Assim como
fiz com o hino cristológico de Colossenses, coloco aqui na íntegra um pedaço do
meu comentário sobre os salmos (o qual vai demorar um tempão pra ficar pronto,
mas tudo bem):
“O primeiro salmo, colocado aqui
como uma introdução ao saltério, descreve sucintamente o contraste entre o
justo e o ímpio. Esse contraste é constante nos salmos, nos provérbios e em
escritos poéticos dos profetas. Não há meio termo; toda a humanidade se encaixa
na categoria de justo ou de ímpio. No Antigo Testamento, ainda não era
conhecida claramente a revelação de justificação pela fé; no entanto, os
salmistas inspirados por Deus conheciam pelo Espírito a graça de Deus e o
conceito de fé ou confiança no Senhor como o fundamento da retidão. Mas, como o
grande profeta Jesus ainda não havia proclamado o evangelho, os salmistas
enfatizam os resultados e as características de um justo ou de um ímpio, sem
explicar muito a base da fé em
Deus. Posto isso, não precisamos ter a impressão de que os
salmistas acreditavam em justificação por obras.
O salmista
chama o homem descrito nas linhas seguintes de bem-aventurado. É uma expressão
abrangente que inclui felicidade interna, garantia do favor de Deus e sucesso
naquilo que empreende. Esse é o constante elogio bíblico à pessoa que faz a
vontade de Deus. O homem é bem-aventurado porque Deus graciosamente melhora as
circunstâncias para o bem dele à medida que melhora o coração dele para aceitar
as circunstâncias nas quais o ímpio não teria satisfação.
Que
características omitivas estão no bem-aventurado? Ele não anda no conselho dos
ímpios, isto é, não rege sua vida segundo as opiniões dos maus, consciente de
que a sabedoria mundana é contrária à de Deus. O conselho dos ímpios é voltado
à ganância, ao egocentrismo e é afastado das leis de Deus; por isso, o
bem-aventurado não os ouve. Além disso, ele não para no caminho dos pecadores.
O caminho dos pecadores é descrito diversas vezes como cheio de espinhos e com
seu fim na ruína e na morte. E é um caminho aparentemente largo e fácil, como o
Senhor disse. O bem-aventurado não cruza esse caminho e nem mesmo fica inerte
nele, esperando que o pecador andarilho o encontre ou esforçando-se para ter
coragem de seguir nele. Dito de outra forma, o bem-aventurado nem flerta com a
possibilidade de pecar. Também ele não se assenta na roda dos zombadores. A
poesia descreve as ações do bem-aventurado na progressão andar-parar-sentar.
Após ser seduzido pelo conselho do ímpio e escolher permanecer no caminho do
pecador, o último resultado da rebelião é se assentar para confraternizar com
outros que fizeram a mesma escolha. O bem-aventurado não cai no assentar-se,
mesmo porque ele já evitou o parar e o andar. Os ímpios, escravos do pecado, constantemente
se juntam para rir e zombar daquilo que Deus preza; zombam de suas leis, de
seus fiéis e alegram-se com a desgraça dos inocentes. Longe disso está o
bem-aventurado, pois o destino dos praticantes dessas coisas é a total
desgraça.
E quais são
as características comitivas do bem-aventurado? Ele tem prazer em meditar na
lei do Senhor. A satisfação e a alegria do justo é se maravilhar com a
profundidade da sabedoria e do poder de Deus. Ele lê as Escrituras, medita em
suas verdades e as pratica, e essa é a sua vida rotineira. Ele ama obedecer a
Deus e ler e estudar repetidamente a vontade de Deus revelada (visto que os
judeus não meditam apenas pensando, mas lendo várias vezes em voz alta). Mas é
importante notar que é impossível para alguém ter prazer na lei de Deus se não
tiver sido convertido ao evangelho da graça. Pois a lei está o tempo todo
condenando o leitor. Só tem prazer na lei do Senhor quem encontrar a paz na sua
graça e receber a alegria de ter seus pecados perdoados. Quem acredita em justificação
por obras não sente alegria em obedecer a Deus, mas apenas uma obrigação pesada
e mecânica.
Qual é a
recompensa desse justo? Assim como árvore plantada junto ao ribeiro, ele tem um
fundamento firme. Ele é constantemente suprido pela provisão graciosa de Deus
para o seu amadurecimento. E nessa provisão ele confia, de forma que não se
abala quando chega o dia mau. Como diria Jesus, ele construiu sua casa sobre a
rocha. O justo pode tropeçar, mas o Senhor o levanta. Assim, o justo está
seguro e bem cuidado pelo Altíssimo. Sua nutrição pelo ribeiro lhe rende a
frutificação no tempo certo. O acompanhamento zeloso do Senhor pelo justo lhe
proporciona resultados concretos de suas ações. O justo dá os bons frutos de
sua justiça, tanto no caráter como na conquista de seus objetivos. E tais
objetivos são, ao mesmo tempo, modelados por Deus para que se adequem à sua
vontade maravilhosa, o que, para o justo, é exatamente o que significa sucesso.
A alegria do justo está na vontade de Deus, de forma que o sucesso do justo
corresponde ao desejo do Senhor. Em outras palavras, o justo prospera no que
faz. Seus empreendimentos dão resultados altamente satisfatórios e
transbordantes de bênçãos.
O ímpio é
descrito nas características omissivas do justo. Isto é, ele é cheio de
sabedoria carnal, caminha na estrada do pecado e zomba daqueles que fazem a
outra escolha. O castigo do ímpio é ser levado como a palha. Ele não tem
fundamento algum, mas é perdido nas circunstâncias e é abatido pelas
dificuldades que o seu próprio caminho lhe trouxe. Muito facilmente é derrotado
pelas consequências de seus atos tolos. Por isso, o ímpio é vencido pelo justo.
Não há esperança para o perverso quando o íntegro se coloca contra ele. A
figura do tribunal é uma boa metáfora para a vida. Deus está do lado da justiça
e da retidão, e ele sustentará a posição dos justos enquanto provoca a queda
dos maus. O conflito entre o bem e o mal é seguido pela vitória do bem.
Resumidamente,
o motivo da vitória dos justos é que eles são observados, cuidados e aprovados
pelo Senhor, o Eu Sou que com eles fez uma aliança; do outro lado, os perversos
estão abandonados e solitários para seguirem o caminho da destruição. Sem a
dispensação do favor de Deus, o homem sozinho fatalmente se matará. Viver sem Deus
é condenar-se ao suicídio.”
André Duarte
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