Os maiores opositores de Jesus e da Igreja primitiva
foram os fariseus e saduceus. Ambos tinham compreensões erradas acerca da base
da revelação de Deus, ou seja, suas escrituras. Jesus citava, para embasar suas
mensagens, toda a Bíblia compilada até então: a Lei, os Profetas e os Escritos
(conforme a classificação judaica dos livros). Os fariseus tinham o problema de
acrescentar cânones na Bíblia. Por
essa razão, Jesus os criticou, por elevarem as tradições rabínicas ao nível de
mandamentos de Deus e, dessa forma, obscurecerem o espírito do que Deus
ordenou. Já os saduceus caíram no erro contrário: o de subtrair revelações de Deus nas Escrituras. Não se sabe exatamente
em que partes da Bíblia eles criam, mas muitos estudiosos entendem que os
saduceus só consideravam a Lei de Moisés como canônica, rejeitando os Profetas
e os Escritos.
Esses
dois tipos opostos entre si têm algo em comum: foram inimigos de Jesus. Além
disso, eles são representantes de todos nós no que tange à nossa compreensão da
revelação de Deus. Como saduceus, podemos ignorar a Tota Scriptura, da qual
falei em outro post. Fazemos isso quando ignoramos textos bíblicos inteiros, e
formamos nossa teologia baseada apenas em textos favoritos. Também fazemos isso
quando relativizamos os dogmas de Deus na Bíblia por causa das tendências
culturais – no caso dos saduceus, o pensamento grego era-lhes tão influente que
chegaram a negar a ressurreição. Assim, pegamos pontos bíblicos que não se
adequam aos nossos paradigmas e damos a eles interpretações mais liberais e
modernas, tendo como base uma preferência pessoal ou uma preferência mundana
generalizada. Neste post, quero mostrar que, tão essencial como a Tota
Scriptura é a Sola Scriptura. Aos saduceus, faltava a Tota Scriptura – a crença
e a devoção à Bíblia inteira. Por outro lado, os fariseus careciam de Sola
Scriptura – a Bíblia como única autoridade canônica e fonte da revelação. Quero
mostrar, com exemplos, como transgredimos a fé na Sola Scriptura.
Fazemos
isso quando imitamos os fariseus ao canonizar tradições da Igreja. Quando
pensamos automaticamente que tudo o que a nossa Igreja ensina – “pois a Igreja
dos outros pode estar errada, mas a minha não” – está certo. Eu mesmo pensava
assim quando criança. Sem conhecer a Bíblia, eu perguntava a mim mesmo “Como
vou saber se o que eles fazem na Igreja está certo?” e então respondia “Ah,
porque eles devem ter lido na Bíblia que é assim que se faz”. Infelizmente,
esse pressuposto permanece mesmo nas mais idosas mentes. Confiamos que, se algo
sempre foi feito, se uma doutrina é pregada frequentemente, então ela deve
estar certa. Pois, se não estivesse, é óbvio que todo mundo saberia! Essa é uma
forma de superestimar o senso comum, pois ele é frequentemente errado.
Tradições não podem ser acrescentadas ao cânon. Não é errado ter tradições, mas
sim elevá-las à imutabilidade, sacralidade e autoridade de um dogma divino. Mas
é sempre necessário pensar em todas as tradições pelo filtro bíblico. Não
confie que o senso comum já descobriu quais tradições são certas. Submeta todas
elas à revelação bíblica. Pois não são raras as tradições que são mesmo
contrárias à Bíblia. Por exemplo, como eu falei em outros posts, a oração de
confissão, a pregação de motivação emocional ou existencialista, o apelo, a
obrigatoriedade do dízimo, o ato de estereotipar mundanos.
Também
agimos assim quando confiamos cegamente em autoridades externas para a
interpretação da Bíblia. Os fariseus faziam exatamente isso ao elevar as
decisões rabínicas do Talmud ao nível de palavra de Deus. E nós fazemos isso
quando confiamos nas súmulas clericais sobre a Bíblia. A briga dos protestantes
era justamente a rejeição das decisões conciliares e papais sobre dogmas
divinos como um acréscimo à Bíblia. Lutero rechaçou veementemente a ideia generalizada
de que o papa tinha tanta autoridade para promulgar dogmas quanto a própria
Bíblia. A partir do momento em que você interpreta a Bíblia, já está criando
pensamentos humanos, mesmo que sejam verdadeiros. Não pense que a interpretação
do pastor é automaticamente verdadeira só pelo fato de ele ser pastor. Submeta
também todas as pregações à luz da Bíblia. Talvez você pense não no pastor da
sua Igreja, mas sim em algum pastor famoso e proeminente no mundo, ou de algum
grande teólogo da antiguidade. Eles também são humanos passíveis de erro e,
embora possam ajudar muito a embasar compreensões bíblicas, também não podem
ser automaticamente aceitos só por sua posição de importância. É tentador ouvir
um pregador famoso que diz exatamente aquilo que agrada você e aceitar
precipitadamente sua pregação. Mas, como pessoas imperfeitas, que certamente
distorcem a Bíblia em algum lugar, precisamos ter a humildade de refazer nossos
conceitos e nos adaptarmos à verdade de Deus.
Tem sido
muito comum também adicionar ao cânon a experiência pessoal. O Deus da Bíblia
tornou-se um deus subjetivo que fala individualmente coisas diferentes a cada
pessoa, praticamente dispensando suas revelações definitivas e públicas na
Escritura. Isso é comum entre os quacres e, certamente, nas igrejas renovadas
modernas. Existem diversos problemas relacionados a esse erro. Em primeiro
lugar, experiência pessoal não é norma pra ninguém. Ninguém precisa passar pela
mesma experiência do outro. Com isso, você já pode jogar no lixo metade dos
livros evangélicos. Em segundo lugar, considere que talvez nem você mesmo tenha
compreendido a própria “experiência”. Isso aconteceu muito comigo quando eu era
adolescente. Tive experiências com Deus que eu interpretei de uma forma e,
depois, percebi que a propósito de Deus com a ocorrência era totalmente
diferente. Esse é um problema tremendo, uma grande negligência com a Bíblia.
Fico perplexo em ver pessoas tentando incentivar bebês na fé a evangelizar,
dizendo “Olha, se você não souber explicar sobre Jesus pelos textos bíblicos,
então conte do que Jesus fez por você, da sua experiência com ele”. Esse ensino
não faz o menor sentido, porque a única maneira de entender corretamente a
experiência pessoal é pela autoridade da Bíblia sobre a interpretação que você
dá. Você nem mesmo pode entender sua experiência sem conhecer a revelação clara
e pública da Bíblia. É por causa de experiências extra-bíblicas que surgiram
seitas diversas, como testemunhas de Jeová, mórmons, adventistas. E, mesmo que
não cause uma separação denominacional, nem incida sobre um princípio bíblico
claro, as experiências pessoais consideradas um cânon a mais causam prejuízos no
conhecimento de Cristo e, consequentemente, no comportamento cristão. Cuidado
com os “Deus colocou no meu coração”, porque isso é altamente enganoso.
Somado ao problema das
experiências, está o problema na petição de um cânon novo na oração. Com isso,
refiro-me à fé no poder das orações de extrair de Deus revelações novas,
geralmente mais pessoais e específicas. Posso afirmar sem medo que, a não ser
que Deus queria fazer um milagre excepcional, ele não vai revelar nada a você
que ele já não tenha revelado na Bíblia. E você não tem o direito de contar que
ele vai fazer essa exceção. Tudo o que você precisa saber já está na Bíblia. Se
você acha que compreender a Bíblia dá muito trabalho, que é mais fácil pedir a
resposta prontinha de Deus, vai se decepcionar. Deus não lhe dará um novo cânon
para a sua vida. A vontade de Deus para as suas decisões já está revelada na
Bíblia. Se a Bíblia não é tão pessoal, circunstancial e específica como você
gostaria, eis uma grande novidade: você pode pensar. Você pode decidir de
ofício o que fazer com a sua vida, desde que guiada por princípios bíblicos.
Sim, você pode decidir por si mesmo suas preferências específicas sobre as
quais a Bíblia silencia.
A verdade é que não há por quê
adicionar mais cânons ao que já existe. A Bíblia é perfeita e completa.
Experiências pessoais são boas para o crescimento, mas elas não podem nunca ser
valoradas tal qual a Bíblia. O evangelho não é passível de subjetividade. Ele é
um só, único para todo mundo. E Deus comanda que todas as pessoas se arrependam
de seus pressupostos mundanos e creiam em seu Filho, tal qual revelado nas
Escrituras, conforme o testemunho dos apóstolos.
André Duarte
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