cuidado máximo com o que ensina, pois toda a Igreja está contando com ele para transmitir os ensinos bíblicos. Se ele, por acaso, ensinar um erro, e depois reconhecer isso, ele tem a responsabilidade para com a Igreja de se retificar humildemente perante ela. Nunca se sabe que efeitos uma doutrina falsa pode gerar.
           
E o diácono? Esse não é um termo designador de liderança. Diácono significa servo, simplesmente. Eles não tinham posto de liderança na Igreja bíblica. Mas eles tinham papéis de reconhecida importância pelo seu serviço, o qual é, em realidade, um atributo de um cristão maduro.
           
E qual é o propósito da liderança? O texto de Efésios 4 responde de novo. Leia além do versículo 11 e lá estará a explicação para a existência de ministérios. Líderes devem facilitar e coordenar a Igreja para que ela eficazmente realize o seu propósito, que eu expliquei nos posts 1 e 2. Líderes precisam zelar pela santidade da Igreja, pelo claro aprendizado do evangelho pelas Escrituras, pelo crescimento espiritual orgânico dos membros. Líderes devem encorajar os membros da Igreja a usar seus dons – embora muitos líderes, ao contrário, tentem monopolizar todas as funções e tolher a Igreja. Hebreus 13:17 dá o alerta para a obediência aos líderes pelo cuidado que eles têm para com o rebanho de Deus. Mas isso não significa que os pastores são automaticamente intocáveis. Eles devem saber que tudo o que eles fazem é para que o comando de Cristo sobre a Igreja seja real, pois ele é o Cabeça. Não aceite pastores que tentem ser eles mesmos os cabeças da Igreja, ditando tudo conforme querem. Líderes não podem ultrapassar as Escrituras em suas orientações e ensinos. É frequente vermos no Novo Testamento a quantidade de alertas contra falsos mestres. Se pastores são intocáveis, não precisamos de 2Pedro, Judas, 2Coríntios, Colossenses, Timóteo, Tito, 1João... aliás, esqueça a Bíblia logo, é mais fácil. Não use Romanos 13 para pastores. A autoridade intocável à qual esse texto alude é o governo civil. Não ignore o contexto. Se a rebelião contra qualquer pastor fosse errada, Paulo cometeu um tremendo erro em escrever 2Coríntios, na qual repreende a Igreja por aceitar pastores errados. As últimas cartas, na ordem cronológica, focam justamente na rejeição de falsos mestres. Você não tem obrigação nenhuma de obedecer a ordens hereges de um líder. Por outro lado, não pense que você tem qualquer utilidade para Jesus se você é desses anarquistas que não se submetem a autoridade nenhuma. Líderes que realmente cuidam do povo de Deus com a verdade e com amor devem sim ser reconhecidos como legítimas autoridades. Aí sim você volta para Hebreus 13:17. E que tudo seja feito para a edificação da Igreja, pela sua pureza e para a glória de Deus.

André Duarte

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