Vou praticamente
plagiar a última aula da EBD da Semear, porque achei muito boa pra virar artigo.
Bem, costumamos pensar que somos salvos simplesmente porque Jesus morreu por
nós. Se, porém, pensarmos que a obra de Cristo para nos salvar consiste somente
de sua morte, o evangelho torna-se apenas uma mensagem emotiva, uma chantagem
emocional. Já vi pessoas pregando e dando essa tônica, como se dissessem “Puxa,
Jesus morreu por você e você nem liga?”. O erro do escolástico Pedro Abelardo
foi justamente pensar dessa maneira, que o sacrifício de Cristo só foi
necessário porque era a melhor maneira de conquistar o nosso amor e de dar o
exemplo para o amor ao próximo, devido a essa emoção de compaixão. De fato, a
morte de Jesus é o centro de sua obra. Mas, para a sua morte ser válida para a
salvação, foi necessário que esse sacrifício tivesse qualificações prévias e
desdobramentos para além da morte. É correto dizer que somos salvos por causa
da morte de Jesus, mas é mais completo dizer que somos salvos pela sua obra.
Qual é, então, a sua obra? Vamos entendê-la em seis pontos.
A encarnação de
Jesus. Essa é uma das principais ênfases de João em seu combate ao
gnosticismo, tamanha a sua importância. Também é o centro de toda a discussão
dos séculos pós-apostólicos a respeito da divindade de Cristo, a união de suas
duas naturezas (divina e humana) e até mesmo a questão da veneração de imagens.
1João 4 diz que, se alguém nega que Jesus veio em carne, é um anticristo. Ora,
a encarnação pressupõe que o Filho de Deus já existia antes de vir em carne. É
importantíssimo que Jesus tenha sido Deus e homem para nos salvar. Sendo Deus
preexistente, o valor do sacrifício de Jesus é infinito, e somente assim a infinita
dívida contra Deus pode ser quitada. Se o Deus Altíssimo foi ofendido pelo
pecado, somente ele tem poder para fazer reparação a si mesmo, pois
qualquer um que fosse menos que Deus já seria, por definição, imensamente
inferior a ele e incompetente para pagar a dívida do pecado (Aaah, a brilhante
teoria do bispo Anselmo!). Por outro lado, é também absolutamente necessário
que Jesus seja humano. Pois somente um humano poderia representar os humanos
diante de Deus. É necessário que o nosso substituto seja um igual a nós,
logicamente. Como homem, Cristo se identifica conosco, representa-nos e morre
como substituto. Pense também que o tornar-se humano já é um ato grandioso do
Deus eterno em amor por nós. Filipenses 2 aqui – Cristo, mesmo sendo Deus,
humilhou-se, deixando a glória e o paraíso, assumindo a condição fraca e
pequena do homem, vindo a ser mesmo um servo dos outros homens. Assim, desde a
sua encarnação, Jesus já estava iniciando a sua jornada para a nossa salvação.
A vida perfeita de
Jesus. Tendo se tornado humano, Jesus precisa viver como um humano. Sua
vida é marcada pela perfeita obediência à vontade de Deus. Jesus jamais pecou.
Pense que fascinante: Jesus jamais pecou em atos, em palavras ou mesmo em
pensamentos. Embora Jesus tivesse a fraqueza de uma vontade humana sujeita a
tentações, ele jamais cedeu a qualquer delas. Ele derrotou o diabo no deserto.
Lucas diz que Jesus foi tentado durante todos os 40 dias em que esteve lá – não
foram só aquelas três vezes descritas. Cristo era a palavra de Deus encarnada,
e da própria Escritura de Deus ele tirava o seu alimento espiritual. Jesus cita
a Bíblia o tempo todo. Foi com as Escrituras que ele derrotou a tentação do
diabo, e foi com ela que ele venceu os
seus inimigos. Com a máxima absorção da Bíblia, Jesus foi perfeitamente sábio
em tudo o que fez e jamais se desviou de qualquer dos mandamentos de Deus. Como
diz Hebreus 5, ele em tudo foi tentado e nunca pecou, sendo assim hábil como
sumossacerdote para se compadecer de nós. E por que a perfeita santidade de
Cristo é necessária? Ora, apenas o sacrifício perfeito poderia agradar a Deus e
aplacar a sua ira. Apenas alguém absolutamente justo poderia imputar sua
justiça aos pecadores. A imensa santidade de Deus não se satisfaz com nossos
melhores esforços, mas apenas com a vida perfeita do Senhor Jesus. Mesmo os
antigos sacrifícios já prenunciavam isso – Deus só se agradava dos animais sem
defeito. Nenhum pecador pode dar a vida pelo outro, pois ele também está em
dívida. Como um endividado ajudará o outro? Não, somente um homem perfeito, que
cumpriu tudo aquilo que cabe ao homem cumprir, é apto para ser um sacrifício
substituto, retirando a ira de Deus dos pecadores e justificando-os por sua
própria obra.
A morte humilhante
de Jesus. Havendo provado sua total aptidão e competência para sofrer em
nosso favor, Cristo submeteu-se à mais terrível provação que qualquer homem já passou.
Pense que Jesus sempre habitou no paraíso, em perfeita beatitude. Agora, ele
está sangrando, sofrendo o escárnio dos ignorantes, sua carne dilacerada, os
pregos dos chicotes arrancando pedaços de si, os cravos da cruz segurando seus
pulsos e pés, sendo chamado de mentiroso e ridículo. Mais do que tudo, Jesus
sofreu toda a ira de Deus devida aos pecados de toda a humanidade concentrada
apenas em si mesmo. Ele sofreu a mais terrível dor que o Filho Unigênito
poderia sentir – sua separação do Pai. Naquele momento, a Trindade foi
dividida. Jesus foi abandonado pelo Pai para sofrer sozinho, pois, tendo tomado
sobre si a maldição dos pecados, não pode o santíssimo Pai comungar com ele.
Cristo sofreu tudo aquilo que os pecadores devem sofrer. A máxima humilhação e
dor física que existia na época para castigar criminosos, o sofrimento
espiritual de receber o santo ódio de Deus – tudo o que nós merecíamos por
nossa afronta. Jesus não teve uma morte rápida e indolor, ele sofreu por longas
horas, como alguém condenado ao inferno. Mas é esse sacrifício que quita a
dívida humana contra Deus. É na morte de Cristo que morremos para o domínio do
pecado (Romanos 6), pois o seu sangue derramado purifica o nosso espírito,
conforme Hebreus 9. Na cruz, embora sendo total vítima, Jesus foi também
vitorioso sobre a maldição da Lei que nos condenava, pregando na cruz todo o
poder do diabo (Colossenses 2, Hebreus 2) e o poder do pecado e da morte.
A ressurreição
majestosa de Jesus. Mas como a morte poderia deter aquele que sobre ela
triunfou? Como o justo poderia ser destruído por Deus? Não, a missão de Cristo
como servo estava cumprida, mas sua missão como Rei estava para começar. No
terceiro dia após a sua morte, Jesus ressurgiu dos mortos. Jesus Cristo é a
própria vida eterna, é essencial que ele seja vivo. Sua ressurreição é a parte
complementar da sua morte; uma não pode ser eficaz sem a outra. Sua morte é o
fim do poder do pecado e da dívida; sua ressurreição é o início da nova vida em
santidade e eternidade. 1Coríntios 15 é o mais longo e detalhado texto que fala
da importância da ressurreição. Se Jesus tivesse apenas morrido e não
ressuscitado, o que ele poderia fazer por nós? Se até ele tivesse sido tragado
pela morte – ele, que é Deus eterno – que chance nós teríamos? Onde estaria o
seu poder para também nos ressuscitar no último dia? Colossenses 1 diz que
Jesus é o primogênito dentre os mortos, isto é, ele foi o iniciador da gloriosa
ressurreição para o Dia do Senhor. Mesmo que dois personagens do Antigo
Testamento (livro dos Reis) e mais alguns no Novo já haviam ressuscitado antes
de Cristo, eles apenas voltaram à vida corrupta para morrerem de novo. Quando
Jesus ressuscitou, ele já estava em seu corpo glorioso, de cuja substância
também participaremos quando formos renovados.
Se Cristo não houvesse ressuscitado para a vida eterna e pura, nem nós
seríamos. Sua ressurreição, dessa forma, é parte essencial de sua obra de
salvação.
A ascensão de Jesus. Raramente pensamos
na importância de Jesus ter subido ao céu. Entretanto, se o homem Jesus voltou
à sua santa habitação celestial, significa que ele recuperou toda a sua
plenitude divina que ele tinha antes de ter encarnado. Os sermões de Atos frequentemente
mencionam a ascensão de Jesus, embora não com esse termo. A recuperação de
Jesus de seus poderes no céu foi a sua recompensa como o servo obediente na cruz.
Isso significa que tudo voltou a ser como antes? De forma alguma. De fato,
Jesus voltou a reinar sobre o universo, mas o seu novo reino tem consequências
derivadas de sua missão como homem. Sentado no trono à direita de Deus, Cristo
é o sumossacerdote que eternamente intercede por nós. Sempre que pecamos, Jesus
apela a Deus para o seu sacrifício, para que nenhuma condenação caia sobre nós.
Por isso dizemos que o sacrifício foi único, mas que o sacerdócio é eterno.
Hebreus nos ensina que Jesus serve no tabernáculo celestial, não mais se sacrificando,
mas baseando a sua defesa por nós no seu sacrifício. Por essa razão, temos o
eterno perdão de Deus. A atuação constante de Cristo por nós no céu é o
sustentáculo de nossa salvação e é a parte complementar de sua obra sacrificial
(veja outro motivo porque não são nossas obras que sustentam a nossa salvação).
Além disso, Jesus, uma vez no céu, envia o Espírito Santo sobre a Igreja. Na
última ceia, Jesus falou muito sobre a importância de sua ida para longe dos discípulos,
embora não fosse abandoná-los, justamente porque seria a única maneira de ele
enviar o Paráclito. O Espírito Santo
é o agente de Cristo que provê para a sua Igreja a santificação, o consolo, o
discernimento, a sabedoria – isto é, é o próprio Espírito de Jesus em nós.
Assim como ele esteve corporalmente conosco, também está agora espiritualmente.
Para a existência e a manutenção do seu reino da terra, foi necessário que ele subisse para junto de Deus, a fim de que ele continue reinando,
intercedendo e guiando os seus pelo Espírito. Assim a ascensão é parte de sua
obra salvífica.
O retorno de Jesus. Essa é a parte
referente à nossa salvação futura. Assim como fomos salvos pela vida, morte e
ressurreição de Jesus, e somos salvos continuamente pela sua atuação no céu,
também seremos salvos quando ele retornar visivelmente. O seu retorno é a
consumação de toda a história dirigida por Deus para a sua glória. É a
renovação de todas as coisas, a volta do paraíso perfeito, o novo e melhor
Éden. Será o ponto culminante de toda a comunhão com Deus, a nossa união com o
Filho. O fim de todo pecado, a destruição completa do mal e a total santidade e
majestade do reino de Deus sobre os homens. Será o cumprimento de tudo aquilo que
Jesus fez antes. A eternidade, a glória, a felicidade. O juízo de Deus e a sua
redenção finais. Enfim, toda a dor terá findado, e a maravilha da beleza de
Deus será plena para todos os seus filhos. Assim seremos salvos. A essa
esperança nos agarramos.
André Duarte
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