domingo, 24 de fevereiro de 2013

Sola Scriptura


       
        Os maiores opositores de Jesus e da Igreja primitiva foram os fariseus e saduceus. Ambos tinham compreensões erradas acerca da base da revelação de Deus, ou seja, suas escrituras. Jesus citava, para embasar suas mensagens, toda a Bíblia compilada até então: a Lei, os Profetas e os Escritos (conforme a classificação judaica dos livros). Os fariseus tinham o problema de acrescentar cânones na Bíblia. Por essa razão, Jesus os criticou, por elevarem as tradições rabínicas ao nível de mandamentos de Deus e, dessa forma, obscurecerem o espírito do que Deus ordenou. Já os saduceus caíram no erro contrário: o de subtrair revelações de Deus nas Escrituras. Não se sabe exatamente em que partes da Bíblia eles criam, mas muitos estudiosos entendem que os saduceus só consideravam a Lei de Moisés como canônica, rejeitando os Profetas e os Escritos.

            Esses dois tipos opostos entre si têm algo em comum: foram inimigos de Jesus. Além disso, eles são representantes de todos nós no que tange à nossa compreensão da revelação de Deus. Como saduceus, podemos ignorar a Tota Scriptura, da qual falei em outro post. Fazemos isso quando ignoramos textos bíblicos inteiros, e formamos nossa teologia baseada apenas em textos favoritos. Também fazemos isso quando relativizamos os dogmas de Deus na Bíblia por causa das tendências culturais – no caso dos saduceus, o pensamento grego era-lhes tão influente que chegaram a negar a ressurreição. Assim, pegamos pontos bíblicos que não se adequam aos nossos paradigmas e damos a eles interpretações mais liberais e modernas, tendo como base uma preferência pessoal ou uma preferência mundana generalizada. Neste post, quero mostrar que, tão essencial como a Tota Scriptura é a Sola Scriptura. Aos saduceus, faltava a Tota Scriptura – a crença e a devoção à Bíblia inteira. Por outro lado, os fariseus careciam de Sola Scriptura – a Bíblia como única autoridade canônica e fonte da revelação. Quero mostrar, com exemplos, como transgredimos a fé na Sola Scriptura.

            Fazemos isso quando imitamos os fariseus ao canonizar tradições da Igreja. Quando pensamos automaticamente que tudo o que a nossa Igreja ensina – “pois a Igreja dos outros pode estar errada, mas a minha não” – está certo. Eu mesmo pensava assim quando criança. Sem conhecer a Bíblia, eu perguntava a mim mesmo “Como vou saber se o que eles fazem na Igreja está certo?” e então respondia “Ah, porque eles devem ter lido na Bíblia que é assim que se faz”. Infelizmente, esse pressuposto permanece mesmo nas mais idosas mentes. Confiamos que, se algo sempre foi feito, se uma doutrina é pregada frequentemente, então ela deve estar certa. Pois, se não estivesse, é óbvio que todo mundo saberia! Essa é uma forma de superestimar o senso comum, pois ele é frequentemente errado. Tradições não podem ser acrescentadas ao cânon. Não é errado ter tradições, mas sim elevá-las à imutabilidade, sacralidade e autoridade de um dogma divino. Mas é sempre necessário pensar em todas as tradições pelo filtro bíblico. Não confie que o senso comum já descobriu quais tradições são certas. Submeta todas elas à revelação bíblica. Pois não são raras as tradições que são mesmo contrárias à Bíblia. Por exemplo, como eu falei em outros posts, a oração de confissão, a pregação de motivação emocional ou existencialista, o apelo, a obrigatoriedade do dízimo, o ato de estereotipar mundanos.

            Também agimos assim quando confiamos cegamente em autoridades externas para a interpretação da Bíblia. Os fariseus faziam exatamente isso ao elevar as decisões rabínicas do Talmud ao nível de palavra de Deus. E nós fazemos isso quando confiamos nas súmulas clericais sobre a Bíblia. A briga dos protestantes era justamente a rejeição das decisões conciliares e papais sobre dogmas divinos como um acréscimo à Bíblia. Lutero rechaçou veementemente a ideia generalizada de que o papa tinha tanta autoridade para promulgar dogmas quanto a própria Bíblia. A partir do momento em que você interpreta a Bíblia, já está criando pensamentos humanos, mesmo que sejam verdadeiros. Não pense que a interpretação do pastor é automaticamente verdadeira só pelo fato de ele ser pastor. Submeta também todas as pregações à luz da Bíblia. Talvez você pense não no pastor da sua Igreja, mas sim em algum pastor famoso e proeminente no mundo, ou de algum grande teólogo da antiguidade. Eles também são humanos passíveis de erro e, embora possam ajudar muito a embasar compreensões bíblicas, também não podem ser automaticamente aceitos só por sua posição de importância. É tentador ouvir um pregador famoso que diz exatamente aquilo que agrada você e aceitar precipitadamente sua pregação. Mas, como pessoas imperfeitas, que certamente distorcem a Bíblia em algum lugar, precisamos ter a humildade de refazer nossos conceitos e nos adaptarmos à verdade de Deus.

            Tem sido muito comum também adicionar ao cânon a experiência pessoal. O Deus da Bíblia tornou-se um deus subjetivo que fala individualmente coisas diferentes a cada pessoa, praticamente dispensando suas revelações definitivas e públicas na Escritura. Isso é comum entre os quacres e, certamente, nas igrejas renovadas modernas. Existem diversos problemas relacionados a esse erro. Em primeiro lugar, experiência pessoal não é norma pra ninguém. Ninguém precisa passar pela mesma experiência do outro. Com isso, você já pode jogar no lixo metade dos livros evangélicos. Em segundo lugar, considere que talvez nem você mesmo tenha compreendido a própria “experiência”. Isso aconteceu muito comigo quando eu era adolescente. Tive experiências com Deus que eu interpretei de uma forma e, depois, percebi que a propósito de Deus com a ocorrência era totalmente diferente. Esse é um problema tremendo, uma grande negligência com a Bíblia. Fico perplexo em ver pessoas tentando incentivar bebês na fé a evangelizar, dizendo “Olha, se você não souber explicar sobre Jesus pelos textos bíblicos, então conte do que Jesus fez por você, da sua experiência com ele”. Esse ensino não faz o menor sentido, porque a única maneira de entender corretamente a experiência pessoal é pela autoridade da Bíblia sobre a interpretação que você dá. Você nem mesmo pode entender sua experiência sem conhecer a revelação clara e pública da Bíblia. É por causa de experiências extra-bíblicas que surgiram seitas diversas, como testemunhas de Jeová, mórmons, adventistas. E, mesmo que não cause uma separação denominacional, nem incida sobre um princípio bíblico claro, as experiências pessoais consideradas um cânon a mais causam prejuízos no conhecimento de Cristo e, consequentemente, no comportamento cristão. Cuidado com os “Deus colocou no meu coração”, porque isso é altamente enganoso.
           
Somado ao problema das experiências, está o problema na petição de um cânon novo na oração. Com isso, refiro-me à fé no poder das orações de extrair de Deus revelações novas, geralmente mais pessoais e específicas. Posso afirmar sem medo que, a não ser que Deus queria fazer um milagre excepcional, ele não vai revelar nada a você que ele já não tenha revelado na Bíblia. E você não tem o direito de contar que ele vai fazer essa exceção. Tudo o que você precisa saber já está na Bíblia. Se você acha que compreender a Bíblia dá muito trabalho, que é mais fácil pedir a resposta prontinha de Deus, vai se decepcionar. Deus não lhe dará um novo cânon para a sua vida. A vontade de Deus para as suas decisões já está revelada na Bíblia. Se a Bíblia não é tão pessoal, circunstancial e específica como você gostaria, eis uma grande novidade: você pode pensar. Você pode decidir de ofício o que fazer com a sua vida, desde que guiada por princípios bíblicos. Sim, você pode decidir por si mesmo suas preferências específicas sobre as quais a Bíblia silencia.
           
A verdade é que não há por quê adicionar mais cânons ao que já existe. A Bíblia é perfeita e completa. Experiências pessoais são boas para o crescimento, mas elas não podem nunca ser valoradas tal qual a Bíblia. O evangelho não é passível de subjetividade. Ele é um só, único para todo mundo. E Deus comanda que todas as pessoas se arrependam de seus pressupostos mundanos e creiam em seu Filho, tal qual revelado nas Escrituras, conforme o testemunho dos apóstolos.

André Duarte

Nenhum comentário:

Postar um comentário