quinta-feira, 21 de março de 2013

Gênesis e a introdução à Bíblia 2 – A criação de Deus



            Vamos passar agora a estudar um pouco sobre a criação de Deus. Mais do que simplesmente narrar as obras de Deus, o texto nos mostra o propósito de sua criação: refletir o ser do Criador.

            Nos últimos três séculos, o texto da criação tem atraído curiosidade principalmente para comparações a teorias seculares e ditas científicas sobre a origem do universo. Algumas palavras precisam ser ditas sobre isso. Em primeiro lugar, não há como conciliar a teoria predominante da formação do universo com o relato bíblico. O texto bíblico coloca Deus criando a vegetação antes de criar os astros, por exemplo, além de várias outras discrepâncias literais. A teoria naturalista é muito mais orientada por uma filosofia do que por dados comprobatórios, então essa tentativa de conciliação é desnecessária. Além disso, o texto não tem o propósito de narrar cronologicamente a criação. Veja quanta poesia existe nas expressões, como “passaram-se a tarde e a manhã”, que não faz sentido cronológico. Veja também que as etapas da criação são organizadas para reverter o caos descrito no termo do versículo 2: “sem forma e vazia”. No primeiro dia, Deus cria a forma da luz; no quarto, preenche a luz com os astros que lhe dão origem. No segundo dia, Deus separa as águas, criando o céu e o mar; no quinto, preenche esses espaços com animais marinhos e aves. No terceiro, Deus ajunta as águas para dar forma à terra seca com sua vegetação; no sexto, Deus coloca animais e o homem no solo. Tendo em vista esse propósito com essa literatura peculiar, não há que se falar em cronologia ou sequência cronológica.

            O que o texto pretende ensinar é que a criação é um reflexo de Deus.  Note a insistência, em cada um dos dias, de que a obra criada por Deus é boa. Tudo o que Deus criou ex nihilo é bom. A excelência da criação é um testemunho da perfeição de Deus. Volte às referências do post anterior, perceba como tantos pontos da Bíblia enfatizam isso. O pecado do homem é fazer mau uso do que Deus criou como bom, inclusive de si mesmo. O homem antigo pensava que as coisas criadas eram deuses. Moisés dá ênfase em que Deus criou cada elemento do universo, para asseverar que há somente um Deus, onipotente e perfeito em sabedoria, que criou absolutamente tudo o que existe, e que uma análise da criação feita por um espírito humilde compreenderá isso. O homem moderno, por outro lado, pensa apenas em si mesmo como o deus não criador, mas descobridor das coisas criadas. Em lugar de louvar a sabedoria de Deus em criar tantos elementos e leis naturais fascinantes, ele louva a si mesmo por entendê-las. O que esse homem moderno louva é mínimo, pois a sua inteligência para descobrir o que existe não chega aos pés da sabedoria de quem fez. É tão ridículo quanto alguém admirar-se por saber trocar uma lâmpada e desprezar a inteligência do inventor dela. Mas o que a Bíblia nos mostra é que há um Deus que criou tudo com maestria, funcionalidade e eterna beleza, e ao homem só cabe adorá-lo e reconhecê-lo.

            O sábado é uma parte essencial da criação, mas quase esquecida. Estranho é que as pessoas que querem encontrar cronologias nos seis dias da criação, ou pensar em dias como eras, não falam nada sobre o sábado. O que é essa “longa era” em que Deus não fez nada? Na realidade, como bem observou um antigo colega judeu meu, Deus fez sim uma obra no sábado: o próprio sábado. Diz a Bíblia que Deus santificou o sábado e nele descansou de suas obras (ou seja, cessou de criar, pois Deus não se cansa). Veja a sacralidade do sábado: ele existe desde a criação, não foi uma novidade na Lei de Moisés. Como fica esse ponto após a nova ordem da nova aliança? Poucos cristãos ainda pensam que é necessário descansar no sábado. A maioria entende que o sábado cristão é o domingo, embora não haja nenhuma indicação bíblica nesse sentido. O que podemos inferir, lendo Hebreus 4, é que Jesus Cristo tornou-se o nosso pleno sábado. Nele, nós podemos descansar de nossas obras, pois sabemos que toda obra meritória já foi feita por ele. Não precisamos nos desgastar fazendo obras para conquistar o favor de Deus, mas já temos o favor de Deus para realizá-las em paz e alegria. Em outro sentido, Jesus conquistou por nós o descanso sabático da vida eterna. Nossos seis dias de trabalho são a nossa vida na terra, tendo de lidar com situações, esforçar-nos para sobreviver e para resistir no dia mau. Mas nosso eterno sábado está garantido no novo jardim, quando Deus recriar todas as coisas e nos der de volta o paraíso que rejeitamos.

            Porém, a maior maravilha da criação é a humanidade. Quando Deus criou o homem, deu a ele o domínio sobre toda a criação. E ele disse ao homem e à mulher que deveriam se multiplicar para encherem toda a terra. O propósito de Deus para a humanidade é que ela encha a terra e domine-a para a glória de Deus. Podemos imaginar que, através do tempo e do espaço, a humanidade cresceria e, cada vez mais, conheceria e contemplaria a criação de Deus através do trabalho e do bom uso dela, e assim louvaria e admiraria Deus mais e mais. E, para tanto, Deus fez o homem com uma particularidade que o distingue de todos os outros entes do universo: ser imagem e semelhança de Deus. O homem é o único ser criado que tem consciência, pensamentos, criatividade, imaginação, pessoalidade, vontade, capacidade para relacionamentos... e tudo isso nos leva ao mais importante: somente o homem, assim como Deus, é capaz de fazer alianças. De todos os seres, apenas Deus e o homem podem fazer pactos. E é a aliança de Deus com o homem a espinha dorsal da Bíblia e da história. Somente por meio de  alianças pode o homem ser aquilo que Deus o criou para ser. E, apenas em aliança com Deus, o homem pode se relacionar com a criação como Deus deseja.

            Mas, a grande ironia disso tudo é que o homem, por ser imagem e semelhança de Deus, também herdou dele a capacidade para fazer coisas à sua imagem e semelhança (yo dawg). E, tendo o homem sido feito para adorar Deus, mas querendo fazer coisas parecidas com ele mesmo, a síntese catastrófica é a adoração a falsos deuses conforme convém. O homem foi feito para ser um reflexo, a imagem de Deus. Em lugar disso, o homem faz deuses para serem o seu reflexo. É intrínseco ao homem a pulsão por adorar e por ser justo, pois foi para isso que Deus o criou. Mas, rejeitando Deus, o homem satisfaz essas pulsões por obras próprias, invenções de sua imaginação, buscando nelas a plenitude da satisfação existencial, moral e intelectual. Agindo assim, o homem declara sua independência de Deus. A consequência óbvia e natural é a morte, pois Deus é vida (conforme 1João). Apartar-se de Deus e buscar significância e sentido apenas em si mesmo é suicídio.

            Entretanto, houve um homem que não seguiu essa tendência. Apenas um que realizou em plena perfeição o desígnio de Deus. Um que foi com total clareza, sem distorção alguma, a imagem do Deus invisível, alguém tão humano que pôde declarar verdadeiramente “quem vê a mim vê o Pai”. Isso mesmo, Jesus foi mais humano do que qualquer um. Veja o salmo 8 e a aplicação em Hebreus 1: o homem, sendo o ápice da criação e coroado de glória e honra, feito um pouco menor que os anjos – esse é o homem ideal, o homem que Deus criou originalmente, o homem que é aquilo que Deus lhe ordena que seja em Gênesis 1. Pela graça de Deus, os humanos ainda são amados por Deus dessa forma, conforme o salmo. Mas Jesus Cristo foi o perfeito homem do Éden. Aquele que realmente reina sobre a criação para a glória de Deus, aquele que de fato é o homem completo, que multiplica por toda a terra os filhos de Deus através de milhões de novos nascimentos pelo Espírito – e mais, que não é um homem criado por Deus, mas sim o único gerado, sendo assim totalmente semelhante a Deus. Esse é Jesus Cristo. E, somente por meio dele, pode o homem restaurar a sua aliança com Deus e tornar-se de acordo com o desígnio original da criação.

            André Duarte

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