“Porque desde
criança você conhece as Sagradas Letras, que são capazes de torná-lo sábio para
a salvação mediante a fé em Cristo Jesus. Toda a Escritura é inspirada por Deus
e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção e para a instrução na
justiça, para que o homem de Deus seja apto e plenamente preparado para toda
boa obra” (2Timóteo 3:15-17).
Uma das
maiores conquistas da Reforma foi o dogma da “sola scriptura” – que somente as
Escrituras são o cânon da fé cristã, não tradições e leis humanas. Somente a
Bíblia contém a revelação necessária para a vida cristã, o conhecimento de Deus
e a sabedoria na justiça. Apenas a Bíblia é infalível e inerrante para nos
ensinar acerca de Deus. Além disso, a Bíblia interpreta a si mesma. Não há uma
pessoa com poderes divinos capaz de dar a interpretação canônica da Bíblia –
ela explica a si mesma. Todo ensino precisa derivar da Bíblia para ser
considerado procedente da vontade de Deus.
A face
complementar da “sola scriptura” é a “tota scriptura” – TODA a Escritura.
Significa que a Bíblia não pode ser fracionada em textos mais ou menos
canônicos ou necessários, nem deve a compreensão e o estudo serem parciais. Não
é só “a Escritura” vagamente, mas toda ela, completa. Não é a parte que você gosta
de ler e entende com facilidade + a parte que você deixa pro seu pastor
ensinar, se ele achar relevante. Como eu disse, a Bíblia interpreta a si mesma.
Isso significa que não é possível assegurar-se de uma interpretação de um texto
particular se todos os outros não forem conhecidos. Afinal, como você saberá se
a sua interpretação condiz com todo o resto? Não adianta orar para que o
Espírito o ajude a entender se a resposta dele é “Primeiro passo é acabar de
ler tudo”.
Um breve
testemunho: sempre ensinaram-me, desde criança, que a Bíblia era a Palavra de
Deus e que toda a fé deve ser firmada nela. Comecei a desejar ler a Bíblia aos
8 anos, quando me batizei e fiquei naquela empolgação. Li os 4 evangelhos
rapidamente, depois li Atos (numa viagem de carro pra São Paulo, quando eu
estava fazendo 9 anos) e cheguei em Romanos. Não gostei do estilo literário.
Para mim, textos narrativos eram bem mais legais do que textos cheios de
doutrina. Parecia um monte de ensinos óbvios (embora eu perceba agora que eu não
estava entendendo nada, era apenas uma mente de criança). Deixei a Bíblia pra
lá, achei que já tinha dado. Depois, ainda aos nove anos, tive o tal “encontro
com Deus”, voltei a ficar empolgado e resolvi ler de novo a Bíblia. Dessa vez,
comecei no Gênesis, pra ver se eu encontrava coisas mais legais. Gostei muito
das histórias, cheguei no Êxodo, adorei a história de Moisés e aí começou a
interminável descrição do tabernáculo... de novo, parei, larguei pra lá e só
recomecei a ler seriamente aos 13 anos (por um motivo errado, ganhar uma garota
:P) e, bem, não parei mais. (Sorry, não foi tão breve)
Por várias
vezes, em meus longos intervalos, eu me perguntava se não deveria voltar a ler.
E eu me respondia com a seguinte ideia: “Bem, talvez eu não precise realmente
ler tudo. Afinal, eu tenho minha família e minha igreja. Certamente eles já
aprenderam tudo o que há de importante na Bíblia e, se eu estivesse fazendo
alguma coisa errada, eles me falariam”. Na minha infantilidade, eu não tinha
ideia de que a Bíblia e os adultos crentes poderiam estar em desacordo, e nem
que os adultos crentes também negligenciavam a tota scriptura. Essa ideia era a
única desculpa que eu tinha para não ler. Talvez a Bíblia fosse coisa de gente
grande. Eu só precisaria da educação cristã heterônoma...
Não faço a
menor ideia do motivo da “gente grande” não estudar a Bíblia toda. Não creio
que a “gente grande” seja tão ingênua quanto eu era quando criança. Não sei
quais são as desculpas. O que eu observo é que, por alguma razão, as pessoas
têm textos favoritos da Bíblia – os realmente belos e importantes – enquanto a
maior parte é chata. Sim, chata. Somente teólogos – os nerds crentes – se
interessariam. Não sei se devo apelar às emoções e lembrar quantos litros de
sangue foram derramados para que a Bíblia estivesse no seu idioma, para que
você pessoalmente pudesse ler. Quantas vidas foram sacrificadas pelo ideal do
livre exame. Para muitos que colocam “protestante” no facebook e se dizem
evangélicos, não faria a menor diferença se a Bíblia ainda fosse propriedade
exclusiva dos clérigos e ensinada em latim.
A grande
ironia vem em cima do salmo 119. Um dos salmos mais belos da Bíblia é alvo de
piadas. Dizem que é um salmo muito grande, e dá preguiça de ler. Bem, em
primeiro lugar, sua extensão tem um propósito artístico. Ele é um enorme
acróstico. Cada grupo de 8 versos começa com a mesma letra do alfabeto
hebraico, e assim os grupos de sucedem na ordem alfabética. 22 letras do
alfabeto hebraico vezes 8 resulta nos 176 versos. E cada um dos versos fala
sobre o grande prazer da lei de Deus, a delícia de sua palavra, a perfeição dos
seus ensinos. É o salmo metalinguístico da Bíblia, o maior e mais belo texto em
que a Bíblia fala sobre a própria Bíblia. Pensem que o compositor exaltou a
Palavra de Deus de 176 maneiras diferentes, seguindo uma lógica artística e
poética, uma grande obra prima. Mas, para muitas pessoas, é apenas um salmo
grande e chato.
A alegação
da extensão da Bíblia revela uma grande incoerência. A Bíblia não é nem um
pouco extensa, se comparada a outros livros. Muitos crentes leem a série Harry
Potter, O Senhor dos Anéis, Crônicas de Nárnia, Crepúsculo... e acham a Bíblia
muito grande. O conjunto de livros que uma pessoa lê em cada ano do Ensino
Médio é bem maior que a Bíblia. Onde ficou a ideia de que a Bíblia é o livro
primordial? Por que ler autoajuda se a Bíblia conforta e ensina? Por que ler
romances e negligenciar a história mais heroica que já existiu, a vida de
Cristo? Por que ler tanta matéria científica e se esquecer de que o logos do
universo é uma pessoa, Jesus?
A Igreja
foi arrebatada pelo secularismo. A leitura da Bíblia foi renegada à tarefa mais
chata das obrigações humanas, quando deveria ser considerada o maior prazer e
privilégio. Que bom seria se os homens conhecessem melhor a Bíblia do que os
games, melhor a vitória do Cordeiro do que as vitórias do seu time de futebol.
Passassem mais tempo exercitando a alma do que os músculos. Que as mulheres
compartilhassem mais dicas de beleza no espírito do que de maquiagens (1Pedro
3:3,4), que conhecessem mais os ensinos bíblicos do que os novos modelos de
Iphone. Que os pais observassem melhor o quanto seus filhos têm se dedicado a
estudar a Bíblia do que em vigiar suas notas na escola. Que os filhos
procurassem seus pais mais para compartilhar a Escritura do que para pedirem
pra ficar fora até tarde no fim de semana à noite. Os frutos do conhecimento da
Bíblia são eternos e perfeitamente eficazes e puros na vida presente também. O
maior tesouro que Deus colocou para os homens é a sua revelação na Escritura.
A Escritura
é perfeita para ensinar as boas obras. Ela clareia o caminho da virtude. Ela
prova a necessidade da humildade. Ela acusa você dos seus pecados e aponta o
caminho do perdão pelo Senhor Jesus. Ela dá sabedoria para diversas questões da
vida. Ela ensina o correto desempenho de todos os papéis sociais. Ela conforta
o atribulado e atribula o confortado. Ela dá acesso e concretude ao Deus
transcendente. Ela protege a Igreja das heresias, tão alarmantes na
espiritualidade decadente de hoje. Ela é a defesa contra o diabo. Ela mostra a
vereda para a vida eterna. Ela é a instrução da bem-aventurança. Ela mostra o
que realmente importa na jornada da vida. Ela ilumina, abre a visão, amplia o
entendimento. Ela conduz à adoração. Não partes dela, mas toda ela. Sim, toda
ela, inclusive os textos que você não gosta. As genealogias, as descrições do
tabernáculo e do templo, os detalhes sobre os tipos de sacrifícios, os
recenseamentos, as batalhas sangrentas, os lamentos proféticos, as listas de
cidades, as cartas minúsculas, as filosofias de Eclesiastes, as cerimônias de
Números, cada profeta, cada história, cada personagem, cada carta, cada
martírio, cada visão mirabolante, cada um dos livros é posto com um propósito
por Deus nas suas mãos, o propósito de se revelar e de ser, através do estudo
do texto, adorado e amado. Jonas é mais do que aquele cara que foi engolido
pela baleia. Daniel fez mais do que sair da cova dos leões. Davi ensina mais do
que como matar gigantes com uma funda e uma pedra. Abraão é mais do que um
velho barbudo, Adão significa mais do que um cara pelado e bobo, Moisés apenas
começou seu legado quando tirou Israel do Egito. Jesus...
A maior
sacada de Martinho Lutero sobre a Escritura é que ela é inteira sobre Jesus.
Ela não é um amontoado de dogmas abstratos, de regras morais, de bons exemplos
ou de histórias inspirativas. Ela é um testemunho sobre a mais precisa e
gloriosa revelação do Deus invisível – a sua perfeita imagem, seu Filho. Ora,
Jesus Cristo é chamado de “Palavra de Deus” por João. Ele é o logos divino. Se
a Bíblia é a Palavra de Deus, significa que ela deve ser o próprio Jesus Cristo
posto em letras. O que torna a Bíblia Palavra de Deus é justamente o seu
testemunho constante sobre o centro da fé, Jesus. Por conseguinte, um
conhecimento deficiente da Bíblia significa um relacionamento incompleto com
Jesus. A estagnação no conhecimento bíblico leva à estagnação no casamento com
o Cordeiro – e o mundo sabe como os casamentos estão sujeitos ao enfado da
mesmice. Fazendo essa analogia, que tal tentar coisas diferentes no casamento?
Por exemplo, estudar textos bíblicos novos? Meditar neles de uma forma
diferente? Estabelecer uma nova rotina, ou roteiro de meditação, ou o que for?
Não há
limites no que se pode chegar ao estudo da Bíblia. Sempre estamos aprendendo
mais e amadurecendo na adoração. A única maneira de alguém achar que já sabe o
suficiente é parando de ler, e essa pessoa estará tão enganada quanto alguém
que nem conhece o evangelho.
André
Duarte
parabéns pelo comentário a respeito da Palavra de Deus. Muito bom!
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