Para quem vive hoje, há uma distância histórica de, no
mínimo, dezenove séculos até os tempos bíblicos. A forma do mundo de hoje mal
pode ser comparada à do mundo daquela época. Da última vez em que alguém
escreveu um texto canônico, havia um imperador romano cheio de poder e menos de
100 mil cristãos no mundo. O governo era tirânico, impositivo, e cristãos
poderiam ser perseguidos com tortura e morte dependendo do humor do governante.
Os cristãos eram poucos e quase todos pobres. O mundo era cheio de desrespeito
por minorias, o que incluía os próprios cristãos.
Hoje em dia, tudo é bem
diferente. Existe toda essa noção de paz mundial, amor entre os diferentes,
confraternização entre ricos e pobres, governos democráticos, liberdade
religiosa e filosófica, amparo às minorias, valorização do meioambiente. A
humanidade progrediu muito, e está cada vez mais perto de construir um paraíso
com suas próprias forças. O lema disperso é “vamos tornar o mundo um lugar
melhor”. Se cada pessoa viver isso, um dia chegaremos ao ideal de sociedade
justa e igualitária.
Bem, é isso que os mundanos
dizem. E esse tipo de convicção nunca vai mudar. O ápice da confiança na
bondade e na inteligência humana produziu os horrores da 2ª Guerra Mundial. Os
próprios humanos ficaram chocados com a dimensão da destruição que causaram –
eles, os homens, os seres evoluídos, conscientes, em processo crescente de
aprimoramento. Claro que não demorou muito para o trauma da 2ª Guerra sair do
pensamento coletivo e os humanos começarem a novamente confiar no êxito de seus
esforços para produzir um mundo maravilhoso. Afinal, os humanos descobriram
aquilo que faltava: o apreço pela paz. O único problema é que, antes, eles não
sabiam que a guerra poderia ser tão ruim. Agora, aprenderam a lição e sabem que
a meta certa é a paz. Pronto, resolvido, é só questão de tempo.
Veja que interessante: valores
ordenados por Deus foram apropriados por mundanos para que, rejeitando Deus, os
próprios homens pudessem ser os deuses dos valores. Deus ordena a vivência da
paz, mas os homens querem eles mesmos produzir a paz independente de Deus. Deus
comanda o amor mútuo, e os humanos repetem essa proclamação retirando todo o
conceito divino sobre o amor e estabelecendo o seu próprio. E é assim que os
crentes são enganados pelas aparências do mundo caído e se deixam convencer de
que Jesus não é tão necessário assim para a edificação de um mundo “melhor”.
Mas o mundo não está, de forma
alguma, mas justo e bondoso do que no passado. A aparência desse humanismo
feliz é construída sobre a areia, não sobre a rocha. Por isso, ela sempre
deixará efeitos colaterais. O avanço científico é desejável, mas, para a
maioria das pessoas, substitui a fé em Deus. A liberdade religiosa é certamente
melhor do que a conversão forçada, mas dá impulso às ameaçadoras heresias à sã
doutrina. A escravatura foi abolida, mas a prostituição é tolerada. Como diz o
Dr. Manhattan, “eles alegam que seus esforços construirão um paraíso, todavia
esse paraíso está preenchido com horrores”. De que maneira, então, pode-se ser
um cristão fiel nesses tempos distintos? Há duas escolhas erradas possíveis: a
escolha do legalista, de criticar tudo o que é moderno e fechar a mente, e a
escolha do antinomista, de mundanizar o evangelho. Como fazer a escolha certa?
O cristão precisa, em primeiro
lugar, ter essa noção de que o mal do mundo é imutável, apenas suas
manifestações são variadas. Legalistas tendem a ver a modernidade com
pessimismo, como se as coisas estivessem piorando e o mundo de antigamente
fosse melhor. Lembram-se de que antes não havia banalização do sexo (porque,
pros legalistas, o maior problema do mundo é o sexo), drogas pra todo lado,
homossexualismo difundido. Esse ponto de vista é errado, porque esses problemas
sempre existiram. Se na época de Abraão já existia Sodoma e Gomorra... Mesmo
com regras mais repressivas, sempre houve um número alto de transgressões,
embora não fosse tão comentado. Por exemplo, Freud verificou tantos casos de
abuso sexual na infância por parte dos pais que se recusou a crer que eram
todos verdadeiros e postulou que a maioria deles era só fantasia inconsciente
da mulher. Embora essa possibilidade seja verdadeira, hoje sabemos que,
realmente, havia muito mais abuso sexual há 100 anos do que era comentado na
época. Por outro lado, os antinomistas enfatizam as melhoras do mundo, as
liberdades, o respeito às minorias, o progresso científico e tudo o mais que já
foi comentado. Esse ponto de vista também é errado, pois é totalmente herético
afirmar que o mundo pode progredir em justiça e bondade à parte de Deus. Então,
o primeiro ponto para o cristão é este: a maldade do mundo é sempre a mesma,
apenas suas manifestações variam conforme as novas necessidades de justificação
própria que a cultura demanda.
Se o mal do mundo é constante,
então ele deve ser identificável em todos os tempos. E de fato é. O mal do
mundo é a sua rejeição do rei Jesus. É o pecado, a construção de um verniz de
sabedoria e retidão em cima de uma alma sombria e perversa. E é isso que os
cristãos devem combater. As boas obras dos crentes são um adorno à sua fé para
dela testemunhar, e não o seu objetivo último no mundo. Legalistas estão
engajados em destruir manifestações flagrantes de “grandes pecados”,
despreocupando-se do pecado holisticamente; antinomistas querem misturar mundo
e Igreja para que a Igreja pareça mais “legal” e interessante. O que o crente
realmente precisa saber é que sua missão no mundo não é fortalecer as regras
contra as coisas mais feias – isso já existia antes e não se sustentou -, nem é
unir mundo e Igreja por discursos abertos e fofos – pois não há comunhão alguma
entre luz e trevas -, e sim testemunhar do eterno e imutável evangelho por meio
de toda a vida. Testemunhar de Jesus diante do mundo não é ser uma pessoa chata
e repressiva o tempo todo. Também não é só falar de amor e praticar caridade,
pois isso os mundanos também fazem. O crente deve, por um lado, ter o evangelho
como o fundamento inabalável de sua vida, sem concessão e negociação alguma da
verdade completa, e, por outro, demonstrar a beleza dele para o mundo. Um
cristão deve, por meio da sua vida, chamar atenção não para si, mas para Jesus,
por meio de sua firmeza e dos seus bons frutos.
Hoje em dia, na nossa
sociedade, os cristãos têm o grande desafio de resistir à tolerância. Sim,
tolerância. Quer dizer, os cristãos precisam resistir à moda de aceitar tudo e
achar que qualquer coisa que se faça “por amor” e “por sinceridade” está
correta. “Amor” é o termo da contemporaneidade. “All we need is love”, cantam
os Beatles. Jamais pode ser confundido com o amor bíblico, encarnado no
Deus-homem. A única semelhança entre ambos é o substantivo. O amor cristão é
totalmente definido pelo ser de Deus. Terrivelmente, os crentes estão
redefinindo o amor de Deus a partir do amor mundano! Isso acontece, por
exemplo, quando os crentes falam que Deus ama todas as pessoas, seja como elas
forem, e só quer o melhor para elas, independentemente de qualquer exigência
para uma mudança de vida. Acontece que Deus não nasceu em 1960 e não virou um
hippie. O que o mundo chama de “amor”, Deus chama de orgulho e libertinagem.
Assim, não importa se
homossexuais se “amam”, Deus não vai aprová-los. Talvez, a questão da
homossexualidade seja a que tenha maior potencial para resultar em perseguição
aos cristãos. Existem os legalistas, que combatem a homossexualidade como se
fosse o pior pecado do mundo, e os antinomistas, que só ficam falando que Deus
os ama como eles são e pronto. Cristãos devem responder com o evangelho
inflexível, porém libertador, de Jesus Cristo. Pode ser que chegue o dia em que
as autoridades inquirirão os crentes sobre a sua religião, devido a essa
controvérsia da homossexualidade, e eles precisam fazer como Pedro orienta,
saber explicar a razão de sua fé.
É muito provável que o mundo
continue caminhando cada vez mais para a tolerância a qualquer coisa – exceto,
é claro, aos cristãos “intolerantes”. Paulo diz, em 2Tessalonicenses, que,
antes de Jesus voltar, o “filho da perdição” se levantará e se oporá a Deus e a
tudo o que é sagrado. Em grego, a expressão usada para o termo “homem do pecado”
significa literalmente “homem sem lei”. Parece que é nessa direção que o mundo
está indo: cada vez menos regras e maior permissividade. É Direitos Humanos de
um lado, facilitando a vida dos bandidos e ressaltando o suposto valor
intrínseco do ser humano com seus fantasiosos direitos naturais – sem vínculo
algum com o valor que Deus dá ao homem -, relaxamento sexual e de drogas do
outro, multiplicação de alternativas religiosas inclusive dentro do que se
chama de igreja evangélica... Esse é o mundo para o qual os crentes devem estar
preparados, firmados no perfeito evangelho de Cristo – a imutável e sólida verdade.
André Duarte
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