terça-feira, 30 de abril de 2013

Cinco solas e a atualidade



        Se uma Igreja não é católica, ela deve ser, muito provavelmente, evangélica. E por que ela é evangélica, e não católica? Ah, porque, há 500 anos, Matinho Lutero rompeu com a Igreja Católica quando fez a Reforma Protestante. Aí, essa Igreja em questão, como não é católica, e por causa de sua ancestralidade, ela é do “grupo” da Reforma, certo?
           
Esse tipo de pensamento informal é muito comum para evangélicos que não conhecem sua história. Geralmente, pensa-se que evangélico é sinônimo de protestante. Essa ideia só faz sentido se pensarmos em ancestralidade. Quer dizer, se uma Igreja não é católica, pensamos que ela deve ter origem na cisão protestante da Idade Moderna (tirando ramos menos conhecidos, como católicos ortodoxos, monofisistas, nestorianos, etc). E, por causa da ancestralidade, assumimos que há uma similaridade doutrinária entre os ideais da Reforma e os da Igreja evangélica em questão. O problema é que, hoje em dia, isso frequentemente se prova errado. A maioria das igrejas evangélicas mal sabem o que os reformadores pensavam e raramente seguem suas interpretações. Se Lutero vivesse hoje, falaria contra os evangélicos tanto quanto falou contra os católicos.
           
Embora haja ramos diferentes do protestantismo – luteranismo, calvinismo, arminianismo, anglicanismo, etc –, os protestantes estão unidos pelas cinco “solas”. Se você escreve “cristão protestante” no facebook, deveria conhecer as cinco solas. E mais, deveria saber o que essas cinco solas significam no contexto protestante. Ei-las:
           
Sola Scriptura (somente a Escritura). Somente a Bíblia é a Palavra de Deus, inspirada, canônica, autoridade sobre fé e prática. Há dois subpontos aqui: a Tota Scriptura – a Bíblia inteira é Palavra de Deus, não apenas pedaços dela; e a Claritas Scriptura – a Bíblia é clara, inteligível para todo tipo de pessoa. Os reformadores afirmam com esse termo que a Igreja Romana erra em pensar que a tradição é tão inspirada quanto a Bíblia, que as decisões papais e conciliares são divinas, que a Bíblia tem um intérprete oficial extrínseco e que somente o clero é capaz de entendê-la. A Bíblia inteira é autoridade sobre a vida de cada crente e sobre a forma da Igreja.
            Portanto, se alguma Igreja evangélica despreza a capacidade de leigos entenderem a Bíblia; se os seus líderes pensam que falam palavras diretas de Deus no púlpito; se alguém acha que que teve uma visão, sonho, revelação ou profecia de uma verdade divina autoritativa, esse ente não é protestante e retornou aos erros do catolicismo. Se uma Igreja, oficial ou implicitamente, tem seu direcionamento inspirado em partes da Bíblia, contradizendo outros trechos, ela é uma nova seita relativista. Se algum pastor pensa que ele tem uma capacidade mais plena de entender a Bíblia que um leigo “não ungido”, ele trai sua afirmação de protestantismo. Se alguém firma a sua vida em textos favoritos e ignora os outros; se uma Igreja pensa que decisões conciliares, ordens pastorais e pregações no púlpito são inspiradas e canônicas; se alguém comete qualquer desses erros, retrocedeu aos paradigmas hereges medievais.
           
Sola Fide (somente a fé). Deus jamais se satisfaz com obras nossas para aplacar a sua ira contra nossos pecados. A única maneira de alcançar a absolvição de Deus e de ser por ele aceito é através da fé em Cristo. Somente a fé no que Jesus fez por nós, e não no que nós mesmos fazemos, é capaz de cumprir o requerimento de Deus. Quem crê em Jesus e em sua obra é aceito por Deus. Essa doutrina se contrapõe à ideia romana de que a salvação é por fé mais obras, isto é, que é necessário cumprir ordens além de crer em Jesus. Protestantes, entretanto, sabem que as obras são necessárias, mas que elas não podem ser efetuadas independentemente da verdadeira fé, pois é a fé que produz as obras. Assim, confiar em obras para a salvação é heresia. Também, por consequência da sola scriptura, é heresia pensar que existem obras para serem cumpridas além daquelas indicadas pela Bíblia.
        Por essa razão, todo aquele que desloca a fé em Cristo para a fé no líder, ou no programa, ou na sensação do templo está cometendo idolatria. Se alguém ora tendo fé em sua própria oração, e não no Deus que é sábio e soberano, adora a si mesmo. Quem confia em qualquer obra humana para ser amado por Deus não o conhece. Se alguém pensa que permanecerá em Cristo por causa de uma rotina de devocional inflexível, ou acha que a segurança da Igreja está nas mãos do líder, ou define fé como uma vida pautada por certas regras ascéticas, ou catexiza a fé em qualquer pessoa, objeto, prática, rotina ou sentimento, tirando a exclusividade de Jesus, esqueça que concorda com a Reforma. De igual modo, todo aquele que esvaziar a fé de seus bons frutos, definindo-a como uma simples profissão oral, capacidade sentimental ou abstração mental comete transgressão contra o evangelho. Se alguém pensa que a fé consiste de uma oração “aceitando Jesus” e uma vida medíocre, dando frutos carnais, precisa de arrependimento. Quem diz que crê em Cristo mas, na verdade, crê em sua própria performance religiosa, iludindo-se por uma sensação de estabilidade e conforto, é mentiroso. Quem professa fé em Jesus, mas não obedece-lhe como o Senhor que ele é, incorre em incoerência fatal. Se algum pastor ensina que é necessário praticar certas obras além da própria obra da fé, é, na melhor hipótese, um neófito.   
           
Sola Gratia (somente a graça). Protestantes sabem que nunca merecerão o favor de Deus. Não é por qualquer coisa que façamos que Deus nos aceita, mas unicamente por sua graça dada por meio do que Jesus já fez. Deus nos ama mesmo que sejamos pecadores, pois, quando ele nos olha, são os méritos de Cristo que ele vê, não os nossos. Quem crê em Jesus recebe o dom da graça de Deus, porque Cristo satisfez a justa ira e nos concedeu o seu favor imerecido. Nossas obras de justiça não valem nada, jamais melhorariam o saldo nos nossos pecados. Somente a graça de Deus é o motivo de sermos salvos e é o poder para nos libertar do domínio do pecado. Não é, por exemplo, através de muitas orações, jejuns ou da compra de indulgências que alcançamos a bondade de Deus.
Dessa forma, se alguém pensa que é salvo por causa de suas obras de justiça, é herege. Se alguma Igreja prega que o apego às ordens morais é suficiente para subjugar a carne, não conhece o evangelho. O pastor que acrescenta regras humanas para a justificação é desviado, e quem pensa que o amor de Deus vem por causa da mais recente performance religiosa comete idolatria. Qualquer tipo de ascetismo crido como necessário ou de cargo ministerial ocupado com o fim de assegurar a aceitação de Deus é odioso aos olhos do Senhor que realizou toda a obra necessária. Se alguém, de maneira ridícula, diz que crê na graça de Deus, mas pensa que é preciso obedecer a certas regras para assegurar essa graça, está confuso e perdido. Quem diz que é salvo pela graça, mas pensa que a segurança dessa salvação está nos últimos atos morais praticados, não sabe o que diz e não conhece o Senhor. Igualmente, quem fala sobre a graça enquanto se deleita no pecado é hipócrita e não compreendeu nada. Quem usa a graça de Deus para abrandar a gravidade do pecado, e não para nela encontrar refúgio contra as tentações, zomba do Espírito. A Igreja que vive uma graça que é mera abstração e sentimento, e não um real poder para fortalecer o espírito contra a carne, e busca esse poder em moralismos rígidos e extra-bíblicos ainda não foi reformada, mas vive a perdição romana medieval.

Solus Christus (somente Cristo): Jesus Cristo é tudo o que precisamos para cumprir o propósito para o qual fomos criados. Somente nele há salvação, apenas nele há santificação. Jesus é o único Cabeça da Igreja. Para os reformadores, isso significava que o papa não é o chefe da Igreja, que o clero usurpa o sacerdócio único de Jesus Cristo, que a missa não pode ser uma repetição do sacrifício dele. Jesus Cristo fez uma obra perfeita, a qual foi única e suficiente na história, e toda a vida cristã é fundamentada nisso. Jesus pagou o preço dos nossos pecados, transferiu seus méritos para nós, purificou o nosso espírito pelo seu sangue e nos deu vida eterna em sua ressurreição. E, agora, assentado no trono, ele governa a Igreja conforme deseja, pelo seu Espírito.
Qualquer pastor que se pronuncie como o chefe incontestável, o “intocável ungido do Senhor”, é um anticristo. Qualquer Igreja que tem as ordens e as palavras do seu pastor em primazia sobre as de Cristo é idólatra e anátema. Qualquer crente que busque acrescentar rituais e programas espirituais à obra de Cristo para fortalecer o acesso a Deus está dividido entre dois senhores. Se alguém pensa que há alguma obra pendente a ser feita além do que foi efetuado por Jesus, não o reconhece como único e suficiente Salvador. Se uma Igreja assume autoridades eclesiásticas paralelas à de Jesus, como chefes inspirados e inerrantes, está cega. Se um pastor pensa que o seu governo sobre a Igreja é automaticamente aprovado por Jesus devido ao seu posto, é um usurpador do Cabeça. Se alguém desobedece a Jesus para obedecer ao pastor, esclareceu quem é o seu senhor. Aquele que pensa no pastor como um sacerdote, isto é, alguém que faz a mediação entre o leigo e Deus, retornou ao catolicismo. Quem pensa que pode aumentar sua comunhão com Deus em função de sua atuação ministerial ou de seus dons escandalosos, e não por causa da completa e perfeita obra sacerdotal de Jesus, está em grave erro. Quem busca se santificar com base na própria vontade, e não no sacrifício eficaz de Cristo, proclamou a si mesmo como Salvador e não reconhece a própria fraqueza. O pastor que lidera a Igreja com base em uma suposta vitaliciedade e inerrância, e não como humilde servo do Senhor Jesus, não conhece nem a si mesmo nem ao Senhor. Se alguém se submete ao Espírito Santo para dele aprender ou receber qualquer coisa alheia à glorificação de Jesus, é ignorante quanto ao Deus que diz servir. E toda Igreja que, em seus ensinos e pregações, não invoca a obra de Cristo para a salvação, mas atém-se apenas às regras e à autoestima, está apartada do evangelho.

Soli Deo gloria (somente a Deus a glória). Significa que tudo o que fazemos, dentro e fora da Igreja, tem como finalidade a glória de Deus. E a glória deve ser dada somente a ele, contrariando a doutrina da glória dada a Maria, aos santos, aos anjos e ao papa. Não há ninguém digno de toda a glória a não ser Deus, pois somente ele é a razão de todas as coisas. Dele procedem todas as bênçãos, dele é o governo absoluto, dele é a eternidade e a perfeição, dele é a boa e soberana vontade. A Igreja não existe senão para ele.
Portanto, a Igreja que glorifica os seus líderes é idólatra. Líderes que se proclamam como celebridades, buscando aplausos para suas inflamações orais, amando a bajulação, bem como as igrejas que os apoiam e os servem nessas coisas, esqueceram-se de Deus. O líder que pensa que a Igreja é sua, e não de Deus, erra gravemente. Se uma Igreja sacraliza programas, mantras, lemas e metas, como se fossem inabaláveis, inquestionáveis e divinamente inspirados, desviou-se de dar glória somente a Deus. A Igreja que busca se afirmar por meio da propaganda voltada às suas próprias qualidades, ou por artifícios estranhos à Palavra que a tornam admirável perante o mundo, que preocupa-se mais com crescimento numérico e financeiro do que com a santidade de seus membros, que proclama-se como o verdadeiro organismo capaz de conquistar o mundo, que vive para satisfazer os desejos e ordens do seu líder e não os de Deus, essa Igreja glorifica a si mesma e dispensa o Cabeça. Se uma pregação tem como finalidade glorificar qualquer evento, programa, resolução ou pessoa, mesmo que seja personagem bíblico, além de Deus, ela é herege em seu fim. Se um crente, uma Igreja ou um pastor achar que existe para cumprir qualquer outro objetivo que não for a glória de Deus, deve se arrepender.

Sabendo dessas coisas, seja coerente. Você é um cristão protestante que resgatou a doutrina dos apóstolos, ou pertence a qualquer seita que se pareça com cristianismo?

           André Duarte

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