sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Crítica ao evangelismo contemporâneo:


            Olá, leitores. Quero agora abordar um assunto que muito tem prendido meus pensamentos. Tenho meditado durante toda a minha adolescência e até hoje sobre o problema do evangelismo que se faz hoje em dia. Nas igrejas que frequentei nesse tempo, uma das maiores ênfases que se tem dado é na ordem de evangelizar. Acho que eu ouvi mais pregações sobre esse assunto do que sobre o não usar drogas ou o não fazer sexo :P. Já ouvi pregações moderadas, mas também algumas bem extremistas e radicais, como que insinuando que, se eu não evangelizar cada pessoa que passa por mim, Deus vai me castigar e me colocar a culpa dos outros irem pro inferno. O vídeo tenebroso e herético do “a letter from hell” (encontrado no youtube) foi-me apresentado duas vezes. Entre tantos erros, o maior deles é insinuar que, se alguém que eu conheço vai pro inferno, a culpa é minha, e não dela.

            A maioria das pregações radicais nunca realmente me convenceu. Em primeiro lugar, ficava uma dúvida que ninguém nunca me respondeu, e que eu tive de buscar respostas sozinho: quem é Jesus? Ora, existem ordens e apelos imperativos por parte dos pregadores para que eu “fale de Jesus” pras pessoas. O problema é: como eu vou falar de um Jesus que eu mal conheço? Como vou pregar um evangelho que nem eu entendo direito?­ Infelizmente, a verdade é que o que se ensina sobre Jesus e sobre o evangelho em cultos, pelo menos na maioria das igrejas, é muito pouco para que o aprendiz saiba explicar a sua fé. O público hoje em dia é muito culto e conhece muitas “vãs filosofias”, e simplesmente falar de um Jesus pela metade e de um evangelho emotivo não convence quase ninguém, tampouco recitar um texto decorado em “12 passos”, “5 leis espirituais” ou coisa do tipo. Além disso, também quase nenhuma igreja ensina apologias relevantes para as questões do secularismo de hoje, de forma que, para a vergonha de Cristo, os mundanos mostram-se bem mais inteligentes do que os santos. A ordem do “ide e pregai o evangelho” foi dada a discípulos que ficaram durante três anos ouvindo ensinos do próprio Mestre, não a qualquer um a qualquer hora.

            Então eu me dei conta de que o evangelho apresentado hoje em dia tem sérias falhas justamente por dois motivos: um é esse, o do desconhecimento de Jesus até mesmo por parte dos crentes, e o outro é a supremacia da quantidade sobre a qualidade. Esse problema tem implicações tão profundas e numerosas que eu terei de apresentar melhor em outros posts. Basicamente, podemos dizer que o avivamento da passagem do século XX para o XXI, do qual um dos maiores pregadores foi Dwight Moody, acabou saindo de controle e produzido evangelistas que pregam de maneira totalmente contrária à de Jesus. Sabe a oração de confissão, um elemento tão sagrado que é quase impossível para as igrejas renovadas imaginar um evangelismo sem ela? Pois é, ela é uma novidade criada por Dwight Moody e mundialmente popularizada por Billy Graham. Ela pode até ter servido para os propósitos desses dois pregadores itinerantes, que falaram a dezenas de milhões de pessoas (sem contar pela TV, no caso de Billy Graham), mas ela é extremamente prejudicial e indutora a heresias e falsos convertidos. Em outros posts, vou explicar melhor os problemas dela e do apelo que a acompanha.

            Só pra não dizer que este post foi apenas uma introdução, quero comentar dois textos bíblicos que tornaram-se dos mais populares por causa do seu uso em evangelismo, e é um uso inadequado, ou, no melhor dos casos, impreciso. O uso errado é consequência da filosofia da oração de confissão: se uma pessoa fizer uma oração dizendo que aceita Jesus no coração e que entrega a sua vida a ele, está salva. Por extensão, se é dessa forma que as pessoas são salvas, é crucial que, no evangelismo, essa oração seja feita. E, para garantir isso, não é bom apresentar o lado difícil do evangelho – nada de inferno, juízo e santidade – mas apenas o lado bonitinho – amor e salvação – para que o ouvinte não se receie.

            O primeiro é o “Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir a minha voz, entrarei em sua casa e cearei com ele”. Esse texto tem sido apresentado como aquele que sanciona a oração de confissão: Jesus bate à porta do coração do descrente (um Jesus tão educado, nem parece aquele que virou as mesas dos feirantes do templo) e, se o descrente convidar Jesus para entrar em seu coração, então Jesus entrará e trará alegria ao seu coração. Em outro post, comentarei a terrível motivação do “trazer alegria” para que o descrente se converta.

            Bem, esse versículo está sendo usado totalmente fora de contexto, tanto textual quanto histórico. Vou ser curto e grosso: Jesus está falando à Igreja de Laodiceia, e não a descrentes. A porta à qual Jesus se refere não é a porta do coração (quando eu mostro que a palavra coração não aparece, muita gente faz aquela cara de “My whole life is a lie!”), mas sim a porta da casa na qual a Igreja estava reunida. Sim, igrejas antes de Constantino se reuniam todas em casas, com portas comuns. E o cear do qual Jesus falou não é uma metáfora para a alegria, e sim a ceia mesmo, que a Igreja fazia sempre e que era muito mais importante nessa época do que a ceia simbólica que se faz hoje nas igrejas protestantes. Não há nada de misterioso e metafórico nesse texto. Jesus estava corrigindo a Igreja de Laodiceia, que havia se tornado extremamente mecânica e sem espiritualidade. Ela realizava as reuniões (sempre com a refeição da ceia) com espírito de soberba, com ostentação de bens e mente mundana, dispensando totalmente a presença de Jesus, sendo que a ceia deveria ser feita “em memória de mim” e “anunciando a morte do Senhor até que ele venha”. A interpretação do texto é essa. Nada de fazer uma oração convidando pra Jesus entrar no coração para então ficar alegre pelo resto da vida.

            O outro texto é o “Venham a mim os cansados e de espírito quebrantado, pois sou manso e humilde de coração; o meu jugo é suave e o meu fardo é leve”. O erro não é tão técnico, mas é mais profundo. Muitas vezes eu já vi o uso desse texto para fazer apelos à conversão. Bem, em primeiro lugar, esse é apenas um dos muitos textos em que Jesus chama seguidores, e é provavelmente o único em que ele é “bonzinho” assim. Em todos os outros, Jesus faz advertências sérias, e eles não podem ser ignorados por evangelistas. Em segundo lugar, é necessário identificar quem é o tal cansado e de coração contrito. Os evangelistas identificam com essa definição  as pessoas tristes e coitadinhas, que sentem um vazio no coração (“do tamanho de Jesus”) e que não aguentam as dores da crueldade da vida. Elas precisam então aceitar Jesus para serem felizes e autorrealizadas. Só que a definição de Jesus não é essa. Quando ele diz no sermão “do monte” “Felizes os pobres de espírito, pois deles é o Reino do céus”, ele se refere aos humildes. Durante o ministério de Jesus, as pessoas que geralmente se arrependiam e o seguiam eram prostitutas, cobradores de impostos e bêbados. Mas esses seguidores só seguiam Jesus após se arrependerem e reconhecerem quão pecadores são, e quão dependentes do Messias eles são. Zaqueu foi um que devolveu o quádruplo do que roubou. Aquele que é “justificado diante de Deus” é o que ora “Senhor, tenha misericórdia de mim, pois sou pecador”. O evangelho de Lucas está cheio de exemplos. O ponto é que ninguém deve seguir Jesus sem reconhecer a maldade própria, sem se humilhar. Os evangelistas estão esquecendo disso. Eles fazem o ouvinte pensar que eles já são humildes o suficiente por acharem que o problema está na vida dura e que eles precisam de Jesus para serem felizes. Mas, se o ouvinte não identificar que o problema está nele mesmo, que ele é o pecador, ofensor e filho da ira, ele não é aceitável como seguidor de Jesus.

            Vou encerrar o post dizendo o seguinte: ninguém deve evangelizar por medo do castigo, nem para entender-se como justo, nem por obediência à autoridade do pastor. Um fato que passa despercebido é que a ordem de evangelizar foi dada aos apóstolos de Cristo e a todos aqueles a quem o Espírito concedeu o dom de evangelizar (como Paulo). As epístolas são riquíssimas em exortações e mandamentos, mas eu desafio você a encontrar em qualquer delas uma ordem aos membros da Igreja para que eles saiam evangelizando (1Pedro fala sobre a defesa da fé diante dos governantes malvados que interrogam, então não vale). Eles são chamados a mostrar quem são pelo seu bom testemunho. E eles evangelizavam não para cumprir algum mandamento, mas porque o amor ao evangelho transbordava do coração deles sem que eles pudessem contê-lo. E isso nunca vai acontecer em quem não conhecer profundamente a riqueza do evangelho. A Igreja falha, portanto, em ensinar adequadamente o evangelho aos crentes e ao ordenar que eles preguem o evangelho que mal conhecem e que, portanto, não está arraigado fundo no seu coração.

André Duarte

3 comentários:

  1. Bela crítica. É a igreja arrancando palavras rasas da boca de incrédulos por colocar outras tão rasas quanto na boca de Cristo.

    ResponderExcluir
  2. Boa explanação, gostei. Um grande abraço!!!

    ResponderExcluir