sexta-feira, 7 de março de 2014

Orando biblicamente

            Quero tornar ao assunto da oração, já tratado em alguns posts, para expor alguns regulamentos bíblicos sobre esse meio de graça tão precioso e nos ajudar a orar melhor. Hoje em dia, é comum tratarmos a oração como uma atividade banal e livre, como se não houvessem regras bíblicas para nos dar parâmetros e limites. O pressuposto costuma ser mais ou menos assim: Deus quer que eu me dirija a ele com sinceridade, autenticidade e espontaneidade, pois ele é meu Pai. Logo, posso falar com ele como eu bem entender. Devo falar com ele aquilo que está em meu coração, o que eu estiver com vontade de falar, pois ele me entende. Eu já pensei assim, e não faz muito tempo que estou mudando essa maneira de pensar. Passei a maior parte da minha vida fazendo da oração um bate-papo: eu falava qualquer coisa sobre o meu dia, com alguns pedidos e agradecimentos, e pronto. Agora, pense também neste exemplo corriqueiro: se um descrente que acaba de se converter nos pergunta “não sei bem como orar; como eu faço?”, geralmente respondemos algo como “é só falar normalmente com Deus, como se ele fosse seu pai ou seu amigo”. Porém, a pergunta “como orar?” realmente é uma pergunta bíblica explícita, que os discípulos fizeram a Jesus, e a resposta dele foi bem diferente. Ele nos ofereceu um modelo de oração conhecido como o Pai Nosso, ou a Oração Dominical, e acrescentou algumas observações. Não quero me centralizar tanto na exposição do Pai Nosso, mas apenas introduzir a verdade de que a oração, embora deva ser feita de todo o coração e com toda a sinceridade, possui sim regulamentos bíblicos e não está ao nosso dispor para fazermos como bem entendermos. Como em qualquer outro mandamento bíblico, o espírito sincero e alegre deve estar em harmonia com as regras e os limites, dos quais vou apenas destacar três:

            1. O nome de Jesus
        
        Jesus ensinou várias vezes que devemos orar em nome dele. Agora, isso tem uma importância teológica e espiritual fundamental que costuma não ser notada. Distorcemos completamente o significado de orar em nome de Jesus, e reduzimos essa ordem a um mero pronunciar “em nome de Jesus” no final da oração. Como se orar em nome dele significasse simplesmente repetir essa frase mecanicamente. Quando eu era criança, achava que esse era o termo que validava a oração. Deus estaria me ouvindo pacientemente e, se eu não dissesse “em nome de Jesus”, ele diria “ah, essa não vale, não vou responder”. É claro que orar em nome de Jesus é muito mais do que isso. Basta pensar um pouco no que significa fazer qualquer coisa em nome de um terceiro. Orar a Deus o Pai em nome do seu Filho tem, no mínimo, duas implicações básicas para o ato de orar: primeiro, que é pela intermediação de Jesus que nós nos dirigimos ao Pai. Isto é, na oração, você deve reconhecer que, se não fosse pela mediação única de Jesus Cristo, você não teria qualquer direito de falar ao Deus santíssimo. Com efeito, você, pecador impuro, mereceria ser consumido por fogo por se atrever a falar com o Deus santo, puro, altíssimo e cheio de luz. No entanto, ele mesmo proveu para você, por pura graça, o seu Filho como sumossacerdote eterno e eficaz. Cristo ofereceu a si mesmo na cruz como sacrifício maldito, tomando o seu lugar, e agora permanece diante de Deus intercedendo por você. A única razão para que Deus ouça a sua oração é que Jesus já está também “orando” por você, se você pertence a ele. Se não fosse por ele, o estatuto de Deus para você não seria outro além de: “Deus abomina a oração do ímpio” (Pv 15.8, 29; 28.9). Portanto, orar em nome de Jesus significa isso, orar por meio dele, apresentar sua comunicação pela fé nele. Em uma cultura, mesmo na evangélica, em que a oração é tratada como um direito automático e grátis, essa verdade precisa ser ressaltada.
           
O segundo significado de orar em nome de Jesus é orar segundo a vontade dele. Estamos familiarizados com o que disse João: que ele nos ouve se pedirmos segundo a sua vontade. Mas como sabermos se realmente estamos pedindo o que Jesus aprovaria? Evangélicos de tendência mística não sabem o que fazer com essa questão, e ficam tentando intuir, para cada situação particular, a validade de suas petições. Mas quem compreende a suficiência da Escritura deve saber que a Bíblia mesmo nos diz quais orações são da vontade de Deus. Ele mesmo, em inúmeros textos, proveu-nos material para usarmos em nossas orações, e aquilo que ele inspirou certamente o agrada, e certamente receberá a sua resposta. Ao orar em nome de Jesus, você reconhece as Santas Escrituras como a autoridade suprema sobre a sua oração. É evidente que, sem essa base do nome de Cristo, é impossível orar adequadamente, não importando quão sinceros sejam os seus desejos e suas angústias. Tiago repreendeu os crentes por “pedirem mal”, que ele descreve como “para os seus próprios desejos egoístas”. Os textos bíblicos orientadores da oração são contrários a esse espírito idólatra e mesquinho. Portanto, é necessário inteirar-nos deles. Esses são os nossos segundo e terceiro pontos.
           
            2. Os salmos

        Insisto, como já fiz outras vezes, que o cristão deve aprofundar-se nos salmos com todas a suas forças. Neles, encontramos a maior parte da teologia sobre o ser de Deus que há no Antigo Testamento, e lemos orações e cânticos inspirados. É maravilhoso ver que o próprio Deus nos disse o que ele quer que nós digamos a ele, e é um pecado negligenciar isso. Realmente, muitos crentes dizem gostar de ler os salmos, mas, na verdade, leem apenas alguns favoritos, e ainda os interpretam mal. Todos os salmos são importantes, pois em todos o salmista se dirige a Deus ou medita sobre ele. Para começar, temos salmos messiânicos (2, 16, 22, 45, 72, 89, 110, 118 etc). Por meio deles, podemos orar adorando e agradecendo a Deus pela salvação em Jesus Cristo e pelo seu império sobre nós. Temos salmos penitenciais, como o 32, o 51 e o 73, que nos ajudam a confessar nossos pecados e clamar pelo perdão de Deus e por seu auxílio. Vários salmos são ações de graças pela providência de Deus na história, como o 18, o 78 e o 136, ensinando-nos a fazer o mesmo com relação à história da Igreja e mesmo a nossa pessoal.

E, evidentemente, há inúmeros salmos que são verdadeiros louvores a Deus por tudo o que ele é e fez, e que conclamam toda a terra para adorá-lo. Precisamos começar nossas orações com adoração, e com esse forte senso de que toda a criação deve também adorá-lo. Isso nos leva às legítimas petições pela purificação da Igreja, resistência dos missionários, coragem dos pregadores, conversão das nações, destruição dos inimigos de Cristo, bem como pelo auxílio de Deus em nossa própria vida em todos esses sentidos. Há também muitos salmos imprecatórios, nos quais o salmista é afligido por inimigos e pede pela vingança de Deus sobre eles. É também legítimo orar nesse sentido, com a consciência de que o salmista não é motivado por ódio pessoal, e sim pela ira justa direcionada à rebelião dos ímpios contra a Lei de Deus. Tudo isso deve ser colocado no contexto do “buscar o reino de Deus”, e o leitor atento perceberá facilmente que todos os salmos são voltados ultimamente para esse fim.

Faltou ainda um salmo muito importante (assim como outros parecidos): o 82, no qual o salmista exorta os governantes da terra a se submeterem ao império de Deus. Isso está de acordo com o que Paulo manda em 1Timóteo 2, que oremos pelos reis, a fim de que a Igreja tenha paz. É muito importante lembrarmos de orar pelas autoridades civis da nossa cidade, nação e do mundo. Que eles governem segundo os preceitos de Deus, parem de se rebelar e ajam para proteger a Igreja.

3. O Pai Nosso

Por fim, temos a Oração Dominical, sobre a qual já fizemos um post inteiro. Essa oração possui seis petições, sendo as três primeiras a respeito exclusivamente de Deus, e as três seguintes em favor de nós mesmos. As petições sobre Deus expressam o desejo de que o nome de Deus seja adorado e reverenciado por toda a terra; que o reino de Deus cresça e imponha sua autoridade, derrotando o reino de Satanás; que a vontade imperiosa de Deus seja obedecida pelos homens assim como os anjos obedecem. As petições por nós clamam pelo sustento de Deus sobre nossas necessidades, seu perdão pelos nossos pecados e sua proteção para que não pequemos. Se alguém desejar se aprofundar no significado dessas petições, sugiro que leia o Catecismo Maior de Westminster. O estudioso deve perceber que essa oração é perfeitamente harmoniosa com os temas dos salmos. E é debaixo desses parâmetros que devemos orar. Especialmente a respeito das petições por nós, é necessário atentar-nos para o que essa oração manda, para que saibamos firmemente quais são as nossas maiores necessidades. Elas limitam petições egoístas e fúteis e nos ensinam sobre quem nós somos e do que precisamos diante de Deus.

E as nossas ansiedades?

Todos sabem que Paulo diz aos filipenses para que lancem sobre Deus as suas ansiedades. Com essas palavras, podemos nos juntar aos salmistas que sofrem perseguição e desilusão e orar pelo conforto de Deus e por sua intervenção. Porém, não devemos esquecer que esse texto é harmônico com o “não andeis ansiosos” do sermão do monte. Ansiedade é, de várias maneiras, pecado. Assim, quando estivermos ansiosos, devemos orar primeiramente para que Deus nos ajude a extirpar esse sentimento que, em sua base, é falta de fé (conf. Salmo 42). Isso se dá quando fazemos como os salmistas fazem: meditar nos atos de Deus e adorá-lo por quem ele é (salmo 103). Fica claro então que lançar as nossas ansiedades sobre Deus deve ter coerência com os parâmetros de oração do Pai Nosso e dos salmos; na verdade, é a única maneira de realmente recebermos conforto de nossas angústias. Se a sua oração tiver como principal a adoração, não há tribulação que você não possa suportar.

Além disso, o Pai Nosso e os salmos nos ensinam sobre quais coisas devemos ansiar: o reino de Deus, a nossa purificação e tudo o mais que já dissemos. Se lançarmos essas ansiedades sobre Deus, é certo que ele nos responderá, pois são anelos da vontade dele. Então, antes de se dirigir a Deus falando o que lhe vier à cabeça, pare e pense um pouco. Lembre-se de quem é Deus, a que Rei você está oferecendo súplicas, quem é você diante dele. Medite naquilo que é mais importante, naquilo que ele mesmo revelou na Palavra que deve ser motivo de oração e de desejo. Ninguém se dirige ao grande Rei e Juiz da maneira como parecer bem, nem escolhe os temas da comunicação a esmo. Que ele nos ajude a orarmos melhor, para que, através desse meio de graça inestimável, cresçamos espiritualmente e fiquemos mais parecidos com Jesus.


André Duarte

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