Já existem posts
sobre quase todos os elementos da liturgia. Já comentei sobre o sermão, sobre a
oração (embora não a litúrgica), os sacramentos, liderança da Igreja, comunhão,
evangelismo. Embora sejam todos assuntos que mereçam mais atenção, vou colocar meus
pensamentos sobre o louvor litúrgico, isto é, o louvor expresso por meio da
música durante um culto público. Defino assim esse tema porque louvor, como é
do senso comum, é expresso em todo tipo de ato feito para a exaltação de Deus;
entretanto, é da linguagem usual chamar a música de “louvor”. É sobre isso que
escrevo aqui.
Durante a
história da Igreja, esse tem sido um assunto que muito recebeu a atenção dos
teólogos. Nunca foi motivo de descaso. O entendimento da Igreja sempre foi de
que o louvor com música é parte essencial do culto congregacional, devido ao
legado dos salmos no velho templo. Por conseguinte, uma distorção no louvor
afetará a adoração como um todo, enquanto um louvor adequado é eficaz para a
edificação espiritual da Igreja. Talvez seja importante, didaticamente, dividir
a forma do louvor em três momentos: a forma da Igreja Católica Romana, a do
protestantismo tradicional e a do neopentecostalismo – esse último, tendo
aparecido há poucas décadas. A Igreja Romana trabalhava o louvor por meio de um
coral, que cantava em latim. O povo, consequentemente, não conseguia
participar, por não compreender a letra. Na Reforma, houve todo aquele
cuidado para que o culto fosse feito na língua vernácula. As pessoas foram
incentivadas a participar cantando. Em algumas igrejas, era permitido o
instrumento do órgão. Até a primeira metade do século XX, o louvor era cantado
pelo povo, dirigido ainda por um coral, por meio de hinos. Ainda hoje existem
igrejas tradicionais que usam o hinário Cantor Cristão. As Assembleias de Deus
usam a Harpa Cristã. Em igrejas negras, o estilo musical dos hinos era um tanto
diferente, mais emotivo, passional. A renovação do neopentecostalismo mudou
completamente a maneira do louvor em igrejas que imitaram esse “avivamento”. O
louvor eclesiástico passou a refletir a revolução do rock, com a mania por
bandas, instrumentos elétricos e barulhentos. A ideia é que o louvor fosse
feito com mais emoção, sem aquela sensação mecânica que, segundo a opinião dos
revolucionários da época, caracterizava os antigos hinos.
Não quero cair em
um extremismo de dizer que o louvor por hinos é o certo e o louvor por músicas
modernas com bandas é o errado. Se eu fizesse isso, estaria apenas sacralizando
um modelo cultural para condenar outro. Mas é importante fazer críticas a esse
louvor moderno, pois os seus danos não são poucos. Não porque o princípio dele
seja essencialmente errado, mas porque suas consequências factuais foram, sob
muitos aspectos, desastrosas. Em primeiro lugar, é um louvor que se alheia de
sua comunhão histórica com outros protestantes, na maioria dos casos. As bandas
de louvor costumam prezar por novidades, as músicas mais novas, como se o mais
novo fosse potencialmente mais interessante. Ora, os hinos têm inspirado os
cristãos por séculos, e apenas modernamente existe essa resistência, essa
rejeição. Mas esse paradigma de preferir a novidade ao tradicional é uma ideia
mundana. São os mundanos que consideram as coisas velhas como descartáveis e
inúteis.
Entretanto,
a idade das músicas não pode ser o único critério para a escolha e a
performance delas. Vamos supor que os hinos de antigamente fossem hereges e as
músicas de hoje representassem uma reforma teológica. Nesse caso, obviamente o
mais novo seria melhor. Mas o caso parece ser exatamente o contrário. Se você
passar cada uma das músicas cristãs da história pelo crivo da verdade bíblica,
da adequação pública e do cumprimento da finalidade de exaltar o nome de Deus,
o antigo supera o novo imensamente. Quase todos os hinos antigos são ortodoxos
e centrados em Cristo, enquanto as músicas modernas são frustrantemente rasas
na teologia, quando não completamente erradas, centradas no homem e, como se
não bastasse, de uma musicalidade e poesia pobres. Não digo que são todas assim.
Algumas músicas de hoje ainda se salvam, mas são grãos de ouro num monte de
areia. Você já deve ter reparado em quantas canções de hoje recebem críticas de
alguns poucos que se dispõem a fazer a análise. E os hinos antigos, quantos
deles você consegue criticar?
Repare na
centralização no homem. Como as músicas de hoje falam “eu”. Tudo “eu”. Eu é que
louvo, eu adoro, eu prospero, eu obtenho a vitória, eu faço, eu falo, eu me
prostro. Alguns desses “eus” estão totalmente errados, outros estão certos,
mas, mesmo para os que estão certos, não devem eles predominar sobre os versos
que têm como sujeito Deus. Deus é mostrado simplesmente como um abençoador dos
meus interesses nessas músicas. Pegue cada música e pergunte “essa música está
louvando Deus ou louvando a mim mesmo?”. Não é suficiente que a música diga
coisas boas sobre Deus. Se Deus é louvado por servir ao meu bem-estar, não é
realmente um louvor a Deus.
A
centralidade no homem ultrapassa a letra das músicas. Ela também se mostra
presente quando o louvor vira um show. Você sabe que existem louvores que nada
mais são do que bandas fazendo shows com uma letrinha gospel. Isso é
especialmente perigoso para qualquer banda. Algumas bandas realmente conseguem
deixar transparecer humildade e desviar a atenção de si para Deus, mas isso é
bem difícil. O caráter animado e festivo das músicas é outro fator que
contribui para o foco no talento dos músicos. (Mais uma vez, não estou falando
de um princípio necessário que vai atingir qualquer banda de louvor, mas sim da
generalidade dos casos concretos.) Ora, uma série de músicas que falam sobre o
eu com uma banda que ostenta seus talentos não está realmente adorando Deus.
E ainda
existe mais um aspecto da centralidade no homem: a ideia de que o louvor é o
momento da “ministração”, isto é, do seu êxtase espiritual. Na maioria das
vezes, a finalidade é levar as pessoas a elevar seus sentidos para fazer um
contato superior com Deus, com expressões emotivas, por meio de uma música
repetitiva que serve para “criar um clima”. Já reparou que as músicas
frequentemente servem de instrumento acalentador das emoções para facilitar o
êxtase? E fica a questão: biblicamente, é para isso que serve o louvor? As
músicas devem ser feitas para deixar você mais emotivo e mais fragilizado? Repare
no fundamento dessa ideia: as emoções são a causa para uma contemplação do
divino e para o arrependimento. Esse fundamento está totalmente errado. É a
verdade do evangelho que me leva ao arrependimento e à adoração passional, não
emoções forçosamente induzidas. Se o evangelho estiver presente e profundo na
música, ela será muito mais eficaz para a edificação e prescindirá totalmente
desses climas forçados. A consequência desse estilo de música ministrador é,
mais uma vez, a centralidade no homem: o louvor existe para aquecer o meu
coração, para que Deus resolva meus problemas internos, para me dar uma
sensação gostosa.
Outra
consequência desse louvor estilo rock é a banalização da grandeza de Deus.
Músicas exageradamente festivas pressupõem que a adoração a Deus deve ser
corporalmente expressiva da emoção “alegria” – outras emoções não são
importantes. Quando um ministro diz que eu sou livre para cantar, sair do meu
lugar, pular e gritar, minha pergunta é: tudo bem, mas sou livre também para
não fazer essas coisas? Deus é drasticamente reduzido se eu penso nele apenas
como uma pessoa legal que me dá alegria. E, mais uma vez, é uma alegria forçada
pelo barulho da música, pela interminável repetição de versos e pela própria
alegria do ministro. Mas, quando eu me deparo com uma música que chama a
atenção para Deus, e não para o clima, que me apresenta o evangelho em música,
e não letras rasas, eu sinto emoções genuínas de alegria pela salvação,
tristeza pelo meu pecado, espanto pela soberania de Deus, paz pela sua
segurança, contrição pela minha condição humilde. A impressão de que hinos são
uma adoração mecânica é errada, embora não faltem exemplos de pessoas que assim
os usam. Muito mais mecânica é a emoção expressiva induzida (e, às vezes,
coagida) por elementos externos da situação – barulho, repetição, apelos do
ministro.
A
preocupação de quem apoia o louvor por bandas é a relevância cultural delas. Ou
seja, descrentes prestam muito mais atenção em bandas do que em hinos antigos.
Essa é uma preocupação legítima. Mas, até que ponto um louvor deve se adaptar
culturalmente? Os músicos devem ostentar seus dons, como os músicos seculares
fazem em seus shows? Ela deve induzir animação corporal, com saltos e gritos?
Ela deve prezar mais pelo barulho dos instrumentos do que por uma letra
verdadeira e profunda? Aqui, vou apresentar a opinião que aprendi com a tese de
mestrado do Zazo. É bom que os louvores se adaptem culturalmente, mas não
tanto. Se você adaptar demais, você só vai dar ao povo o que eles querem. Se
adaptar de menos, poucos o ouvirão. E que ensino bíblico existe sobre essa
moderação na adaptação cultural? Os salmos de louvor. É óbvio que os salmos são
perfeitamente ortodoxos, infinitamente profundos, completamente centrados na
exaltação de Deus. Mas eles não são estranhos à cultura pagã. Frequentemente os
salmos falam sobre como Deus criou e governa sobre os astros – e isso chama a
atenção de pagãos que adoram os corpos celestiais. O salmo 104 menciona o
Leviatã, uma figura mitológica dos cananeus, e diz que foi Deus quem criou o
Leviatã para que ele brinque no mar – ou seja, o ensino da superioridade de
Deus sobre quaisquer elementos da natureza. Os salmos mencionam cidades
conhecidas, países estrangeiros. Eles aludem o tempo todo para a inutilidade de
ídolos. Veja que maravilhosa comunicação cultural! Os salmos não são fechados à
realidade do judaísmo, e nem são prejudicados em seu conteúdo e formalidade
para chamar a atenção dos descrentes.
Os músicos
de Igreja precisam aprender a fazer como os salmistas: combinar com excelência
o seu ensino teológico verdadeiro e profundo, bem como a finalidade de colocar
a atenção em Deus, com a relevância cultural para chamar a atenção de
descrentes. Os elementos do mundanismo devem aparecer nas músicas para serem
rechaçados pelo evangelho, não para suprimirem o evangelho e serem reforçados.
André
Duarte
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