Olá,
leitores. Quero agora abordar um assunto que muito tem prendido meus
pensamentos. Tenho meditado durante toda a minha adolescência e até hoje sobre
o problema do evangelismo que se faz hoje em dia. Nas igrejas que frequentei
nesse tempo, uma das maiores ênfases que se tem dado é na ordem de evangelizar.
Acho que eu ouvi mais pregações sobre esse assunto do que sobre o não usar
drogas ou o não fazer sexo :P. Já ouvi pregações moderadas, mas também algumas
bem extremistas e radicais, como que insinuando que, se eu não evangelizar cada
pessoa que passa por mim, Deus vai me castigar e me colocar a culpa dos outros
irem pro inferno. O vídeo tenebroso e herético do “a letter from hell”
(encontrado no youtube) foi-me apresentado duas vezes. Entre tantos erros, o
maior deles é insinuar que, se alguém que eu conheço vai pro inferno, a culpa é
minha, e não dela.
A maioria
das pregações radicais nunca realmente me convenceu. Em primeiro lugar, ficava
uma dúvida que ninguém nunca me respondeu, e que eu tive de buscar respostas
sozinho: quem é Jesus? Ora, existem ordens e apelos imperativos por parte dos
pregadores para que eu “fale de Jesus” pras pessoas. O problema é: como eu vou
falar de um Jesus que eu mal conheço? Como vou pregar um evangelho que nem eu
entendo direito? Infelizmente, a verdade é que o que se ensina sobre Jesus e
sobre o evangelho em cultos, pelo menos na maioria das igrejas, é muito pouco
para que o aprendiz saiba explicar a sua fé. O público hoje em dia é muito
culto e conhece muitas “vãs filosofias”, e simplesmente falar de um Jesus pela
metade e de um evangelho emotivo não convence quase ninguém, tampouco recitar
um texto decorado em “12 passos”, “5 leis espirituais” ou coisa do tipo. Além
disso, também quase nenhuma igreja ensina apologias relevantes para as questões
do secularismo de hoje, de forma que, para a vergonha de Cristo, os mundanos
mostram-se bem mais inteligentes do que os santos. A ordem do “ide e pregai o
evangelho” foi dada a discípulos que ficaram durante três anos ouvindo ensinos
do próprio Mestre, não a qualquer um a qualquer hora.
Então eu me
dei conta de que o evangelho apresentado hoje em dia tem sérias falhas
justamente por dois motivos: um é esse, o do desconhecimento de Jesus até mesmo
por parte dos crentes, e o outro é a supremacia da quantidade sobre a
qualidade. Esse problema tem implicações tão profundas e numerosas que eu terei
de apresentar melhor em outros posts. Basicamente, podemos dizer que o
avivamento da passagem do século XX para o XXI, do qual um dos maiores
pregadores foi Dwight Moody, acabou saindo de controle e produzido evangelistas
que pregam de maneira totalmente contrária à de Jesus. Sabe a oração de
confissão, um elemento tão sagrado que é quase impossível para as igrejas
renovadas imaginar um evangelismo sem ela? Pois é, ela é uma novidade criada
por Dwight Moody e mundialmente popularizada por Billy Graham. Ela pode até ter
servido para os propósitos desses dois pregadores itinerantes, que falaram a
dezenas de milhões de pessoas (sem contar pela TV, no caso de Billy Graham),
mas ela é extremamente prejudicial e indutora a heresias e falsos convertidos.
Em outros posts, vou explicar melhor os problemas dela e do apelo que a
acompanha.
Só pra não
dizer que este post foi apenas uma introdução, quero comentar dois textos
bíblicos que tornaram-se dos mais populares por causa do seu uso em
evangelismo, e é um uso inadequado, ou, no melhor dos casos, impreciso. O uso
errado é consequência da filosofia da oração de confissão: se uma pessoa fizer
uma oração dizendo que aceita Jesus no coração e que entrega a sua vida a ele,
está salva. Por extensão, se é dessa forma que as pessoas são salvas, é crucial
que, no evangelismo, essa oração seja feita. E, para garantir isso, não é bom
apresentar o lado difícil do evangelho – nada de inferno, juízo e santidade –
mas apenas o lado bonitinho – amor e salvação – para que o ouvinte não se
receie.
O primeiro
é o “Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir a minha voz, entrarei em sua
casa e cearei com ele”. Esse texto tem sido apresentado como aquele que
sanciona a oração de confissão: Jesus bate à porta do coração do descrente (um
Jesus tão educado, nem parece aquele que virou as mesas dos feirantes do
templo) e, se o descrente convidar Jesus para entrar em seu coração, então
Jesus entrará e trará alegria ao seu coração. Em outro post, comentarei a terrível
motivação do “trazer alegria” para que o descrente se converta.
Bem, esse
versículo está sendo usado totalmente fora de contexto, tanto textual quanto
histórico. Vou ser curto e grosso: Jesus está falando à Igreja de Laodiceia, e
não a descrentes. A porta à qual Jesus se refere não é a porta do coração
(quando eu mostro que a palavra coração não aparece, muita gente faz aquela
cara de “My whole life is a lie!”), mas sim a porta da casa na qual a Igreja
estava reunida. Sim, igrejas antes de Constantino se reuniam todas em casas,
com portas comuns. E o cear do qual Jesus falou não é uma metáfora para a
alegria, e sim a ceia mesmo, que a Igreja fazia sempre e que era muito mais
importante nessa época do que a ceia simbólica que se faz hoje nas igrejas protestantes.
Não há nada de misterioso e metafórico nesse texto. Jesus estava corrigindo a
Igreja de Laodiceia, que havia se tornado extremamente mecânica e sem
espiritualidade. Ela realizava as reuniões (sempre com a refeição da ceia) com
espírito de soberba, com ostentação de bens e mente mundana, dispensando
totalmente a presença de Jesus, sendo que a ceia deveria ser feita “em memória
de mim” e “anunciando a morte do Senhor até que ele venha”. A interpretação do
texto é essa. Nada de fazer uma oração convidando pra Jesus entrar no coração
para então ficar alegre pelo resto da vida.
O outro
texto é o “Venham a mim os cansados e de espírito quebrantado, pois sou manso e
humilde de coração; o meu jugo é suave e o meu fardo é leve”. O erro não é tão
técnico, mas é mais profundo. Muitas vezes eu já vi o uso desse texto para
fazer apelos à conversão. Bem, em primeiro lugar, esse é apenas um dos muitos
textos em que Jesus chama seguidores, e é provavelmente o único em que ele é
“bonzinho” assim. Em todos os outros, Jesus faz advertências sérias, e eles não
podem ser ignorados por evangelistas. Em segundo lugar, é necessário
identificar quem é o tal cansado e de coração contrito. Os evangelistas
identificam com essa definição as
pessoas tristes e coitadinhas, que sentem um vazio no coração (“do tamanho de
Jesus”) e que não aguentam as dores da crueldade da vida. Elas precisam então
aceitar Jesus para serem felizes e autorrealizadas. Só que a definição de Jesus
não é essa. Quando ele diz no sermão “do monte” “Felizes os pobres de espírito,
pois deles é o Reino do céus”, ele se refere aos humildes. Durante o ministério
de Jesus, as pessoas que geralmente se arrependiam e o seguiam eram
prostitutas, cobradores de impostos e bêbados. Mas esses seguidores só seguiam
Jesus após se arrependerem e reconhecerem quão pecadores são, e quão
dependentes do Messias eles são. Zaqueu foi um que devolveu o quádruplo do que
roubou. Aquele que é “justificado diante de Deus” é o que ora “Senhor, tenha
misericórdia de mim, pois sou pecador”. O evangelho de Lucas está cheio de
exemplos. O ponto é que ninguém deve seguir Jesus sem reconhecer a maldade
própria, sem se humilhar. Os evangelistas estão esquecendo disso. Eles fazem o
ouvinte pensar que eles já são humildes o suficiente por acharem que o problema
está na vida dura e que eles precisam de Jesus para serem felizes. Mas, se o
ouvinte não identificar que o problema está nele mesmo, que ele é o pecador,
ofensor e filho da ira, ele não é aceitável como seguidor de Jesus.
Vou
encerrar o post dizendo o seguinte: ninguém deve evangelizar por medo do
castigo, nem para entender-se como justo, nem por obediência à autoridade do
pastor. Um fato que passa despercebido é que a ordem de evangelizar foi dada
aos apóstolos de Cristo e a todos aqueles a quem o Espírito concedeu o dom de
evangelizar (como Paulo). As epístolas são riquíssimas em exortações e
mandamentos, mas eu desafio você a encontrar em qualquer delas
uma ordem aos membros da Igreja para que eles saiam evangelizando (1Pedro fala
sobre a defesa da fé diante dos governantes malvados que interrogam, então não
vale). Eles são chamados a mostrar quem são pelo seu bom testemunho. E eles
evangelizavam não para cumprir algum mandamento, mas porque o amor ao evangelho
transbordava do coração deles sem que eles pudessem contê-lo. E isso nunca vai
acontecer em quem não conhecer profundamente a riqueza do evangelho. A Igreja
falha, portanto, em ensinar adequadamente o evangelho aos crentes e ao ordenar
que eles preguem o evangelho que mal conhecem e que, portanto, não está
arraigado fundo no seu coração.
André Duarte
Bela crítica. É a igreja arrancando palavras rasas da boca de incrédulos por colocar outras tão rasas quanto na boca de Cristo.
ResponderExcluirCurti
ResponderExcluirBoa explanação, gostei. Um grande abraço!!!
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