O relato da
visita dos três reis magos é bem mais famoso do que o da revelação aos
pastores, ou a apresentação de Jesus no templo. Em muitos presépios de natal,
os magos estão juntos aos pais de Jesus, com o bebê deitado na manjedoura. Na
realidade, essa história é bem mais tardia. Os pastores sim visitaram Jesus
quando a família ainda estava na estrebaria (ou numa caverna que servia de
estábulo, dependendo da tradição), pois eles foram no mesmo dia em que Jesus
nasceu. A apresentação de Jesus no templo ocorreu 40 dias após o seu nascimento.
A visita dos magos, entretanto, ocorreu quando Jesus já tinha mais de um ano de
idade, quase dois. Já sabia andar, provavelmente já sabia falar... e,
obviamente, a sagrada família não passou esses dois anos morando num estábulo,
mas tinham uma residência própria em Belém. A evidência desse tempo é o fato de
que Herodes, para se livrar de Jesus, ordenou o genocídio das crianças com até
dois anos de idade. Os magos, portanto, não foram visitar um recém-nascido em
uma manjedoura, mas um bebê crescido em uma casa normal.
Outra ideia
pressuposta é que os magos seguiram a estrela durante todo o tempo. Na
realidade, o texto de Mateus 2 diz que os magos foram a Jerusalém porque viram
a sua estrela quando estavam no oriente. Ora, se já houvesse uma estrela móvel indicando
o caminho até Jesus, os magos teriam ido diretamente até Belém. O mais provável
é que esses magos eram astrólogos que, ao verem uma estrela diferenciada no
céu, interpretaram-na como o sinal do nascimento de um rei judeu – e, então,
foram a Jerusalém porque era a capital da Judeia. Não sabemos se essa estrela
era especial e um sinal exclusivo, ou se Deus usou uma estrela comum para
induzir os magos à interpretação que ele queria. O ponto é que os magos
imediatamente reconheceram que o novo rei era digno de adoração. É notável que
um grupo de magos do Oriente, talvez do Império Persa, fizeram viagem até a
esquecida e pobre região da Judeia para adorarem um rei de outra nação. À sua
maneira, Deus revelou a eles que o rei divino, que reinaria sobre toda a terra,
chegara ao mundo. É o cumprimento do que Simeão havia indicado, que Jesus seria
luz para os gentios, para a glória de Israel.
A nação de
Israel, é claro, ficou perturbada. Entretanto, é pouco provável que os líderes
religiosos dessem crédito a uma interpretação astrológica de magos pagãos.
Herodes, entretanto, não ignorou a notícia. Afinal, para ele, não poderia haver
qualquer outro pretendente ao trono. Preferiu então ir conhecer a crença dos
judeus para verificar se a notícia era verídica, com a única intenção de poder
matar o tal novo rei, se é que ele existia. As atitudes de Herodes são assunto
do próximo post.
Os rabinos e sacerdotes,
entretanto, conheciam as Escrituras e sabiam onde o Messias nasceria. Eles
citam Miqueias 5:2. O profeta, após falar tanto sobre a destruição de Israel e
Judá, profetiza que, de Belém, viria o novo líder, que guiaria o seu povo. A
citação feita é livre, pois tem algumas diferenças com o texto do profeta.
Miqueias chama a cidade de “Belém-Efrata”, devido à ligação de Belém com a
cidade que havia ali no passado, Efrata. Esse nome antigo não era mais
relevante para o primeiro século; por isso, os rabinos dizem “Belém de Judá”,
enfatizando a nação preservada. Além disso, Miqueias diz sobre a cidade:
“embora seja a menor das cidades”, pois isso era verdade na época. Os rabinos,
no entanto, chamam a cidade assim “de forma alguma és a menor entre as
principais cidades de Judá”, ou seja, ela é a maior cidade, ou quase. Não que
Belém houvesse mudado muito, mas o nascimento do Cristo tornou a cidade a mais
importante e, mesmo que os rabinos ainda não tivessem certeza de que o Messias
já estava lá, a expectativa de que ele viria era muito grande, o que valorizara
a pequena cidade. Outra diferença é que Miqueias usa o termo “governante”,
enquanto o texto em Mateus diz “pastor”. Juntando a outras profecias, os judeus
entenderam que o Messias teria um caráter de pastor – por exemplo, Ezequiel 37.
Essas diferenças podem não ter sido ditas pelos rabinos, mas sim por Mateus, ao
escrever o evangelho já conhecendo tudo o que Jesus realizou e o que ele
significava. É mais um exemplo de profecia clarificada pelo seu objeto.
Após ser informado de que o
Messias nasceria em Belém, Herodes enviou os magos para ir verificar. Nessa
ocasião, a estrela moveu-se até a casa em que Jesus morava. Entrando na casa,
os magos encontraram o bebê, alegraram-se e o adoraram. Lá estava o rei de toda
a terra, gentil e manso. E lá estavam nobres astrólogos, talvez já conselheiros
do rei deles, como os astrólogos do faraó na época de Moisés, ou de
Nabucodonosor na época de Daniel. Talvez esse ato de dirigir-se a um novo rei e
adorá-lo tenha sido considerado de traição pelo rei na nação do oriente. Os
magos, sem dúvida, converteram-se ao Deus encarnado. Aí estão os primeiros
gentios do Novo Testamento entrando para o povo salvo. Será que os magos
levaram o evangelho para o seu povo? Bem, isso me faz pensar na obscuridade do
início do cristianismo na Índia. Diz uma tradição que foi o apóstolo Tomé quem
primeiro pregou lá. Às vezes, fico pensando se teria sido possível que foram os
magos quem começaram tudo... mas, não há evidência alguma.
Os magos não apenas prestaram
adoração a Jesus, mas deram-lhe presentes. Por que ouro, incenso e mirra? O
ouro é fácil de entender, afinal, é um presente caro e valioso, comum e
adequado para um rei. Entretanto, incenso e mirra também são presentes reais.
Incenso é o conjunto de materiais extraídos de plantas aromáticas que, quando
queimados, produzem um aroma agradável, razão por que era um tipo de oferta no
templo, no Lugar Santo. Esse presente pode indicar o caráter sacerdotal de
Cristo, além do real. Mirra era também extraída de plantas aromáticas, tinha
alto valor e poderia ser usada como produto de beleza, como foi o caso de
Ester, bem como para mistura com vinho em caso de enfermidade. Foi também usada
para ungir o corpo de Jesus quando foi sepultado. O ponto é que todos os
presentes são de alto valor, dos quais um rei é certamente digno. Com os presentes, os magos estavam provando
para Maria que eles reconheciam o novo e eterno rei, o Filho de Deus.
Nessa história, vemos que o rei
prometido a Israel, Jesus Cristo, filho de Davi, começa a converter nações à fé
desde bebê. Sendo ainda infante, o próprio Pai revelou o Filho às pessoas que
ele escolheu. Primeiro, o Senhor foi revelado a pastores; depois, a Simeão e
Ana no templo; agora, ele atrai pagãos estrangeiros. A história como um todo
prefacia a dimensão do reinado de Jesus: todos os povos, raças, línguas e
nações. Também compreendemos o sinal de uma conversão genuína – o dobrar-se
diante do humilde e aparentemente inofensivo rei, oferecendo a ele adoração e
entrega. Lembremo-nos de que Jesus teve um momento em que parecia ainda menor
do que quando bebê: quando foi crucificado, humilhado como um criminoso. O rei
dos judeus crucificado era, de acordo com Paulo em 1Coríntios 1, um completo
absurdo para judeus e para gregos. Pois, como pode o grande rei, o logos do
universo, ser tão fraco a ponto de morrer em completa vergonha? É porque essa é
a nossa imagem para Deus. Jesus tornou-se semelhante a
nós – fracos, humilháveis, malditos diante de Deus – para nos salvar, sendo
nosso substituto. Os magos compreenderam que havia um grande rei por trás da
singela e pobre aparência. Será que conseguimos olhar para o bebê e para o
crucificado e enxergamos força além da fraqueza? Vitória, e não pena? Um leão
escondido em um cordeiro? O rei do universo, e não mais um sofredor?
André Duarte
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