quinta-feira, 18 de abril de 2013

O amor, a fé e os mandamentos



           Quando pensamos em salvação e relacionamento com Deus, costumamos pensar apenas na questão de fé. Afinal, toda a teologia protestante é firmada na doutrina da justificação pela fé, o tema central de Romanos e Gálatas. Eu mesmo uso muito esse raciocínio. Quero, agora, desafiar a mim mesmo a falar um pouco sobre a supremacia do amor, o que costuma ficar em segundo plano.
           
Pois a justificação pela fé é, na verdade, uma linguagem para expressar uma realidade que, em outras textos da Escritura, recebe outros termos. Embora seja conhecida como a marca paulina, a justificação pela fé quase não aparece nas outras cartas de Paulo e nem nas de outros apóstolos. A carta aos Efésios expõe toda a salvação realizada por Cristo sem mencionar justificação pela fé. Agora, vamos pensar em João: os escritos joaninos falam muito a respeito de doutrina e fé, mas são centrados no amor. Como entender essa relação entre amor e fé? São aspectos diferentes da mesma realidade metafísica, ou conceitos bem distintos? Vemos que, em 1Coríntios 13, Paulo diz que o amor é maior que a fé. No entanto, não penso eu que Paulo esteja falando da mesma fé salvadora e primordial de Romanos e Gálatas. Pois, em 1Coríntios, essa fé viva e suficiente não é comentada. A fé em 1Coríntios é um termo para visão otimista. No capítulo 12, Paulo diz que alguns recebem o dom da fé, e não é possível que isso se refira à fé necessária para todos os crentes serem salvos. No próprio capítulo 13, Paulo diz “ainda que eu tivesse uma fé capaz de mover montanhas, se não tivesse amor...” Ora, essa descrição da fé em nada se relaciona com a confiança da vida em Jesus, mesmo porque é impossível que a fé salvadora de Romanos seja vazia de amor. Por essas razões, penso que, quando Paulo distingue entre amor e fé no fim do capítulo 13, essa fé não é a fé da justificação e salvação, mas sim esse dom visionário e assertivo mencionado antes.
           
Quando vamos para João, vemos a fé essencial unida ao amor. Isso nem sempre fica explícito. Em João 6, por exemplo, vemos que a multidão é acusada de não crer em Cristo e, ao mesmo tempo, é patente que ela não tinha amor a ele, mas apenas aos seus benefícios. Também, assim como aprendemos com Paulo que a fé necessariamente resulta em obediência, vemos em João que o amor é expresso na prática das ordenanças. Fé e amor são inseparáveis. A fé em Cristo produz imediatamente amor por ele, e o amor a Cristo cumpre o propósito da fé. Por conseguinte, como bem explica João, é necessário amar Deus para ser salvo. É tão correto falar da salvação pela fé quanto da salvação pelo amor. E, assim como essa fé é definida biblicamente, também é o amor salvador. Esse é um ponto difícil para compreendermos, porque não estamos tão acostumados a pensar em termos de amor como estamos em termos de fé e, consequentemente, os conceitos mundanos sobre amor nos afetam mais do que os erros sobre a fé. Como compreender o amor salvador à luz da Bíblia?
           
Amor é autossacrifício. Assim como fé em Jesus significa confiar em toda a sua obra e sua palavra para nossa salvação, resultando em uma total entrega de nós mesmos e o abandono do pecado, o amor – bem, é tudo isso também. Talvez, na nossa imaginação, amor e fé tenham cores e texturas diferentes, mas existencialmente são a mesma coisa. Por isso, podemos falar sobre amor com tanta centralidade quanto falamos sobre a fé.

Amor é, também, a nossa resposta ao amor de Deus. João diz que Deus é amor. Amar é divino. Por conseguinte, é impossível que o amor surja de nós mesmos, por esforço próprio, força de vontade. Nós apenas amamos Deus porque ele nos amou primeiro. É o amor de Deus que conquista o nosso. Quando Jesus doou sua vida por nós, ele o fez por amor ao Pai, para cumprir sua vontade, e por amor a nós, para sermos resgatados. Agora, perceba que não basta a ideia de que Deus ama todo mundo automaticamente para nos cativar a amá-lo. O que nos move a amá-lo é o fato de que o amor dele foi custoso. Deus tanto nos amou que se dispôs a pagar pessoalmente o preço da nossa salvação. Vendo nós em dívida, totalmente perdidos e condenados, Deus mostrou-se tão amoroso que não poupou seu único Filho por nós. É essa realidade que nos move a responder com amor. Nós não conquistamos o amor dele por nada que fizemos, mas foi ele quem nos amou primeiro quando ainda éramos rebeldes.

Quando somos conquistados por Jesus pelo amor, podemos realmente servi-lo. Pois Cristo nada amou neste mundo a não ser os seus perdidos a quem resgatou. Da mesma forma, não mais necessitamos amar o mundo, visto que temos o único amor que importa, o amor de Deus. Somente a ele precisamos amar. Apenas o amor a Deus é plenamente satisfatório. Dessa maneira, entendemos porque o amor a Deus e o amor ao próximo são os maiores mandamentos. Se amamos Deus com toda a nossa vida, não mais amamos as vaidades que ele odeia. Se Deus ama também o nosso próximo, não nos damos o direito de não fazer o mesmo. Se amamos Deus, como não amaremos quem ele também ama? Essa é a base da obediência a Deus e do amor ao próximo.

Perceba o contraste com o amor mundano. O mundo ensina que o amor é um forte sentimento. É dessa forma que muitos crentes “amam” Deus: sentindo um grande acalento ao pensar nele, com fortes emoções, mas ignorando o que ele ordena. Em outro aspecto que resulta na mesma consequência, o amor mundano é totalmente relativo. Isto é, “quem realmente ama não impõe regras”. Ora, faz algum sentindo você dizer que ama o seu pai, mas não obedecer ao que ele diz? Ou dizer que ama sua esposa enquanto adultera contra ela? O amor a Deus é comprovado pela obediência. Pois o amor de Cristo também dependeu de completa obediência ao plano do Pai. Quem não obedece aos mandamentos de Deus não o ama, sendo totalmente irrelevantes as emoções chorosas em ministrações e as mensagens gospel no Facebook. A ação da obediência é tão importante que ela não depende do sentimento do amor a Deus. Isto é, você deve obedecer a Deus por amor a ele mesmo se não estiver com vontade. Parece contraditório à nossa maneira de pensarmos em amor. Pensamos que, se não estivermos com vontade de obedecer às regras de Deus, é melhor não obedecer, senão não seremos “autênticos”, ou cairemos em “legalismo”. Mas o amor a Deus é também mostrado nisto: servi-lo e agradá-lo mesmo se você teve um dia ruim ou de está de má vontade. Se você obedece a Deus apenas quando tem vontade, está amando apenas a si mesmo, por considerar que sua vontade é mais importante que a de Deus. O amor a Deus de forma alguma excluirá a vontade. Mas é a ação que antecede o ânimo, e não o contrário. Pratique o que Deus ordena por amor a ele, não por amor próprio, e você aprenderá a ter deleite nisso.

Quanto ao amor ao próximo, ele vem em segundo lugar porque ele depende do amor a Deus. Jesus disse que Deus concede sol e chuva aos justos e aos ímpios. Isto é, Deus mostra bondade até mesmo com os perversos. Da mesma forma, devemos amar as pessoas mundanas. Esse amor depende também da definição do amor de Deus. Não significa gentileza diante das práticas perversas delas, não significa a troca da repreensão pela aprovação. Pessoas mundanas precisam ser exortadas com a verdade de Deus, e isso é o um ato de amor muito maior do que apenas o sorrir e ser compreensivo. Pois, como essas pessoas se arrependerão e serão salvas para o amor a Deus se não forem convocadas? É importante também que os mundanos não participem plenamente das bênçãos eclesiásticas que aos salvos foram dadas; do contrário, poderão pensar que são salvos simplesmente por conviver com os santos e estarão mais perdidos do que nunca. A verdade deve ser proclamada, e  a dureza do evangelho não pode ser escondida para não ofender, pois não há maior ato de condenação do que mascarar a límpida mensagem de salvação com palavras agradáveis.

Ainda mais crucial é o amor aos irmãos. Isso é tão sério que João diz que, se alguém não ama o seu irmão, nunca conheceu Deus. São os irmãos que foram salvos e perdoados por Deus. Como não perdoaremos quem Deus já perdoou? Como não comungaremos com alguém que é unido a nós pelo mesmo Espírito? Como deixaremos de ajudar alguém a quem Deus se dispôs a ajudar ao custo de seu Filho? Como não repreender um irmão em pecado, se Deus também disciplina a quem ama? Jesus ensina que devemos servir em amor aos nossos irmãos assim como ele o fez primeiro. O amor é o ser de Deus, e a Igreja é chamada a imitá-lo em seu caráter. O amor de Deus em nós é princípio do nosso amor a ele e do nosso amor aos irmãos. Assim, somos todos unidos pelo amor selado pelo Filho de Deus através do seu Espírito. 1Coríntios 13 é mais do que uma descrição do amor entre irmãos, mas é também a exposição do amor que Deus dispensou a nós primeiro. Viva com essa base, e essa será a prova de sua salvação.

André Duarte

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