Quando pensamos em salvação e
relacionamento com Deus, costumamos pensar apenas na questão de fé. Afinal,
toda a teologia protestante é firmada na doutrina da justificação pela fé, o
tema central de Romanos e Gálatas. Eu mesmo uso muito esse raciocínio. Quero,
agora, desafiar a mim mesmo a falar um pouco sobre a supremacia do amor, o que
costuma ficar em segundo plano.
Pois a
justificação pela fé é, na verdade, uma linguagem para expressar uma realidade
que, em outras textos da Escritura, recebe outros termos. Embora seja conhecida
como a marca paulina, a justificação pela fé quase não aparece nas outras
cartas de Paulo e nem nas de outros apóstolos. A carta aos Efésios expõe toda a
salvação realizada por Cristo sem mencionar justificação pela fé. Agora, vamos
pensar em João: os escritos joaninos falam muito a respeito de doutrina e fé,
mas são centrados no amor. Como entender essa relação entre amor e fé? São
aspectos diferentes da mesma realidade metafísica, ou conceitos bem distintos?
Vemos que, em 1Coríntios 13, Paulo diz que o amor é maior que a fé. No entanto,
não penso eu que Paulo esteja falando da mesma fé salvadora e primordial de
Romanos e Gálatas. Pois, em 1Coríntios, essa fé viva e suficiente não é
comentada. A fé em 1Coríntios é um termo para visão otimista. No capítulo 12,
Paulo diz que alguns recebem o dom da fé, e não é possível que isso se refira à
fé necessária para todos os crentes serem salvos. No próprio capítulo 13, Paulo
diz “ainda que eu tivesse uma fé capaz de mover montanhas, se não tivesse
amor...” Ora, essa descrição da fé em nada se relaciona com a confiança da vida
em Jesus, mesmo porque é impossível que a fé salvadora de Romanos seja vazia de
amor. Por essas razões, penso que, quando Paulo distingue entre amor e fé no
fim do capítulo 13, essa fé não é a fé da justificação e salvação, mas sim esse
dom visionário e assertivo mencionado antes.
Quando
vamos para João, vemos a fé essencial unida ao amor. Isso nem sempre fica
explícito. Em João 6, por exemplo, vemos que a multidão é acusada de não crer
em Cristo e, ao mesmo tempo, é patente que ela não tinha amor a ele, mas apenas
aos seus benefícios. Também, assim como aprendemos com Paulo que a fé
necessariamente resulta em obediência, vemos em João que o amor é expresso na
prática das ordenanças. Fé e amor são inseparáveis. A fé em Cristo produz
imediatamente amor por ele, e o amor a Cristo cumpre o propósito da fé. Por
conseguinte, como bem explica João, é necessário amar Deus para ser salvo. É tão
correto falar da salvação pela fé quanto da salvação pelo amor. E, assim como
essa fé é definida biblicamente, também é o amor salvador. Esse é um ponto
difícil para compreendermos, porque não estamos tão acostumados a pensar em
termos de amor como estamos em termos de fé e, consequentemente, os conceitos
mundanos sobre amor nos afetam mais do que os erros sobre a fé. Como
compreender o amor salvador à luz da Bíblia?
Amor é
autossacrifício. Assim como fé em Jesus significa confiar em toda a sua obra e sua
palavra para nossa salvação, resultando em uma total entrega de nós mesmos e o
abandono do pecado, o amor – bem, é tudo isso também. Talvez, na nossa
imaginação, amor e fé tenham cores e texturas diferentes, mas existencialmente
são a mesma coisa. Por isso, podemos falar sobre amor com tanta centralidade
quanto falamos sobre a fé.
Amor é,
também, a nossa resposta ao amor de Deus. João diz que Deus é amor. Amar é
divino. Por conseguinte, é impossível que o amor surja de nós mesmos, por
esforço próprio, força de vontade. Nós apenas amamos Deus porque ele nos amou
primeiro. É o amor de Deus que conquista o nosso. Quando Jesus doou sua vida por
nós, ele o fez por amor ao Pai, para cumprir sua vontade, e por amor a nós,
para sermos resgatados. Agora, perceba que não basta a ideia de que Deus ama
todo mundo automaticamente para nos cativar a amá-lo. O que nos move a amá-lo é
o fato de que o amor dele foi custoso. Deus tanto nos amou que se dispôs a
pagar pessoalmente o preço da nossa salvação. Vendo nós em dívida, totalmente
perdidos e condenados, Deus mostrou-se tão amoroso que não poupou seu único
Filho por nós. É essa realidade que nos move a responder com amor. Nós não
conquistamos o amor dele por nada que fizemos, mas foi ele quem nos amou
primeiro quando ainda éramos rebeldes.
Quando
somos conquistados por Jesus pelo amor, podemos realmente servi-lo. Pois Cristo
nada amou neste mundo a não ser os seus perdidos a quem resgatou. Da mesma
forma, não mais necessitamos amar o mundo, visto que temos o único amor que
importa, o amor de Deus. Somente a ele precisamos amar. Apenas o amor a Deus é
plenamente satisfatório. Dessa maneira, entendemos porque o amor a Deus e o
amor ao próximo são os maiores mandamentos. Se amamos Deus com toda a nossa
vida, não mais amamos as vaidades que ele odeia. Se Deus ama também o nosso
próximo, não nos damos o direito de não fazer o mesmo. Se amamos Deus, como não
amaremos quem ele também ama? Essa é a base da obediência a Deus e do amor ao
próximo.
Perceba o
contraste com o amor mundano. O mundo ensina que o amor é um forte sentimento.
É dessa forma que muitos crentes “amam” Deus: sentindo um grande acalento ao
pensar nele, com fortes emoções, mas ignorando o que ele ordena. Em outro
aspecto que resulta na mesma consequência, o amor mundano é totalmente
relativo. Isto é, “quem realmente ama não impõe regras”. Ora, faz algum
sentindo você dizer que ama o seu pai, mas não obedecer ao que ele diz? Ou
dizer que ama sua esposa enquanto adultera contra ela? O amor a Deus é
comprovado pela obediência. Pois o amor de Cristo também dependeu de completa
obediência ao plano do Pai. Quem não obedece aos mandamentos de Deus não o ama,
sendo totalmente irrelevantes as emoções chorosas em ministrações e as
mensagens gospel no Facebook. A ação da obediência é tão importante que ela não
depende do sentimento do amor a Deus. Isto é, você deve obedecer a Deus por
amor a ele mesmo se não estiver com vontade. Parece contraditório à nossa
maneira de pensarmos em amor. Pensamos que, se não estivermos com vontade de
obedecer às regras de Deus, é melhor não obedecer, senão não seremos “autênticos”,
ou cairemos em “legalismo”. Mas o amor a Deus é também mostrado nisto: servi-lo
e agradá-lo mesmo se você teve um dia ruim ou de está de má vontade. Se você
obedece a Deus apenas quando tem vontade, está amando apenas a si mesmo, por
considerar que sua vontade é mais importante que a de Deus. O amor a Deus de
forma alguma excluirá a vontade. Mas é a ação que antecede o ânimo, e não o
contrário. Pratique o que Deus ordena por amor a ele, não por amor próprio, e
você aprenderá a ter deleite nisso.
Quanto ao
amor ao próximo, ele vem em segundo lugar porque ele depende do amor a Deus.
Jesus disse que Deus concede sol e chuva aos justos e aos ímpios. Isto é, Deus
mostra bondade até mesmo com os perversos. Da mesma forma, devemos amar as
pessoas mundanas. Esse amor depende também da definição do amor de Deus. Não significa
gentileza diante das práticas perversas delas, não significa a troca da
repreensão pela aprovação. Pessoas mundanas precisam ser exortadas com a
verdade de Deus, e isso é o um ato de amor muito maior do que apenas o sorrir e
ser compreensivo. Pois, como essas pessoas se arrependerão e serão salvas para
o amor a Deus se não forem convocadas? É importante também que os mundanos não
participem plenamente das bênçãos eclesiásticas que aos salvos foram dadas; do
contrário, poderão pensar que são salvos simplesmente por conviver com os
santos e estarão mais perdidos do que nunca. A verdade deve ser proclamada,
e a dureza do evangelho não pode ser
escondida para não ofender, pois não há maior ato de condenação do que mascarar
a límpida mensagem de salvação com palavras agradáveis.
Ainda mais
crucial é o amor aos irmãos. Isso é tão sério que João diz que, se alguém não
ama o seu irmão, nunca conheceu Deus. São os irmãos que foram salvos e
perdoados por Deus. Como não perdoaremos quem Deus já perdoou? Como não
comungaremos com alguém que é unido a nós pelo mesmo Espírito? Como deixaremos
de ajudar alguém a quem Deus se dispôs a ajudar ao custo de seu Filho? Como não
repreender um irmão em pecado, se Deus também disciplina a quem ama? Jesus
ensina que devemos servir em amor aos nossos irmãos assim como ele o fez
primeiro. O amor é o ser de Deus, e a Igreja é chamada a imitá-lo em seu
caráter. O amor de Deus em nós é princípio do nosso amor a ele e do nosso amor
aos irmãos. Assim, somos todos unidos pelo amor selado pelo Filho de Deus
através do seu Espírito. 1Coríntios 13 é mais do que uma descrição do amor
entre irmãos, mas é também a exposição do amor que Deus dispensou a nós
primeiro. Viva com essa base, e essa será a prova de sua salvação.
André
Duarte
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