Após o nascimento de Jesus,
seguindo pelo relato de Lucas, sua família realiza fielmente as prescrições da
Lei de Moisés para o nascimento de um menino. Esse relato demonstra a
humanidade do Senhor, sendo submetido aos costumes que estavam impostos aos
homens para com eles se identificar. Deus se tornou não apenas um homem, mas um
homem cumpridor da Lei que ele mesmo tinha criado. Veremos que Jesus veio como
servo da Lei para sobrepujá-la.
No oitavo
dia, Jesus foi circuncidado. Esse fato é o início do cumprimento das profecias
sobre o Messias judeu. A circuncisão era o sinal da aliança de Deus desde
Abraão, como diz Gênesis 15. A promessa de Deus foi passada através de Isaque e
Israel, e era necessário ser circuncidado para pertencer ao povo israelita,
para herdar a promessa. Mesmo os estrangeiros que quisessem se converter à fé
israelita precisavam passar pela circuncisão. Visto que o Messias deveria ser um
rei judeu, também ele deveria se submeter ao ritual. Seus pais, fiéis a Deus,
não negligenciaram essa lei. Posteriormente, após cumprir sua missão, Jesus
iria revolucionar a Lei, provendo uma circuncisão superior, a regeneração
efetuada pelo Espírito nos corações. A presença do Espírito Santo passaria a
ser o novo sinal de pertencimento ao povo de Deus.
Em seguida,
José e Maria apresentam-se no templo para cumprir o ritual de purificação do
parto e para realizar o resgate do primogênito. Lucas cita as passagens da Lei
que determinam essa regra. Em Êxodo 13, Deus ordena aos israelitas que resgatem
todo primogênito. Posteriormente, Deus explica melhor o porquê dessa regra
(Números 3:40-51). A ideia é que todos os primogênitos pertencem a Deus;
entretanto, ele escolheu os levitas para o serviço sagrado em lugar daqueles.
Por isso, o primogênito precisa ser resgatado, isto é, ele precisa pagar para
que o levita atue no templo (ou tabernáculo) em seu lugar. É notável que o
grande resgatador da humanidade precisou ser resgatado primeiro para poder
realizar a sua jornada. Temos aqui mais um exemplo de como Jesus se submeteu à
Lei, como um homem, para que fosse perfeitamente justo no cabe aos homens, a
fim de imputar a nós a sua justiça. Além disso, podemos meditar no fato de que
o resgatado efetuou o resgate: fomos redimidos do poder do pecado para sermos
“levitas”, dedicados a Deus inteiramente. Cristo faz o caminho inverso da Lei e
nos provê uma bênção superior, possível apenas devido ao seu poder divino.
Em Levítico
12, Deus ordena que as mulheres, ao darem à luz um homem, aguardem 40 dias para
irem ao templo oferecer um sacrifício pelo pecado. A modalidade “sacrifício
pelo pecado” servia como um memorial da pecaminosidade humana diante de Deus;
não se refere necessariamente a um pecado específico por causa do parto. Lucas
diz que José e Maria ofereceram “duas rolinhas ou dois pombinhos”, que era a
oferta permitida para quem não tivesse recursos. É uma das evidências de que os
pais de Cristo eram realmente pobres (pelo menos nessa parte da vida). Jesus
também foi uma oferta pelo pecado na cruz, apaziguando para sempre a ira de
Deus contra o pecado de todos os que nele creem. A oferta dos judeus, como a
que Maria ofereceu, era apenas uma sombra; o sacrifício do Senhor é perfeito e
eternamente eficaz. Mal sabiam José e Maria que estavam encenando toda a obra
do seu filho naquele momento.
Jesus já
tinha mais de um mês de idade, mas a sua vinda ainda era novidade para muitos.
Um homem chamado Simeão recebeu uma revelação de Deus de que ele veria o
salvador antes de morrer. E foi compelido pelo Espírito a ir ao templo
encontrar-se com José e Maria. Lá, ele reconheceu o Messias. Segurou Jesus no
colo e prestou louvor a Deus, dizendo “agora, podes despedir o teu servo em
paz, pois os meus olhos já viram a tua salvação”. Essa é a reação de um
verdadeiro convertido: compreender que, uma vez tendo sido salvo por Cristo,
nada mais importa; a morte é a passagem para a vida eterna, e o temor é
dissipado. Simeão também demonstra ser um bom entendedor do Antigo Testamento,
pois chama Jesus de “luz para os gentios”. Era excepcional que um judeu
compreendesse esse papel do Messias; na época, os judeus quase ignoravam esse
fato, pois detestavam os gentios. Simeão compreendeu, à luz de Isaías 42:6 e
49:6, que a profecia estava realizada naquele bebê. Jesus seria o Messias não
só de Israel, mas de todo o mundo – como diz Paulo em Romanos 1:5, “para
converter todas as nações à obediência que vem pela fé”. Voltando a Abraão,
Jesus cumpriu o propósito do pacto de Deus com o patriarca: ser uma bênção para
todos os povos da terra (Gênesis 12:3).
Em seguida,
Simeão dá algumas profecias a Maria. Ele diz que Jesus seria um sinal de
contradição, causando a queda de muitos e o soerguimento de outros e revelando
o que há de oculto nos corações. De fato, Jesus inverteu todo tipo de paradigma
humano e expectativa carnal. Ele expôs a hipocrisia dos rabinos, compadeceu-se
de pecadores, humilhou os orgulhosos, amou os incircuncisos, proclamou-se Senhor
do sábado e perdoador de pecados. E ainda zombou da morte ao levantar-se do
sepulcro. Ele trouxe a espada, colocando homens uns contra os outros, dividindo
a humanidade entre seus seguidores e seus inimigos – sendo ainda o Príncipe da
Paz. Não há palavras para explicar como Jesus é indescritível e eternamente
surpreendente. Quem nele crê é iluminado para compreendê-lo, mas quem não crê
não entende nada, é encoberto pelas trevas da confusão. Por fim, Simeão diz que
uma espada atravessaria o coração de Maria, certamente devido à crucificação do
singelo bebê que ela dera à luz.
Além de
Simeão, Lucas menciona outra mulher, uma profetiza chamada Ana, dita da tribo
de Aser. Essa menção da tribo é importante porque, na época, os israelitas que
não eram da tribo de Judá estavam dispersos. Seria possível apontar, no máximo,
os samaritanos, que eram israelitas mestiços. Era quase impossível identificar
alguém como de uma ou outra tribo de Israel. Mas Ana, sendo da tribo de Aser,
era devota a Deus, louvando e jejuando continuamente no templo. Era uma mulher
bem idosa, de 84 anos, e viúva. E ela reconheceu Jesus também, e deu graças a
Deus pelo Salvador. Em outras palavras, uma mulher da tribo de Aser creu no
Messias. Nesse relato, então, vemos que Jesus é salvador de judeus, gentios e
israelitas. A menção de Ana é a “cereja do bolo”, o ponto que faltava para que
Jesus fosse compreendido, neste texto, como o salvador de toda a humanidade,
sem distinção étnica.
Toda essa
história situa-se no templo. Já foi dito, ao longo do post, sobre como Jesus
cumpriu a Lei, como um humano comum. O eterno e divino Filho de Deus limitou-se
à forma humana e se submeteu às regras impostas aos homens. Ele fez isso para
que, pela sua fidelidade infalível, pudesse cobrir os nossos pecados e nos
apresentar inocentes diante de Deus. Entretanto, ele foi reconhecido como muito
mais que um homem comum: ele era o libertador prometido, o salvador de todo o
mundo. Jesus provê a circuncisão superior, a oferta sacrificial verdadeira, a
purificação perfeita, a conversão global. Ainda há um aspecto da religião dada
aos homens que Jesus revolucionou a ser comentada: o templo.
Depois,
quando adulto, Jesus disse que, se o templo fosse destruído, ele poderia
levantá-lo em três dias. E disse que esse seria um sinal de sua autoridade,
quando questionado pelos judeus. Mas João explica que Jesus referia-se ao seu
corpo, não ao templo literal (João 2:18-22). Ora, foi no templo judaico que
Jesus foi apresentado para cumprir a Lei. Pois tudo o que diz respeito ao culto
a Deus deveria acontecer no templo, o local onde a presença de Deus estaria
representada. Jesus é, como o meio de culto a Deus, o supremo templo. Como ele
diz em João 4, não importa mais o lugar de adoração, e sim que se adore em
espírito e em verdade. Jesus tornou-se o novo templo, a pessoa a quem podemos
nos achegar para termos acesso a Deus para adorá-lo de forma aceitável. A
intermediação do templo era uma prefiguração da intermediação do Senhor Jesus.
Lembremo-nos também de que a Igreja, por ser o corpo de
Cristo, também é identificada como o templo, no sentido de ser o organismo onde
o Espírito habita. Jesus e a Igreja são um.
Jesus é o
supremo templo, infinitamente superior ao primeiro, porque ele quebrou as
limitações de culto. Em Hebreus 9, somos lembrados de que, no templo judaico,
há um véu que nos separa do acesso a Deus no Lugar Santíssimo. Jesus Cristo
rasgou o véu do templo judaico enquanto o seu próprio corpo era rasgado na
cruz. Fez isso para que todo o seu povo não mais precisasse viver afastado de
Deus, mas pudesse entrar na plenitude da adoração. O templo físico inspirava um
culto ainda com uma barreira para ser rompida, pois o acesso do povo era
restrito. Através de Jesus, não há mais restrição. Nossa adoração a Deus é completa
por meio dele, a qual não mais carrega medo, mas sim contrição e amor.
André Duarte
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