Vamos continuar aqui o assunto
proposto anteriormente: o de falar sobre relacionamentos conjugais à luz da
Escritura. Vemos, então, que uma grande falta da Igreja hoje reside em faltar
para com uma interpretação bíblica robusta sobre o assunto, prendendo-se a
questões e versículos pontuais. E isso acaba gerando o que também foi
apresentado no post anterior da série: uma geração descontrolada de regras, que
não contemplam a verdade bíblica sobre o assunto, o “cimento” que une as regras
e lhes dá propósito.
Disse também que abordaria de uma
maneira “de cima para baixo”, e aqui começa isso. Antes mesmo de nos
perguntarmos “o que pode e não pode”, “o que se deve fazer”, devemos primeiro
pensar em algo sobremodo superior: a nossa finalidade, o porquê de termos sido
criados pelo próprio Deus, o objetivo de nossa existência. Com base nisso,
teremos uma luz mais clara sobre o propósito e limitações dos relacionamentos
conjugais.
Existe um certo documento cristão¹
que faz uma série de perguntas e respostas acerca de vários pontos da fé cristã.
Entre elas tem um interessante item, que se vê a seguir:
“Qual é o fim supremo e
principal do homem?
Resposta. O fim supremo e
principal do homem e glorificar a Deus e gozá-lo para sempre.”
Essa afirmação é verdadeira. A
finalidade da humanidade, a razão de existir reside nisso: glorificar a Deus e
gozá-lo para sempre. E é isso que devemos almejar, esse é o objetivo de nossa
existência, e, se esse é o objetivo de TODA a nossa existência, então TODOS os
aspectos da nossa vida tem que ser voltar para Deus e o que Ele requer. Esses
aspectos da nossa vida existem em imagem e semelhança aos aspectos do próprio
Deus, ainda que em analogia, e têm como objetivo glorificá-Lo. Dentre estes
aspectos da vida poderíamos citar: trabalho, estudos, lazer, comércio,
política, arte, ciência, relacionamentos conjugais e família, etc. Todas estas
áreas da existência, e mais outras, devem glorificar a Deus; em tudo, tem que
existir os princípios divinos regendo-as e retificando-as.
Entretanto, uma pergunta fica:
como se pode glorificar a Deus nessas áreas? Qual é o princípio maior, o padrão
maior para tal? Uma resposta dentre muitas, visto seus vários enfoques, é
analisar a humanidade em relação à sua imagem e semelhança de Deus (Gn 1.27;
9.6), uma doutrina um tanto quanto posta de lado pela Igreja. A humanidade, ao
contrário de todo o resto da Criação, foi criada à similitude do Criador; é sua
imagem perfeita. Ainda que não sejamos como Deus por completo, somos
semelhantes a Ele por analogia.
Vários exemplos ilustram essa realidade:
1. 1. Nós trabalhamos, porque, desde o Éden, temos o
mandato de trabalhar, de dominar a terra e tudo que nela há (Gn 1:28), como
mordomos da Criação para o Grande Rei. Isso se dá justamente porque Ele também
trabalhou na Criação, a sustenta, e continua operando nela, fazendo d’Ele o
Trabalhador Original no qual o homem é apenas trabalhador por semelhança. O
trabalho não existe por si só, mas serve a um propósito, o de produzir sustento
e exercer domínio sobre a terra; trabalho por trabalho acaba se tornando
pecado, como workaholics vivem, por exemplo.
2. 2. À semelhança de Deus, nós também descansamos,
porque Ele mesmo descansou no sétimo dia, e é o momento onde contemplamos o
fruto das obras de nossas mãos, assim como no sétimo dia da criação Ele folgou
e viu sua obra completa (Gn 2.2,3). Se o descanso passar disso, como a
preguiça, como a procrastinação, é erro crasso e deturpação do propósito divino
do descanso em nós.
3. 3. Os pais só o são porque Deus mesmo é Pai (Mt
7.11), e da Paternidade dele se deriva e se modela toda paternidade humana;
toda Filiação, de Deus também se deriva, porque Deus também é Filho (Sl 2.7), e
todo filho tem por molde o Filho Eterno.
Assim, glorificamos a Deus
quando nos voltamos para Aquele de quem nós somos imagem e agimos de acordo com
a semelhança divina que temos em nós. Assim, imitaremos o Criador, seremos
santos como Ele é santo (Lv 20.26), e teremos alegria e comunhão com Ele.
Um ponto a se notar aqui, como
falei de leve acima, há o pecado. Desde a queda da humanidade no Éden, o pecado
e a morte entraram no mundo e na vida humana, corrompendo-os por completo. A
perfeita imagem e semelhança do Deus Triúno foi corrompida na Queda. Desde
então, temos nenhuma aptidão para a santidade, antes, total inclinação para o
pecado e o mal. Isso vai se aplicar, visto nossa imagem deturpada, a todas as
áreas da nossa vida. Por exemplo, trabalho pode virar vício ou crime, o
descanso vira preguiça, a política vira corrupção e egoísmo.
A única solução para isso é a fé
em Jesus Cristo e seu sacrifício na Cruz. A Epístola de Paulo aos Colossenses
vai dizer que “havendo feito a paz pelo sangue da sua cruz, por meio dele,
reconciliasse consigo mesmo todas as coisas, quer sobre a terra, quer nos céus.”
(Cl 1.20). Em Cristo, todas as coisas são reconciliadas, tudo começa a ser
restaurado, tendo sua completude no mundo vindouro. Nossa santificação é a
restauração da imagem e semelhança de Deus em nós, que começa com nossa
regeneração e se completa na glorificação (quando seremos como anjos nos céus –
Mc 12.15; 1 Co 15.35-54). Assim, tornando-nos co-participantes da natureza
divina (2 Pe 1.4), com o próprio Espírito Santo de Deus habitando em nós, somos
redimidos de nossos pecados, indo em direção à glorificação futura, a redenção
completa, no mundo vindouro, tornando-nos mais do que nossos primeiros pais o
foram: seremos como Cristo Jesus assunto aos Céus.
O que relacionamentos conjugais
têm a ver com tudo isso?
Bem, vimos que tudo da nossa vida
serve pra glorificar a Deus, inclusive esse tipo de relacionamento. Analisamos
também que somos imagem e semelhança de Deus, e que O glorificamos quando, pelo
Espírito que nos santifica, agimos de acordo com a similitude original. Semelhança
essa que é o que Deus nos propôs a ser, como Ele próprio O é, ainda que por
analogia. Então, o que há em Deus que temos de semelhante, que se reflita em
relacionamentos conjugais? O relacionamento de Deus por Seu povo, que se
reflete na humanidade na figura do casamento. Esse relacionamento Divino-humano
é uma aliança, um pacto, fundado em amor e compromisso, bênçãos e
responsabilidades. E o maior exemplo disso está na Epístola aos Efésios, na
figura de Cristo e a Igreja.
É pelo casamento que glorificamos
a Deus nos relacionamentos conjugais. O casamento existe PORQUE existe antes o
relacionamento de Deus e seu Povo todo, antes mesmo da fundação do mundo (1 Pe
1.20; Ap 13:8; Ef 1.4). Assim, todo e qualquer relacionamento conjugal entre
homem e mulher tem que visar e andar para o casamento, e nele viver de modo santo
e correto, senão, incorrerá em pecado e necessidade de arrependimento. E é
disso que trataremos no próximo capítulo dessa série.
Que Cristo abençoe a todos nós.
Marcel Cintra
¹ Catecismo Maior de Westminster
(http://www.monergismo.com/textos/catecismos/catecismomaior_westminster.htm)
(http://www.monergismo.com/textos/catecismos/catecismomaior_westminster.htm)
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