No post anterior, vimos como
deve ser o trato da Igreja diante do mundo. Longe de fazer programas e
proclamar mensagens vagas, ou tentar reformar o mundo por meio de uma moral, ou
chamar a atenção pelo entretenimento e pelas aparências, a Igreja deve ser o
próprio Jesus em sua expressão coletiva. Em Efésios e Colossenses, fica
especialmente claro que o caminho da individuação da Igreja e de cada membro é
chegar à máxima semelhança de Cristo. Se a Igreja pretende ser como Jesus
diante do mundo, é necessário que ela trabalhe isso internamente. Vamos começar
a ver a partir daqui as ferramentas que o Senhor nos deu para atingirmos esse
alvo.
É triste
também ver o descaso que a Igreja faz com esse objetivo. Muitas vezes, ela se
comporta como uma máquina automática que faz mera repetição litúrgica sem
reflexão. Suas ponderações são de caráter empresarial, em cima de números e de
atos de rotina. Raramente uma Igreja pensa “estamos mesmo chegando em algum lugar?”.
Ela é lotada de práticas infrutíferas, de tradições sem fruto e de vícios de
finalidade. Muitas igrejas preocupam-se tanto com a sua atuação diante do mundo
que se esquecem de si mesmas. Como eu disse em outros posts, algumas igrejas
insistem tanto em evangelizar e quase nada em ensinar a si mesma o que é o
evangelho. Não é possível à Igreja crescer em Cristo e impactar o mundo sem uma
consciência interna e eficaz para os membros.
Com relação
aos dons, especificamente, quero fazer considerações em três pontos. Vamos
resgatar o que a Escritura ensina sobre dons e talentos à luz da finalidade da
Igreja externamente e internamente. Muita confusão precisa ser tratada. O
pentecostalismo avivou as discussões sobre os dons e frequentemente chegou a
conclusões erradas, estimulado por impulsos passionais e precipitação sobre
interpretações baseadas na observação empírica. Em primeiro lugar, a Igreja é o
lugar para servir, e não ser servido – este é o primeiro ponto. Eu raramente
encontrei alguém que fosse para a Igreja querendo abençoar os outros, em vez de
ser abençoado. Vivemos esse paradigma de que a Igreja é o lugar em que você é
abençoado e fortalecido para o resto da semana, apenas. Pensamos que o pastor
tem a função de prover o alimento espiritual, e todos nós devemos apenas
consumir. “Igreja é hospital”, costumamos dizer. É claro que uma pessoa deve ir
à Igreja para ser edificado e tratado. Mas a preocupação principal deveria ser
a de edificar e tratar os outros. Quando você pensa em ir à Igreja para aquecer
o seu coração e ir embora, você não fez nada por ninguém, e esse tipo de
egoísmo não é correto. Não é comum ouvirmos “Você deve ir à Igreja para adorar
Deus, não por causa das pessoas”? O problema dessa máxima é que ela separa
essas duas coisas. Adoração individual você pode prestar em casa, a qualquer
momento. Coloque uma música gospel, uma pregação da internet, faça uma oração,
uma leitura bíblica e pronto. Mas, na Igreja, a adoração é estritamente
vinculada à preocupação com os irmãos. É estranha a ideia “Esqueça a pessoa que
está ao seu lado”. Tudo bem, não fique batendo papo com ela durante o culto
(tapa na minha própria cara), mas não leve adiante esse “esquecimento”.
Resumindo, quero dizer que você deve ir à Igreja para executar os seus dons,
seja quais forem. Você não precisa estar elencado a um ministério oficial para
isso. Pratique o que você faz de melhor: ensino, exortação, conselho, ânimo.
Não pense que o pastor pode edificar de púlpito todas as pessoas em todas as
suas necessidades absolutamente. É fundamental um trato particular e serviçal
com as pessoas.
O segundo
ponto é consequência do primeiro: os dons existem para o favor dos outros, e
não para o próprio. Quanto egoísmo existe na busca por dons! São tantas as
pessoas que usam os seus talentos e ministérios para proveito próprio. Não é
necessário pensar em dinheiro e manipulação – quem tem um dom publicamente
visível é tentado frequentemente a considerá-lo sua base para justificação. É
fácil perceber o seu dom repercutindo na Igreja e glorificar a si mesmo. Um
ministro público deve se fortalecer na humildade e na fé na justiça de Cristo
para não pensar que seu ministério é sua fonte de significância e sentido.
Quanto à busca por dons, o que a Bíblia ensina? “Busquem os melhores dons”, diz
1Coríntios. Os capítulos 12 a 14 são cruciais para a compreensão dos talentos.
Quais são os melhores dons? Certamente são aqueles de que a Igreja mais
necessita. O capítulo 14 exemplifica pelo dom de falar em línguas estranhas e
pelo dom de profetizar o ensino de que o melhor dom é o que edifica a Igreja, e
o menos importante é o que edifica o seu próprio portador. O espírito serviçal
e altruísta permeia o uso dos dons. É tão comum vermos pessoas dizendo “Puxa,
eu queria ter tal dom!”, sem nenhuma reflexão sobre o proveito dele para os
outros. O pentecostalismo, principalmente, incentiva demasiadamente a busca
pelo dom de falar em línguas (assunto do próximo post do João Renato, NÉ??),
sendo que esse é o dom menos importante, que só traz proveito individual e não
serve de nada para a edificação da Igreja (isso partindo do generoso
pressuposto de que a glossolalia que se vê por aí é realmente o dom de línguas
bíblico). Vá à Igreja e sirva os outros com os seus dons. Se uma Igreja não
precisa do seu dom, procure alguma que precise. Se ela não dá oportunidade para
você exercê-lo, o que é infelizmente muito comum, tente algum outro ambiente ou
alguma outra maneira.
O terceiro
ponto é que, em meio a todo o uso de dons e todas as interações necessárias, é
imprescindível o amor. O famoso texto de 1Coríntios 13 não deve ser
compreendido em isolamento, como muitos leitores fazem. Ele está inserido no
ensino sobre os dons. O que Paulo ensina nesse capítulo é que, muito mais
importante do que o exercício de funções ou de capacidades, é o amor cristão.
Veja que afirmações ele faz: “se eu não tiver amor, serei como o sino que
ressoa ou como o prato que retine”. O que isso significa? Essa metáfora alude
aos instrumentos de adoração pagã, nas quais os fiéis deveriam fazer muito
barulho e muita performance para agradar os deuses. Perceba a seriedade do que
Paulo diz. Sem amor, uma Igreja, com toda a sua liturgia e com seus ministérios,
torna-se igual a uma religião pagã e idólatra. Uma Igreja pode ser rica em dons
espirituais, mas vazia de fruto espiritual. Os crentes e, principalmente, os
ministros, não podem se deixar enganar pelas aparências. Pode ser que uma
Igreja esteja com todos os seus programas, todos os seus ministérios e sua
atuação funcionando muito bem – e, ainda assim, estar longe de Deus. Para
testar se a salvação realmente ocorreu, devemos voltar aos testes de 1João, dos
quais um deles é o amor mútuo. Uma Igreja que não ama não faz mais do que
encher os ouvidos de Deus com barulho.
André Duarte
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