segunda-feira, 24 de setembro de 2012
E o dízimo foi dizimado com a Lei...
Resolvi interromper minha série de hinos cristológicos com um post crítico, pra minha série ficar mais dinâmica. Afinal, se seguimos a Verdade encarnada, é necessário tanto expor a verdade como rechaçar a mentira.
Vamos dar uma olhada mais de perto na falsa doutrina do dízimo. Bem, dizem que esse é um assunto polêmico, mas eu o acho super fácil de resolver. :P Só é polêmico aquilo que não é claro e explícito na Bíblia, como calvinismo (sshh, fui predestinado a dizer isso, não questionem) ou escatologia, mas dízimo é bem simples.
Uma das maneiras mais fáceis de crer em heresias é ler um termo na Bíblia e interpretá-lo com o seu significado atual. É o que ocorre, por exemplo, com “pastor”, “igreja”, “diácono” e, certamente, “dízimo”. O dízimo é bíblico? Sim. Porém, ser bíblico não é o suficiente para ser regra. Sodoma e Gomorra também são bíblicas. :P E, mesmo sendo bíblico e não regra, poucos conhecem o que é o dízimo bíblico.
Em primeiro lugar, dízimo é ordenança da Lei mosaica. O dízimo que Abraão deu foi nada mais do que a décima parte dos despojos da guerra que havia travado, e o de Jacó foi sua escolha pessoal. Dízimo, como regra, veio com Moisés. Estranho como que todas as leis cerimoniais de Moisés passaram com Cristo, mas só a do dízimo ainda é obrigatória... aliás, a lei do dízimo é impossível de permanecer, porque ela só faz sentido na organização da sociedade israelita. Vamos às características: em primeiro lugar, quantos dízimos existem? Não um, mas sim três. Existem os 10% da produção anual da terra (porque a terra dá o seu fruto por estação, e não por mês :P), mais 10% para a ocasião das festas religiosas obrigatórias no tabernáculo – Páscoa, Pentecostes e Cabanas – e mais 10% da produção a cada três anos para oferta a órfãos, viúvas e levitas. Alguém hoje dá esse último dízimo? Se alguém gosta do famoso Malaquias 3:10, esse último dízimo está incluso no “traga todo o dízimo”, mas ninguém lembra... Assim, temos um resultante de 23,3% ao ano, em vez dos tradicionais 10%.
Próxima questão: em que consistia o dízimo? Comida, não dinheiro. O dízimo das festas até podia ser trocado por dinheiro se a casa do homem fosse muito longe do local de culto, mas, chegando no destino, era necessário trocar o dinheiro novamente pelos alimentos. Faz diferença? Claro! Dízimo em alimento dá a ideia do sustento básico para a sobrevivência dos levitas e pobres; se fosse dado em dinheiro, haveria um enriquecimento injustificável e desproporcional contrário à vontade de Deus. A última questão já foi respondida: a quem eram destinados os dízimos? Levitas, órfãos, viúvas, enfim, os pobres, para que não morram de fome. Levitas não tinham herança entre o povo e precisavam das ofertas para sobreviver. Se você acha que os pastores modernos são equiparáveis aos levitas e sacerdotes (como eu já achei um dia), deveria parar de se achar protestante, pois rejeitou a doutrina canônica do sacerdócio de todos os santos. Além disso, usa uma equiparação moderna errada para justificar outra.
A famosa advertência de Malaquias não é, de forma alguma, mandamento nem promessa para cristãos. O profeta tem em vista, obviamente, o dízimo da Lei. Se você ler o texto inteiro em vez de isolar versículos, verá que a principal preocupação de Deus é a ajuda aos pobres. E, lendo o profeta inteiro, o seu tema recorrente é a crítica à religião sem espírito. Ironicamente, o extrato da ordem do dízimo do profeta e a transposição para a doutrina do dízimo em quase todas as igrejas evangélicas tornou o dízimo um fim em si mesmo (ou investimento para um retorno futuro, quem sabe) e, consequentemente, a tal religião sem espírito que Malaquias condena em suas exortações. Ah, outro detalhe: o devorador que Deus diz repreender em sua promessa é literalmente o gafanhoto que ele enviava contra a colheita dos ímpios – veja o profeta Joel, por exemplo -, e não algum demônio traçador de cédulas. O que você pode aprender com Malaquias nesse texto do dízimo é que Deus quer que os seus fieis não esqueçam dos pobres. (Imagine se você deixasse de pagar seus impostos. Isso seria considerado roubo pelo governo. Essa sim é uma comparação adequada.)
“Mas Jesus fala pra dar o dízimo também!” Sim, ele diz aos fariseus, judeus guardadores da Lei e inseridos na sociedade israelita que dá sentido ao dízimo que tanto deem o dízimo como pratiquem os princípios fundamentais da Lei. Essa ordem não é pra cristãos darem dízimo em igreja só porque aparece no Novo Testamento. E, tirando essa ordem de Jesus, o dízimo desaparece do Novo Testamento.
De onde vem, então, esse dízimo que é 10% de um salário mensal dado em dinheiro à instituição eclesiástica? Vem de um decreto de Carlos Magno no século VIII. A primeira menção do dízimo como obrigatório para sustentar o clero foi feita por Cipriano (200-258), mas praticamente ninguém o apoiou. Antes disso, o dízimo eclesiástico nem passava pela cabeça dos cristãos.
Vamos agora às falácias: dizem que você não está “dando” o dízimo, mas “devolvendo” o dízimo que Deus te deu. Esse argumento não é bíblico, pois as Escrituras sempre usam os verbos “dar” ou “entregar”, nunca “devolver”. Além disso, não passa de um jogo de palavras que em nada altera a prática, o sentimento de obrigatoriedade e a intenção, mas somente apazigua a ideia indesejável de estar sendo extorquido por Deus.
Outra falácia, que também só serve como apaziguadora de ânimos, é que “Deus te deu tudo isso, e ele só pede 10% de volta”. Bitch, please! Deus é o dono de 100%! “Quem primeiro me deu para que eu o retribua? Tudo o que está debaixo da terra me pertence”, ele disse a Jó. Nunca é 90% pra você e 10% pra Deus, e sim 100% é dele e deve ser usado de acordo com a vontade Dele.
Acho que a mais absurda que eu já ouvi, e mais de uma vez, é “Bem, não importa que o dízimo seja usado para fins errados pelos administradores. A minha parte é dar o dízimo, a parte de quem vai usá-lo é problema dele com Deus”. Tal pessoa acabou de colocar um adesivo na testa escrito “Sou legalista”. Ela cumpre uma lei que, além de inventada por homens, é um fim em si mesma, independentemente das consequências.
Qual é, então, o mandamento cristão? É o de 2Coríntios 8 e 9: “Dê cada um conforme sua capacidade, conforme propôs em seu coração, pois Deus ama quem dá com alegria”. Quando Paulo pede que os coríntios deem ofertas para os irmãos em Jerusalém, ele nem mesmo configura esse pedido como mandamento, mas explica-o conforme o evangelho, para que ele seja seguido com o espírito de Cristo. Jesus, sendo infinitamente rico no céu, tornou-se pobre para que nós pudéssemos ser espiritualmente ricos. Com base no exemplo do Mestre é dada a exortação das ofertas.
Então, é errado dar o dízimo? Depende. Se você propôs em seu coração, voluntariamente, ofertar a quantia de 10%, beleza. Pra Deus, tanto faz se é 1%, 10% ou 100%. (E não, 10% não é o mínimo, como querem alguns legalistas não assumidos.) O importante é que você esteja contribuindo aos pobres e ajudando na expansão do reino. Importa também a condição do seu espírito no ato. Jamais você deve pensar em dar dízimo para ganhar alguma coisa de volta. Não é necessário ir aos exageros gritantes da teologia da prosperidade: se você acha que vai ter estabilidade financeira ou de emprego por dar o dízimo, isso é mentira. Deus retribuirá se ele quiser e como ele quiser. É imprescindível o espírito exclusivamente altruísta ao ofertar. E que o objetivo também seja correto. Ora, entre ofertar pra Igreja comprar um adorno novo ou ofertar para o sustento de um missionário, a prioridade divina é óbvia.
Não é errado ter tradições. O errado é equiparar tradições a mandamentos divinos. Dar dízimo não é mandamento nem promessa para cristãos, não é teste de fidelidade nossa e muito menos da de Deus. O mandamento é: ame o seu próximo. O resto se deduz.
André Duarte
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