quinta-feira, 14 de março de 2013

Gênesis e a introdução à Bíblia 1 – O Deus Criador

         

            Este é o início de uma nova série que versará sobre os primeiros capítulos de Gênesis. O começo deste livro, principalmente antes da queda, é riquíssimo em doutrinas fundamentais sobre Deus. Tenho sentido uma forte negligência quanto à importância devida a esses textos. Quase nunca ouvi pregações sobre eles, mas já os vi em muitas histórias infantis coloridas e mal feitas. Há muita poesia e jogos de palavras envolvidos, e as lições são extraordinárias. Na realidade, todo o resto da Bíblia depende diretamente do que é ensinado no início de Gênesis. Consequentemente, uma falha na compreensão de Gênesis resulta em mau entendimento de toda a Bíblia.
           
O Gênesis nos dá, por assim dizer, limites bem definidos da doutrina cristã. Ele não explica a fé cristã por inteiro, mas demonstra diretamente o que não pode ser aceito como verdadeiro. Assim começa a Sagrada Escritura: “No princípio, Deus criou os céus a terra”. Há uma infinidade de implicações desse primeiro verso. A primeira, bem clara, é que há um Deus pessoal. Fora da verdade revelada está qualquer forma de ateísmo, agnosticismo, ou qualquer sistema religioso que se refira a Deus como um termo vago para uma energia ou substância amorfa espiritual. Um Deus que criou céus e terra é um ente dotado de vontade e de poder para tanto. Em segundo lugar, há apenas um Deus – eis aqui o monoteísmo. Religiões dualistas como o zoroastrismo, muito comum aos antigos persas, admitiam dois deuses em constante conflito. Outras religiões, como as tribais e algumas formas de hinduísmo, falam em vários deuses criadores. Inclusive, quase todas as religiões antigas que ameaçavam os israelitas postulavam essa multiplicidade de deuses. O mesmo se repetiu nos mitos do ocidente. Entretanto, as pessoas fiéis à Escritura somente podem crer em um Deus que criou tudo sozinho. Se ele é o Deus criador de tudo e é único, não há rival algum para ele: ele é o Todo-poderoso. Aliás, essa é a implicação do termo “elohim” aplicado a Deus. Ao contrário do que muitos dizem, ele não é sempre um termo plural, portanto ele não está, ainda, indicando a Trindade. Se ele fosse um termo plural, significaria literalmente “deuses”. O “elohim”, quando se refere a Deus, indica um superlativo. Sendo um termo relacionado a poder, literalmente o sentido no versículo seria “o Poderosíssimo criou céus e terra”. Deus é um só e é onipotente.
           
Quanto ao termo “céus e terra”, podemos compreendê-lo significando toda a criação. Deus não é ligado a apenas uma ou outra coisa da criação. Esse foi o erro dos pagãos vizinhos de Israel. Em 1Reis 20:23-28, temos um exemplo em que Deus mostrou a sua glória ao provar para os sírios que ele é um Deus também dos vales, não apenas das montanhas, e que ele poderia comandar a guerra no local em que ele quisesse. O salmo 139 nos ensina que Deus está em toda parte; não há lugar algum da terra, ou do céu, ou do mar, nem mesmo das profundezas da morte, em que alguém pode se esconder de Deus. Ele criou tudo e exerce domínio sobre toda a criação. E veja que interessante: Deus criou mesmo os céus, o “lugar” onde muitos pensam que é onde Deus mora. Se Deus literalmente morasse no céu, o céu seria maior que ele. Não, o céu é parte da criação de Deus. Deus é imenso, em vista de quem todo o universo é como um nada. Isaías 40 muito fala sobre a grandeza de Deus em face de sua criação. Também é importante notar que Deus criou céus e terra: qualquer filosofia naturalista é totalmente errada, desde o epicurismo grego até o neo-darwnismo. O universo tem sim o seu Criador. Ele não apareceu do nada. É totalmente absurdo pensar em um universo eterno, pois a morte e a entropia estão presentes em toda parte. Somente um poder criador e volitivo pode dar origem a um tão complexo conjunto de obras, leis físicas e vida.
           
O salmo 104 é uma belíssima poesia que constata todos os feitos de Deus, as obras singelas e as imponentes. Deus é o Criador de tudo. E ele é anterior a criação. O versículo 2 de Gênesis 1 nos diz que não havia nada além de Deus antes que ele decidisse efetuar uma criação organizada. Não sabemos o que significam as trevas na face do abismo e as águas sobre as quais o Espírito de Deus pairava. Talvez sejam termos metafóricos para nos ensinar que, antes de Deus criar o universo coeso, havia simplesmente um nada caótico. Obviamente, não é possível dar ilustrações literais do que é um nada. A criação é, portanto, algo criado a partir do nada – ex nihilo. Se não havia nada além de Deus antes de ele criar o universo e os seres celestiais, então absolutamente tudo o que existe é criação de Deus. Se algo não é criado por Deus, é o próprio Deus. Só existe o Criador e a criação dele, e nada mais.

A fé cristã deve admitir três coisas: a existência do Criador, a existência da criação total e a distinção ontológica entre ambos. Já foi dito que é inadmissível não crer no Deus Criador. Também não é correto duvidar da criação. Filosoficamente, é possível pensar que nada existe. Descartes pensou que, talvez, antes de concluir qualquer coisa, poderíamos pensar que tudo o que vemos é um delírio coletivo. Filmes como Matrix e A Origem mexem com a nossa cabeça nesse sentido. A Ciência Cristã, seita fundada no século XIX pela Dra. Eddy, ensina que a dor, o sofrimento e o mal são ilusões, não existem realmente. Entretanto, como fica mais claro nos próximos capítulos de Gênesis, Deus é o criador também dessas coisas, portanto elas existem. E a distinção entre Criador e criação também nos ajuda a não venerar excessivamente o que é criado. É condenável qualquer noção de panteísmo, mesmo essas ideias modernas de que “temos de cuidar da terra porque ela é a nossa mãe”, ou o que o filme do Avatar demonstra. A criação de Deus é a maneira universal pela qual ele se revela, e ela deve levar os homens a glorificá-lo, tal qual qualquer obra artística prova a genialidade de seu autor, ou qualquer grande invenção leva o seu inventor ao Prêmio Nobel. A criação não deve ser maltratada e nem adorada. Deve sim nos levar a adorar o Criador. Um importantíssimo monge medieval reformista, Bernardo de Claraval, disse que “as árvores ensinam mais sobre Deus do que os livros”.

Você deve ter notado que, no versículo 2, aparece o Espírito de Deus. Percebemos, então, que toda a Trindade está envolvida na criação. Onde está o Filho? No versículo 3, certamente. Não é na parte do “Deus”, nem do “luz” – e, sim, eu já ouvi um “crente” dizendo que a luz do versículo 3 era Jesus. Se Jesus foi criado por Deus, isso é nada mais que um arianismo ressuscitado e totalmente condenável. Jesus está no “disse: haja luz”. A fala de Deus é Jesus. Sim, o logos de Deus, a palavra poderosa, viva e eficaz pela qual Deus criou o mundo é o Deus encarnado em Jesus. Aprendemos, no Novo Testamento, que Deus criou o mundo por meio de Cristo – Colossenses, João e Hebreus dizem isso. Não apenas ele criou o mundo através do Filho, mas o Filho sustenta o mundo com o seu ser – outra atribuição do logos, ser a “razão”, a coerência do universo. Nas palavras de Obi-Wan Kenobi, Jesus “nos cerca, nos envolve e sustenta a galáxia una”. Ou, nas de Paulo mesmo, “ele é antes de todas as coisas, e nele tudo subsiste”. Jesus é a Palavra de Deus, a qual é o próprio Deus, que dá existência e sentido a todas as coisas. Essa Palavra de Deus, que se manifestou em “haja luz”, “separem-se as águas”, “faça a terra gerar todo tipo de árvore”, “encha-se o mar, os céus e a terra de todo tipo de animal”, “faça-se os luminares”, “façamos o homem conforme nossa imagem e semelhança” – manifestou-se também, mais plenamente do que nunca, no ser humano que desceu do céu, morreu numa cruz voluntariamente e ressuscitou, derrotando a morte e perdoando nossos pecados.

André Duarte

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