Quero tornar ao
assunto da oração, já tratado em alguns posts, para expor alguns regulamentos
bíblicos sobre esse meio de graça tão precioso e nos ajudar a orar melhor. Hoje
em dia, é comum tratarmos a oração como uma atividade banal e livre, como se
não houvessem regras bíblicas para nos dar parâmetros e limites. O pressuposto
costuma ser mais ou menos assim: Deus quer que eu me dirija a ele com
sinceridade, autenticidade e espontaneidade, pois ele é meu Pai. Logo, posso
falar com ele como eu bem entender. Devo falar com ele aquilo que está em meu
coração, o que eu estiver com vontade de falar, pois ele me entende. Eu já
pensei assim, e não faz muito tempo que estou mudando essa maneira de pensar.
Passei a maior parte da minha vida fazendo da oração um bate-papo: eu falava
qualquer coisa sobre o meu dia, com alguns pedidos e agradecimentos, e pronto.
Agora, pense também neste exemplo corriqueiro: se um descrente que acaba de se
converter nos pergunta “não sei bem como orar; como eu faço?”, geralmente
respondemos algo como “é só falar normalmente com Deus, como se ele fosse seu
pai ou seu amigo”. Porém, a pergunta “como orar?” realmente é uma pergunta
bíblica explícita, que os discípulos fizeram a Jesus, e a resposta dele foi bem
diferente. Ele nos ofereceu um modelo de oração conhecido como o Pai Nosso, ou
a Oração Dominical, e acrescentou algumas observações. Não quero me centralizar
tanto na exposição do Pai Nosso, mas apenas introduzir a verdade de que a
oração, embora deva ser feita de todo o coração e com toda a sinceridade,
possui sim regulamentos bíblicos e não está ao nosso dispor para fazermos como
bem entendermos. Como em qualquer outro mandamento bíblico, o espírito sincero
e alegre deve estar em harmonia com as regras e os limites, dos quais vou
apenas destacar três:
1. O nome de Jesus
Jesus ensinou
várias vezes que devemos orar em nome dele. Agora, isso tem uma importância
teológica e espiritual fundamental que costuma não ser notada. Distorcemos
completamente o significado de orar em nome de Jesus, e reduzimos essa ordem a
um mero pronunciar “em nome de Jesus” no final da oração. Como se orar em nome
dele significasse simplesmente repetir essa frase mecanicamente. Quando eu era
criança, achava que esse era o termo que validava a oração. Deus estaria me
ouvindo pacientemente e, se eu não dissesse “em nome de Jesus”, ele diria “ah,
essa não vale, não vou responder”. É claro que orar em nome de Jesus é muito
mais do que isso. Basta pensar um pouco no que significa fazer qualquer coisa
em nome de um terceiro. Orar a Deus o Pai em nome do seu Filho tem, no mínimo,
duas implicações básicas para o ato de orar: primeiro, que é pela intermediação
de Jesus que nós nos dirigimos ao Pai. Isto é, na oração, você deve reconhecer
que, se não fosse pela mediação única de Jesus Cristo, você não teria qualquer
direito de falar ao Deus santíssimo. Com efeito, você, pecador impuro,
mereceria ser consumido por fogo por se atrever a falar com o Deus santo, puro,
altíssimo e cheio de luz. No entanto, ele mesmo proveu para você, por pura
graça, o seu Filho como sumossacerdote eterno e eficaz. Cristo ofereceu a si
mesmo na cruz como sacrifício maldito, tomando o seu lugar, e agora permanece
diante de Deus intercedendo por você. A única razão para que Deus ouça a sua
oração é que Jesus já está também “orando” por você, se você pertence a ele. Se
não fosse por ele, o estatuto de Deus para você não seria outro além de: “Deus
abomina a oração do ímpio” (Pv 15.8, 29; 28.9). Portanto, orar em nome de Jesus
significa isso, orar por meio dele, apresentar sua comunicação pela fé nele. Em
uma cultura, mesmo na evangélica, em que a oração é tratada como um direito
automático e grátis, essa verdade precisa ser ressaltada.
O segundo
significado de orar em nome de Jesus é orar segundo a vontade dele. Estamos
familiarizados com o que disse João: que ele nos ouve se pedirmos segundo a sua
vontade. Mas como sabermos se realmente estamos pedindo o que Jesus aprovaria?
Evangélicos de tendência mística não sabem o que fazer com essa questão, e
ficam tentando intuir, para cada situação particular, a validade de suas
petições. Mas quem compreende a suficiência da Escritura deve saber que a
Bíblia mesmo nos diz quais orações são da vontade de Deus. Ele mesmo, em
inúmeros textos, proveu-nos material para usarmos em nossas orações, e aquilo
que ele inspirou certamente o agrada, e certamente receberá a sua resposta. Ao
orar em nome de Jesus, você reconhece as Santas Escrituras como a autoridade suprema
sobre a sua oração. É evidente que, sem essa base do nome de Cristo, é
impossível orar adequadamente, não importando quão sinceros sejam os seus
desejos e suas angústias. Tiago repreendeu os crentes por “pedirem mal”, que
ele descreve como “para os seus próprios desejos egoístas”. Os textos bíblicos
orientadores da oração são contrários a esse espírito idólatra e mesquinho.
Portanto, é necessário inteirar-nos deles. Esses são os nossos segundo e
terceiro pontos.
2. Os salmos
Insisto,
como já fiz outras vezes, que o cristão deve aprofundar-se nos salmos com todas
a suas forças. Neles, encontramos a maior parte da teologia sobre o ser de Deus
que há no Antigo Testamento, e lemos orações e cânticos inspirados. É
maravilhoso ver que o próprio Deus nos disse o que ele quer que nós digamos a
ele, e é um pecado negligenciar isso. Realmente, muitos crentes dizem gostar de
ler os salmos, mas, na verdade, leem apenas alguns favoritos, e ainda os
interpretam mal. Todos os salmos são importantes, pois em todos o salmista se
dirige a Deus ou medita sobre ele. Para começar, temos salmos messiânicos (2,
16, 22, 45, 72, 89, 110, 118 etc). Por meio deles, podemos orar adorando e
agradecendo a Deus pela salvação em Jesus Cristo e pelo seu império sobre nós.
Temos salmos penitenciais, como o 32, o 51 e o 73, que nos ajudam a confessar
nossos pecados e clamar pelo perdão de Deus e por seu auxílio. Vários salmos
são ações de graças pela providência de Deus na história, como o 18, o 78 e o
136, ensinando-nos a fazer o mesmo com relação à história da Igreja e mesmo a
nossa pessoal.
E,
evidentemente, há inúmeros salmos que são verdadeiros louvores a Deus por tudo
o que ele é e fez, e que conclamam toda a terra para adorá-lo. Precisamos
começar nossas orações com adoração, e com esse forte senso de que toda a
criação deve também adorá-lo. Isso nos leva às legítimas petições pela
purificação da Igreja, resistência dos missionários, coragem dos pregadores,
conversão das nações, destruição dos inimigos de Cristo, bem como pelo auxílio
de Deus em nossa própria vida em todos esses sentidos. Há também muitos salmos
imprecatórios, nos quais o salmista é afligido por inimigos e pede pela
vingança de Deus sobre eles. É também legítimo orar nesse sentido, com a
consciência de que o salmista não é motivado por ódio pessoal, e sim pela ira
justa direcionada à rebelião dos ímpios contra a Lei de Deus. Tudo isso deve
ser colocado no contexto do “buscar o reino de Deus”, e o leitor atento
perceberá facilmente que todos os salmos são voltados ultimamente para esse
fim.
Faltou ainda
um salmo muito importante (assim como outros parecidos): o 82, no qual o
salmista exorta os governantes da terra a se submeterem ao império de Deus.
Isso está de acordo com o que Paulo manda em 1Timóteo 2, que oremos pelos reis,
a fim de que a Igreja tenha paz. É muito importante lembrarmos de orar pelas
autoridades civis da nossa cidade, nação e do mundo. Que eles governem segundo
os preceitos de Deus, parem de se rebelar e ajam para proteger a Igreja.
3. O Pai Nosso
Por fim, temos
a Oração Dominical, sobre a qual já fizemos um post inteiro. Essa oração possui
seis petições, sendo as três primeiras a respeito exclusivamente de Deus, e as
três seguintes em favor de nós mesmos. As petições sobre Deus expressam o
desejo de que o nome de Deus seja adorado e reverenciado por toda a terra; que
o reino de Deus cresça e imponha sua autoridade, derrotando o reino de Satanás;
que a vontade imperiosa de Deus seja obedecida pelos homens assim como os anjos
obedecem. As petições por nós clamam pelo sustento de Deus sobre nossas
necessidades, seu perdão pelos nossos pecados e sua proteção para que não
pequemos. Se alguém desejar se aprofundar no significado dessas petições,
sugiro que leia o Catecismo Maior de Westminster. O estudioso deve perceber que
essa oração é perfeitamente harmoniosa com os temas dos salmos. E é debaixo
desses parâmetros que devemos orar. Especialmente a respeito das petições por
nós, é necessário atentar-nos para o que essa oração manda, para que saibamos
firmemente quais são as nossas maiores necessidades. Elas limitam petições
egoístas e fúteis e nos ensinam sobre quem nós somos e do que precisamos diante
de Deus.
E as nossas ansiedades?
Todos sabem
que Paulo diz aos filipenses para que lancem sobre Deus as suas ansiedades. Com
essas palavras, podemos nos juntar aos salmistas que sofrem perseguição e
desilusão e orar pelo conforto de Deus e por sua intervenção. Porém, não
devemos esquecer que esse texto é harmônico com o “não andeis ansiosos” do
sermão do monte. Ansiedade é, de várias maneiras, pecado. Assim, quando
estivermos ansiosos, devemos orar primeiramente para que Deus nos ajude a
extirpar esse sentimento que, em sua base, é falta de fé (conf. Salmo 42). Isso
se dá quando fazemos como os salmistas fazem: meditar nos atos de Deus e
adorá-lo por quem ele é (salmo 103). Fica claro então que lançar as nossas
ansiedades sobre Deus deve ter coerência com os parâmetros de oração do Pai
Nosso e dos salmos; na verdade, é a única maneira de realmente recebermos
conforto de nossas angústias. Se a sua oração tiver como principal a adoração,
não há tribulação que você não possa suportar.
Além disso, o
Pai Nosso e os salmos nos ensinam sobre quais coisas devemos ansiar: o reino de
Deus, a nossa purificação e tudo o mais que já dissemos. Se lançarmos essas
ansiedades sobre Deus, é certo que ele nos responderá, pois são anelos da
vontade dele. Então, antes de se dirigir a Deus falando o que lhe vier à
cabeça, pare e pense um pouco. Lembre-se de quem é Deus, a que Rei você está
oferecendo súplicas, quem é você diante dele. Medite naquilo que é mais
importante, naquilo que ele mesmo revelou na Palavra que deve ser motivo de
oração e de desejo. Ninguém se dirige ao grande Rei e Juiz da maneira como parecer
bem, nem escolhe os temas da comunicação a esmo. Que ele nos ajude a orarmos
melhor, para que, através desse meio de graça inestimável, cresçamos
espiritualmente e fiquemos mais parecidos com Jesus.
André Duarte
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