Vamos passar agora a estudar um
pouco sobre a criação de Deus. Mais do que simplesmente narrar as obras de
Deus, o texto nos mostra o propósito de sua criação: refletir o ser do Criador.
Nos últimos
três séculos, o texto da criação tem atraído curiosidade principalmente para comparações
a teorias seculares e ditas científicas sobre a origem do universo. Algumas
palavras precisam ser ditas sobre isso. Em primeiro lugar, não há como
conciliar a teoria predominante da formação do universo com o relato bíblico. O
texto bíblico coloca Deus criando a vegetação antes de criar os astros, por
exemplo, além de várias outras discrepâncias literais. A teoria naturalista é
muito mais orientada por uma filosofia do que por dados comprobatórios, então
essa tentativa de conciliação é desnecessária. Além disso, o texto não tem o
propósito de narrar cronologicamente a criação. Veja quanta poesia existe nas
expressões, como “passaram-se a tarde e a manhã”, que não faz sentido
cronológico. Veja também que as etapas da criação são organizadas para reverter
o caos descrito no termo do versículo 2: “sem forma e vazia”. No primeiro dia,
Deus cria a forma da luz; no quarto, preenche a luz com os astros que lhe dão
origem. No segundo dia, Deus separa as águas, criando o céu e o mar; no quinto,
preenche esses espaços com animais marinhos e aves. No terceiro, Deus ajunta as
águas para dar forma à terra seca com sua vegetação; no sexto, Deus coloca
animais e o homem no solo. Tendo em vista esse propósito com essa literatura
peculiar, não há que se falar em cronologia ou sequência cronológica.
O que o
texto pretende ensinar é que a criação é um reflexo de Deus. Note a insistência, em cada um dos dias, de
que a obra criada por Deus é boa. Tudo o que Deus criou ex nihilo é bom. A excelência da criação é um testemunho da
perfeição de Deus. Volte às referências do post anterior, perceba como tantos
pontos da Bíblia enfatizam isso. O pecado do homem é fazer mau uso do que Deus
criou como bom, inclusive de si mesmo. O homem antigo pensava que as coisas
criadas eram deuses. Moisés dá ênfase em que Deus criou cada elemento do
universo, para asseverar que há somente um Deus, onipotente e perfeito em
sabedoria, que criou absolutamente tudo o que existe, e que uma análise da
criação feita por um espírito humilde compreenderá isso. O homem moderno, por
outro lado, pensa apenas em si mesmo como o deus não criador, mas descobridor
das coisas criadas. Em lugar de louvar a sabedoria de Deus em criar tantos
elementos e leis naturais fascinantes, ele louva a si mesmo por entendê-las. O
que esse homem moderno louva é mínimo, pois a sua inteligência para descobrir o
que existe não chega aos pés da sabedoria de quem fez. É tão ridículo quanto alguém
admirar-se por saber trocar uma lâmpada e desprezar a inteligência do inventor
dela. Mas o que a Bíblia nos mostra é que há um Deus que criou tudo com
maestria, funcionalidade e eterna beleza, e ao homem só cabe adorá-lo e reconhecê-lo.
O sábado
é uma parte essencial da criação, mas quase esquecida. Estranho é que as
pessoas que querem encontrar cronologias nos seis dias da criação, ou pensar em
dias como eras, não falam nada sobre o sábado. O que é essa “longa era” em que
Deus não fez nada? Na realidade, como bem observou um antigo colega judeu meu,
Deus fez sim uma obra no sábado: o próprio sábado. Diz a Bíblia que Deus
santificou o sábado e nele descansou de suas obras (ou seja, cessou de criar,
pois Deus não se cansa). Veja a sacralidade do sábado: ele existe desde a
criação, não foi uma novidade na Lei de Moisés. Como fica esse ponto após a
nova ordem da nova aliança? Poucos cristãos ainda pensam que é necessário
descansar no sábado. A maioria entende que o sábado cristão é o domingo, embora
não haja nenhuma indicação bíblica nesse sentido. O que podemos inferir, lendo
Hebreus 4, é que Jesus Cristo tornou-se o nosso pleno sábado. Nele, nós podemos
descansar de nossas obras, pois sabemos que toda obra meritória já foi feita
por ele. Não precisamos nos desgastar fazendo obras para conquistar o favor de
Deus, mas já temos o favor de Deus para realizá-las em paz e alegria. Em outro
sentido, Jesus conquistou por nós o descanso sabático da vida eterna. Nossos
seis dias de trabalho são a nossa vida na terra, tendo de lidar com situações,
esforçar-nos para sobreviver e para resistir no dia mau. Mas nosso eterno
sábado está garantido no novo jardim, quando Deus recriar todas as coisas e nos
der de volta o paraíso que rejeitamos.
Porém, a
maior maravilha da criação é a humanidade. Quando Deus criou o homem, deu a ele
o domínio sobre toda a criação. E ele disse ao homem e à mulher que deveriam se
multiplicar para encherem toda a terra. O propósito de Deus para a humanidade é
que ela encha a terra e domine-a para a glória de Deus. Podemos imaginar que,
através do tempo e do espaço, a humanidade cresceria e, cada vez mais, conheceria
e contemplaria a criação de Deus através do trabalho e do bom uso dela, e assim
louvaria e admiraria Deus mais e mais. E, para tanto, Deus fez o homem com uma
particularidade que o distingue de todos os outros entes do universo: ser
imagem e semelhança de Deus. O homem é o único ser criado que tem consciência,
pensamentos, criatividade, imaginação, pessoalidade, vontade, capacidade para
relacionamentos... e tudo isso nos leva ao mais importante: somente o homem,
assim como Deus, é capaz de fazer alianças. De todos os seres, apenas Deus e o
homem podem fazer pactos. E é a aliança de Deus com o homem a espinha dorsal da
Bíblia e da história. Somente por meio de alianças pode o homem ser aquilo que Deus o
criou para ser. E, apenas em aliança com Deus, o homem pode se relacionar com a
criação como Deus deseja.
Mas, a
grande ironia disso tudo é que o homem, por ser imagem e semelhança de Deus,
também herdou dele a capacidade para fazer coisas à sua imagem e semelhança (yo
dawg). E, tendo o homem sido feito para adorar Deus, mas querendo fazer
coisas parecidas com ele mesmo, a síntese catastrófica é a adoração a falsos deuses
conforme convém. O homem foi feito para ser um reflexo, a imagem de Deus. Em
lugar disso, o homem faz deuses para serem o seu reflexo. É intrínseco ao homem
a pulsão por adorar e por ser justo, pois foi para isso que Deus o criou. Mas,
rejeitando Deus, o homem satisfaz essas pulsões por obras próprias, invenções
de sua imaginação, buscando nelas a plenitude da satisfação existencial, moral
e intelectual. Agindo assim, o homem declara sua independência de Deus. A
consequência óbvia e natural é a morte, pois Deus é vida (conforme 1João).
Apartar-se de Deus e buscar significância e sentido apenas em si mesmo é
suicídio.
Entretanto,
houve um homem que não seguiu essa tendência. Apenas um que realizou em plena
perfeição o desígnio de Deus. Um que foi com total clareza, sem distorção
alguma, a imagem do Deus invisível, alguém tão humano que pôde declarar
verdadeiramente “quem vê a mim vê o Pai”. Isso mesmo, Jesus foi mais humano do
que qualquer um. Veja o salmo 8 e a aplicação em Hebreus 1: o homem, sendo o
ápice da criação e coroado de glória e honra, feito um pouco menor que os anjos
– esse é o homem ideal, o homem que Deus criou originalmente, o homem que é
aquilo que Deus lhe ordena que seja em Gênesis 1. Pela graça de Deus, os
humanos ainda são amados por Deus dessa forma, conforme o salmo. Mas Jesus
Cristo foi o perfeito homem do Éden. Aquele que realmente reina sobre a criação
para a glória de Deus, aquele que de fato é o homem completo, que multiplica
por toda a terra os filhos de Deus através de milhões de novos nascimentos pelo
Espírito – e mais, que não é um homem criado por Deus, mas sim o único gerado,
sendo assim totalmente semelhante a Deus. Esse é Jesus Cristo. E, somente por
meio dele, pode o homem restaurar a sua aliança com Deus e tornar-se de acordo
com o desígnio original da criação.
André
Duarte
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