quinta-feira, 11 de abril de 2013

Louvor litúrgico e os pressupostos de sua adequação



            Já existem posts sobre quase todos os elementos da liturgia. Já comentei sobre o sermão, sobre a oração (embora não a litúrgica), os sacramentos, liderança da Igreja, comunhão, evangelismo. Embora sejam todos assuntos que mereçam mais atenção, vou colocar meus pensamentos sobre o louvor litúrgico, isto é, o louvor expresso por meio da música durante um culto público. Defino assim esse tema porque louvor, como é do senso comum, é expresso em todo tipo de ato feito para a exaltação de Deus; entretanto, é da linguagem usual chamar a música de “louvor”. É sobre isso que escrevo aqui.
           
Durante a história da Igreja, esse tem sido um assunto que muito recebeu a atenção dos teólogos. Nunca foi motivo de descaso. O entendimento da Igreja sempre foi de que o louvor com música é parte essencial do culto congregacional, devido ao legado dos salmos no velho templo. Por conseguinte, uma distorção no louvor afetará a adoração como um todo, enquanto um louvor adequado é eficaz para a edificação espiritual da Igreja. Talvez seja importante, didaticamente, dividir a forma do louvor em três momentos: a forma da Igreja Católica Romana, a do protestantismo tradicional e a do neopentecostalismo – esse último, tendo aparecido há poucas décadas. A Igreja Romana trabalhava o louvor por meio de um coral, que cantava em latim. O povo, consequentemente, não conseguia participar, por não compreender a letra. Na Reforma, houve todo aquele cuidado para que o culto fosse feito na língua vernácula. As pessoas foram incentivadas a participar cantando. Em algumas igrejas, era permitido o instrumento do órgão. Até a primeira metade do século XX, o louvor era cantado pelo povo, dirigido ainda por um coral, por meio de hinos. Ainda hoje existem igrejas tradicionais que usam o hinário Cantor Cristão. As Assembleias de Deus usam a Harpa Cristã. Em igrejas negras, o estilo musical dos hinos era um tanto diferente, mais emotivo, passional. A renovação do neopentecostalismo mudou completamente a maneira do louvor em igrejas que imitaram esse “avivamento”. O louvor eclesiástico passou a refletir a revolução do rock, com a mania por bandas, instrumentos elétricos e barulhentos. A ideia é que o louvor fosse feito com mais emoção, sem aquela sensação mecânica que, segundo a opinião dos revolucionários da época, caracterizava os antigos hinos.

             Não quero cair em um extremismo de dizer que o louvor por hinos é o certo e o louvor por músicas modernas com bandas é o errado. Se eu fizesse isso, estaria apenas sacralizando um modelo cultural para condenar outro. Mas é importante fazer críticas a esse louvor moderno, pois os seus danos não são poucos. Não porque o princípio dele seja essencialmente errado, mas porque suas consequências factuais foram, sob muitos aspectos, desastrosas. Em primeiro lugar, é um louvor que se alheia de sua comunhão histórica com outros protestantes, na maioria dos casos. As bandas de louvor costumam prezar por novidades, as músicas mais novas, como se o mais novo fosse potencialmente mais interessante. Ora, os hinos têm inspirado os cristãos por séculos, e apenas modernamente existe essa resistência, essa rejeição. Mas esse paradigma de preferir a novidade ao tradicional é uma ideia mundana. São os mundanos que consideram as coisas velhas como descartáveis e inúteis.

Entretanto, a idade das músicas não pode ser o único critério para a escolha e a performance delas. Vamos supor que os hinos de antigamente fossem hereges e as músicas de hoje representassem uma reforma teológica. Nesse caso, obviamente o mais novo seria melhor. Mas o caso parece ser exatamente o contrário. Se você passar cada uma das músicas cristãs da história pelo crivo da verdade bíblica, da adequação pública e do cumprimento da finalidade de exaltar o nome de Deus, o antigo supera o novo imensamente. Quase todos os hinos antigos são ortodoxos e centrados em Cristo, enquanto as músicas modernas são frustrantemente rasas na teologia, quando não completamente erradas, centradas no homem e, como se não bastasse, de uma musicalidade e poesia pobres. Não digo que são todas assim. Algumas músicas de hoje ainda se salvam, mas são grãos de ouro num monte de areia. Você já deve ter reparado em quantas canções de hoje recebem críticas de alguns poucos que se dispõem a fazer a análise. E os hinos antigos, quantos deles você consegue criticar?

Repare na centralização no homem. Como as músicas de hoje falam “eu”. Tudo “eu”. Eu é que louvo, eu adoro, eu prospero, eu obtenho a vitória, eu faço, eu falo, eu me prostro. Alguns desses “eus” estão totalmente errados, outros estão certos, mas, mesmo para os que estão certos, não devem eles predominar sobre os versos que têm como sujeito Deus. Deus é mostrado simplesmente como um abençoador dos meus interesses nessas músicas. Pegue cada música e pergunte “essa música está louvando Deus ou louvando a mim mesmo?”. Não é suficiente que a música diga coisas boas sobre Deus. Se Deus é louvado por servir ao meu bem-estar, não é realmente um louvor a Deus.

A centralidade no homem ultrapassa a letra das músicas. Ela também se mostra presente quando o louvor vira um show. Você sabe que existem louvores que nada mais são do que bandas fazendo shows com uma letrinha gospel. Isso é especialmente perigoso para qualquer banda. Algumas bandas realmente conseguem deixar transparecer humildade e desviar a atenção de si para Deus, mas isso é bem difícil. O caráter animado e festivo das músicas é outro fator que contribui para o foco no talento dos músicos. (Mais uma vez, não estou falando de um princípio necessário que vai atingir qualquer banda de louvor, mas sim da generalidade dos casos concretos.) Ora, uma série de músicas que falam sobre o eu com uma banda que ostenta seus talentos não está realmente adorando Deus.

E ainda existe mais um aspecto da centralidade no homem: a ideia de que o louvor é o momento da “ministração”, isto é, do seu êxtase espiritual. Na maioria das vezes, a finalidade é levar as pessoas a elevar seus sentidos para fazer um contato superior com Deus, com expressões emotivas, por meio de uma música repetitiva que serve para “criar um clima”. Já reparou que as músicas frequentemente servem de instrumento acalentador das emoções para facilitar o êxtase? E fica a questão: biblicamente, é para isso que serve o louvor? As músicas devem ser feitas para deixar você mais emotivo e mais fragilizado? Repare no fundamento dessa ideia: as emoções são a causa para uma contemplação do divino e para o arrependimento. Esse fundamento está totalmente errado. É a verdade do evangelho que me leva ao arrependimento e à adoração passional, não emoções forçosamente induzidas. Se o evangelho estiver presente e profundo na música, ela será muito mais eficaz para a edificação e prescindirá totalmente desses climas forçados. A consequência desse estilo de música ministrador é, mais uma vez, a centralidade no homem: o louvor existe para aquecer o meu coração, para que Deus resolva meus problemas internos, para me dar uma sensação gostosa.

Outra consequência desse louvor estilo rock é a banalização da grandeza de Deus. Músicas exageradamente festivas pressupõem que a adoração a Deus deve ser corporalmente expressiva da emoção “alegria” – outras emoções não são importantes. Quando um ministro diz que eu sou livre para cantar, sair do meu lugar, pular e gritar, minha pergunta é: tudo bem, mas sou livre também para não fazer essas coisas? Deus é drasticamente reduzido se eu penso nele apenas como uma pessoa legal que me dá alegria. E, mais uma vez, é uma alegria forçada pelo barulho da música, pela interminável repetição de versos e pela própria alegria do ministro. Mas, quando eu me deparo com uma música que chama a atenção para Deus, e não para o clima, que me apresenta o evangelho em música, e não letras rasas, eu sinto emoções genuínas de alegria pela salvação, tristeza pelo meu pecado, espanto pela soberania de Deus, paz pela sua segurança, contrição pela minha condição humilde. A impressão de que hinos são uma adoração mecânica é errada, embora não faltem exemplos de pessoas que assim os usam. Muito mais mecânica é a emoção expressiva induzida (e, às vezes, coagida) por elementos externos da situação – barulho, repetição, apelos do ministro.

A preocupação de quem apoia o louvor por bandas é a relevância cultural delas. Ou seja, descrentes prestam muito mais atenção em bandas do que em hinos antigos. Essa é uma preocupação legítima. Mas, até que ponto um louvor deve se adaptar culturalmente? Os músicos devem ostentar seus dons, como os músicos seculares fazem em seus shows? Ela deve induzir animação corporal, com saltos e gritos? Ela deve prezar mais pelo barulho dos instrumentos do que por uma letra verdadeira e profunda? Aqui, vou apresentar a opinião que aprendi com a tese de mestrado do Zazo. É bom que os louvores se adaptem culturalmente, mas não tanto. Se você adaptar demais, você só vai dar ao povo o que eles querem. Se adaptar de menos, poucos o ouvirão. E que ensino bíblico existe sobre essa moderação na adaptação cultural? Os salmos de louvor. É óbvio que os salmos são perfeitamente ortodoxos, infinitamente profundos, completamente centrados na exaltação de Deus. Mas eles não são estranhos à cultura pagã. Frequentemente os salmos falam sobre como Deus criou e governa sobre os astros – e isso chama a atenção de pagãos que adoram os corpos celestiais. O salmo 104 menciona o Leviatã, uma figura mitológica dos cananeus, e diz que foi Deus quem criou o Leviatã para que ele brinque no mar – ou seja, o ensino da superioridade de Deus sobre quaisquer elementos da natureza. Os salmos mencionam cidades conhecidas, países estrangeiros. Eles aludem o tempo todo para a inutilidade de ídolos. Veja que maravilhosa comunicação cultural! Os salmos não são fechados à realidade do judaísmo, e nem são prejudicados em seu conteúdo e formalidade para chamar a atenção dos descrentes.

Os músicos de Igreja precisam aprender a fazer como os salmistas: combinar com excelência o seu ensino teológico verdadeiro e profundo, bem como a finalidade de colocar a atenção em Deus, com a relevância cultural para chamar a atenção de descrentes. Os elementos do mundanismo devem aparecer nas músicas para serem rechaçados pelo evangelho, não para suprimirem o evangelho e serem reforçados.

André Duarte

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