Este é outro ponto da Igreja necessário de se tratar com
especificidade, principalmente por causa das enormes distorções que se
encontram praticamente em qualquer lugar. A liderança da Igreja não é explicada
de forma tão rasa para justificar tantas percepções e constituições diversas.
Também é um ponto crucial para o desenvolvimento saudável e maduro de uma
Igreja, de forma que, se uma liderança desempenha um papel ruim e herético,
toda a Igreja sofre como resultado.
Em primeiro
lugar, de onde tiramos os ensinos sobre liderança? Já ouvi muitos sermões que
procuravam embasar atributos e prerrogativas dos líderes com base nos chefes do
Antigo Testamento, ao passo que quase nunca ouvi o mesmo a partir do Novo. Por
exemplo, as rebeliões contra Moisés. Quando Deus defende a autoridade de Moisés
contra as reclamações do povo, o ensino é que não podemos jamais questionar
nossos líderes, certo? Errado. E, se Davi não quis assassinar Saul por ele ser
o ungido do Senhor, então também não podemos falar nada contra os líderes,
supostamente mais ungidos do Senhor do que o povão, certo? Claro que não.
Líderes do Antigo Testamento não são, de forma alguma, modelos para líderes
eclesiásticos. São prenunciadores de Cristo. Figuras do Antigo Testamento são
modelos de Jesus, não de líderes de Igreja. Moisés foi o mediador de uma
aliança, Josué foi o chefe que deu vitória ao povo de Deus, Davi foi o rei
teocrático – sombras de Cristo, não de quaisquer outros homens que, porventura,
tentem tomar o lugar do Senhor. Ora, há tantos ensinos diretos e específicos
sobre liderança eclesiástica no Novo Testamento. Por que não usá-los?
Como
começou a liderança da Igreja? Sua gênese está nos apóstolos. Jesus escolheu
homens aos quais chamou de apóstolos para serem os guias da Igreja,
transmitindo com autoridade os ensinos de Jesus. Paulo era um deles, escolhido
posteriormente. O termo “apóstolo” significa, em sentido amplo, “enviado”.
Nesse sentido, podemos compreender qualquer pessoa comissionada por Jesus como
um apóstolo (caso, por exemplo, de Barnabé e Júnias). Tal designação não é
recomendável hoje em dia, devido ao provável mau entendimento que pode ocorrer.
Mas, num sentido mais específico, de acordo com o que sugere Russel Shedd, o
termo apóstolo traduz uma palavra aramaica usada para designar representantes
da autoridade de um rei numa terra estrangeira. Apóstolos, portanto, seriam
homens que falam com a autoridade de Jesus, razão por que seus ensinos pelas
epístolas são totalmente fidedignos. Essa espécie de apóstolo não existe mais;
apenas os 12, Paulo, Tiago e talvez Judas (o da epístola) o eram. É totalmente errado e soberbo que líderes modernos
se intitulem apóstolos. Nenhum homem pode ter a pretensão de proferir ensinos
derivados de seu conhecimento pessoal com Cristo como canônicos.
Além dessa
liderança à parte, temos líderes que emergiram dos próprios membros das
igrejas. Esses homens eram reconhecidos pelos apóstolos como líderes após um
certo tempo. (Atos 14:23). Era necessário que a Igreja se desenvolvesse
espontaneamente por um tempo para que os membros com maturidade e capacidade de
liderança se destacassem. Os líderes eram, em regra, membros da própria Igreja;
não havia importação de um pastor de fora (embora temos, como exemplo de
exceção, Timóteo). Isso porque o líder precisa ter íntimo envolvimento com a
comunidade para atendê-la como ela necessita. E como são chamados esses líderes?
Temos três títulos principais: pastor, bispo e presbítero.
A primeira
consideração importante sobre esses títulos é que eles não representam graus
hierárquicos, mas designações diferentes para os mesmos homens. Podemos ver,
nas cartas pastorais (1Timóteo 3:1-7, Tito 1:6-9) que os requisitos para ser
bispo são os mesmos para ser presbítero. Além disso, em Atos 20:17,28, Paulo
usa os três termos para os mesmos líderes de Éfeso. Veja como ele coloca:
presbíteros, aos quais Deus instituiu como bispos para pastorearem a Igreja. É
legítimo chamar um pastor de bispo ou presbítero. Outro ponto comum é que os
termos designam funções de fato, e não títulos de cargos. Acho especialmente
notável que, nem mesmo entre os apóstolos, havia o costume de chamá-los por
esse título. Existem vários exemplos de, por exemplo, “Paulo, o apóstolo”, mas
nunca “o apóstolo Paulo”. Pedro teve a oportunidade de chamá-lo assim em sua
segunda carta, mas, vez disso, chama-o de “o amado irmão Paulo” (2Pe 3:15). Se
um pastor não estivesse pastoreando, ele não seria chamado “pastor”, por não
estar realmente exercendo essa função. Falarei mais sobre isso no final do
post. Bem, o que significa cada termo? “Bispo” é o “epíscopos”, ou seja, aquele
que “olha por cima”. Pode ser traduzido como “supervisor”. Ser bispo significa
vigiar com zelo a Igreja, percebendo que está errado, o que pode ser melhorado,
se alguém precisa de ajuda, se alguém precisa de disciplina, se os dons estão
sendo usados devidamente. “Presbítero” é “homem idoso”. Não pela idade, mas
pela maturidade – é um adulto na fé. Líderes precisam ter a fé madura e um espírito
desenvolvido na graça de Deus. “Pastor” é, literalmente, o pastor de ovelhas
comum. Ele deve cuidar da Igreja com o mesmo amor de um pastor por suas
ovelhas, bem como guiá-la para o eterno propósito dela – ser como Cristo.
Deve-se notar que o termo “pastor”, como função eclesiástica, aparece uma só
vez – Efésios 4:11 – e no plural. Deve haver uma pluralidade de líderes, para
diminuir o poder nas mãos de uma só pessoa.
E quais são
as qualificações para ser um pastor-bispo-presbítero? Mais uma vez, vemos as
cartas a Timóteo e Tito. Há uma lista específica: não ser viciado em bebida,
não ser neófito, bondade, generosidade, “marido de uma só mulher” – que
significa fidelidade, não monogamia -, ser um bom pai de família e mais. A
essência desta lista é o caráter. Isso é o mais importante. Não deve ser aceito
como pastor um homem com alta inteligência e carisma, mas com um caráter
maculado. Já vimos que a semelhança com Cristo é a meta de todo crente
individualmente e da Igreja como um todo. Um líder é um indivíduo que precisa
estar mais à frente nessa caminhada para poder ajudar os outros. Como um pastor
pode guiar uma Igreja se ele mesmo for desorientado como um bebê na fé? Caráter
cristão, fruto do Espírito – um pastor precisa tê-los. Não é triste que haja
tantos pastores vivendo em imoralidade, irascíveis, orgulhosos, confundindo
evangelho com legalismo?
Outra
característica do presbítero é a capacidade de ensino. Um pastor precisa ter
conhecimento profundo das Escrituras e sensibilidade para ensiná-las de forma
edificante. Embora, recentemente, muitas igrejas tentem distinguir pastor de
mestre, biblicamente, as duas funções andam juntas. O texto em 1Timóteo 5:17
parece mostrar que existem presbíteros que se dedicam especialmente ao ensino e
outros não. Mesmo assim, mesmo se um pastor não ensina frequentemente, ele deve
ser apto para essa função. Em Efésios 4:11, novamente, temos uma indicação de
que “pastor” e “mestre” estão unidos. Das funções que Paulo nomina, “pastor” e
“mestre” são as únicas não separadas pelo termo “e outros para”.
Gramaticalmente, fica ambíguo, tanto no português como no grego. Mas o
argumento da ausência do “outros para” indica que o pastor precisa ser mestre.
Com isso, concorda Russel Shedd. Agora, a função de mestre é de especial responsabilidade.
Tiago diz “Não sejamos muitos de nós mestres, pois seremos cobrados com maior
rigor” (3:1). Não é preocupante a frequência de mestres por aí ensinando
bobagem? Um mestre é totalmente responsável se ele ensina heresia. Ele não tem
o benefício da imaturidade. Claro que nenhum mestre é infalível. Mas ele não
pode ser alguém ainda no início do processo de aprendizado. Ele precisa ter
cuidado máximo com o que ensina, pois toda a Igreja está contando com ele para
transmitir os ensinos bíblicos. Se ele, por acaso, ensinar um erro, e depois
reconhecer isso, ele tem a responsabilidade para com a Igreja de se retificar humildemente
perante ela. Nunca se sabe que efeitos uma doutrina falsa pode gerar.
E o diácono?
Esse não é um termo designador de liderança. Diácono significa servo,
simplesmente. Eles não tinham posto de liderança na Igreja bíblica. Mas eles
tinham papéis de reconhecida importância pelo seu serviço, o qual é, em
realidade, um atributo de um cristão maduro.
E qual é o
propósito da liderança? O texto de Efésios 4 responde de novo. Leia além do
versículo 11 e lá estará a explicação para a existência de ministérios. Líderes
devem facilitar e coordenar a Igreja para que ela eficazmente realize o seu
propósito, que eu expliquei nos posts 1 e 2. Líderes precisam zelar pela
santidade da Igreja, pelo claro aprendizado do evangelho pelas Escrituras, pelo
crescimento espiritual orgânico dos membros. Líderes devem encorajar os membros
da Igreja a usar seus dons – embora muitos líderes, ao contrário, tentem
monopolizar todas as funções e tolher a Igreja. Hebreus 13:17 dá o alerta para
a obediência aos líderes pelo cuidado que eles têm para com o rebanho de Deus.
Mas isso não significa que os pastores são automaticamente intocáveis. Eles
devem saber que tudo o que eles fazem é para que o comando de Cristo sobre a
Igreja seja real, pois ele é o Cabeça. Não aceite pastores que tentem ser eles
mesmos os cabeças da Igreja, ditando tudo conforme querem. Líderes não podem
ultrapassar as Escrituras em suas orientações e ensinos. É frequente vermos no
Novo Testamento a quantidade de alertas contra falsos mestres. Se pastores são
intocáveis, não precisamos de 2Pedro, Judas, 2Coríntios, Colossenses, Timóteo,
Tito, 1João... aliás, esqueça a Bíblia logo, é mais fácil. Não use Romanos 13
para pastores. A autoridade intocável à qual esse texto alude é o governo
civil. Não ignore o contexto. Se a rebelião contra qualquer pastor fosse
errada, Paulo cometeu um tremendo erro em escrever 2Coríntios, na qual
repreende a Igreja por aceitar pastores errados. As últimas cartas, na ordem
cronológica, focam justamente na rejeição de falsos mestres. Você não tem
obrigação nenhuma de obedecer a ordens hereges de um líder. Por outro lado, não
pense que você tem qualquer utilidade para Jesus se você é desses anarquistas
que não se submetem a autoridade nenhuma. Líderes que realmente cuidam do povo
de Deus com a verdade e com amor devem sim ser reconhecidos como legítimas autoridades.
Aí sim você volta para Hebreus 13:17. E que tudo seja feito para a edificação
da Igreja, pela sua pureza e para a glória de Deus.
André
Duarte
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