Que
sempre houve falsos profetas – homens que dizem falar em nome de Deus, mas não
falam –, não é surpreendente nem estranho. Visto que Deus revelou a si mesmo
por meio dos seus profetas desde que começou a ajuntar um povo para si (Abraão
foi o primeiro chamado profeta, cf. Gn 20:7), sempre houve um dilema em torno
do problema: qual profeta realmente fala de Deus e qual não fala? A grande
crise é que nunca na história houve tantos falsos profetas tolerados por
aqueles que professam a fé cristã. A cessação da profecia após o cânon bíblico
ficar completo foi um grande antídoto de Deus para que a Igreja se protegesse
contra esses falsos, como é comprovado por toda a história da Igreja. O herege
Montano, do século II, foi rejeitado pela Igreja ortodoxa devido às suas
estranhas profecias, reveladas supostamente devido à chegada de uma nova era
espiritual. Os reformadores rechaçaram as novas seitas místicas, como os
quacres, que pretendiam que Deus falasse com eles novas revelações diretamente,
contrariando a Sola Scriptura. Mas, em nossa época, a grande explosão
carismática trouxe de volta o misticismo e a busca por novos profetas de Deus
em larga escala. É possível encontrar a cada esquina uma igreja com um sujeito
que tem “dom de profecia”; alguns montam verdadeiros “consultórios” e fazem
propagandas de si. E não é admirável que tais profetas novos estão sempre
associados a teologia estranha e a descontinuidade com a Igreja histórica. Como
é grande o número de iludidos!
O senso comum
esqueceu que falar em nome de Deus é coisa seríssima. A lei de Deus trata com a
máxima severidade aqueles que profetizam falsamente. E oferece, inclusive,
critérios pelos quais se pode identificar quem é falso. Veja Deuteronômio 13:
um profeta, que diz ter sonhos e visões, e instigar o povo de Deus a adorar
falsos deuses, deveria ser morto. Ora, qualquer examinador meticuloso do
primeiro mandamento dos Dez sabe que a idolatria não vem necessariamente
acompanhada de nomes de deuses pagãos ou de estátuas. A idolatria está presente
em qualquer desvio da Lei de Deus, de seus princípios. Logo, qualquer profeta
que oferecer ideias estranhas às normas bíblicas, que legisla em nome de Deus –
agora que a Bíblia está completa – é falso e mentiroso. Ainda que profetas
verdadeiros no passado tenham falado em nome de Deus para trazer maior
revelação, isso não existe mais hoje, pois a Palavra de Deus está completa. A
profecia existe hoje somente na medida em que o pregador expõe as Escrituras. A
suficiência das Escrituras é ensinada nas últimas epístolas, como 2Timóteo e
Judas, e com ela concorda a Igreja histórica, desde os Pais.
Infelizmente,
os crentes têm mais medo de duvidar de algum profeta do que de concordar com
ele. O temor de que “e se for de Deus?” induz muitos a aceitarem qualquer
profecia só para tranquilizar a consciência. Porém, Deuteronômio 18:22 diz o
contrário: se um profeta profetizar falsamente, não tenham medo dele. Esse
capítulo abrange a advertência do capítulo 13 para caracterizar o falso profeta
não apenas como alguém que fala em favor de outros deuses, mas também que fala
em nome de Deus sem que Deus tenha realmente mandado. Ambos os capítulos trazem
enfaticamente que esse profeta é réu de morte. Isso coloca a falsa profecia
como um pecado mais grave do que o furto, o qual é penalizável apenas com
multa. Coloca-a ao lado do adultério, da prostituição, do assassinato e da
feitiçaria. Pense: você permitiria que um pastor em adultério impenitente
pregasse na sua igreja? Você iria visitar a irmã com dom de prostituição? O
diácono da sua igreja pode ser um macumbeiro? Por que, então, falsos profetas
são tolerados e cridos tão facilmente?
A
verdade é que falar em nome de Deus sem que ele tenha ordenado é uma
transgressão clara do terceiro mandamento: “Não usarás em vão o nome do Senhor
teu Deus”, com a cláusula grave “pois o Senhor não deixará impune quem usar o
seu nome em vão”. Falsos profetas transgridem esse mandamento. Eles abusam do
nome de Deus. Dizem que Deus “colocou essa palavra no meu coração” para que
seja mais aceito pelos ouvintes. Não confiam que a exposição da Escritura é a
verdadeira profecia eficaz para penetrar os corações (Hb 4:12). Confundem os
seus sentimentos e intuições com a voz de Deus e, além de quebrar o terceiro
mandamento, quebram o primeiro, por chamarem a si mesmos de deuses. E
enquadram-se nas proibições de Deuteronômio 13 e 18. Um verdadeiro profeta
chamará a Igreja para ouvir o que a Bíblia diz, pois a Bíblia é a única Palavra
que certamente vem do verdadeiro Deus. A interpretação do pastor não é palavra
de Deus, por mais que ele insista que recebeu a mensagem por sonho, visão ou aquela
percepção esquisita que os carismáticos tanto adoram.
Deuteronômio
18 também coloca um outro critério para que o povo de Deus reconheça um falso
profeta: que as profecias não se cumprirão. Se um profeta falar algo que não
acontecer, ele falou falsamente em nome de Deus, pois a palavra de Deus é fiel
e verdadeira. Esse é um critério óbvio. Quem ler os livros dos profetas no
Antigo Testamento verá que os verdadeiros profetas sempre falavam contra os
falsos. Os falsos pregavam a segurança da cidade (Ez 11:1-3). Pregavam que
Jerusalém não seria conquistada pelos babilônios, embora merecesse (Jr 28). E
veja as observações de Jeremias nos versículos 7-9: o falso profeta prega o que
o povo quer ouvir. Por que não é surpreendente que os profetas de hoje só falam
coisa boa? Que você terá muitas vitórias, que Deus vai resolver o problema no
seu casamento, que as portas de emprego vão se abrir, que o seu filho vai sair
das drogas... Houve, por acaso, um único profeta bíblico que não pregou contra
o pecado? Que não disse que estavam todos errados, precisavam se arrepender e
voltar à obediência a Deus? O pregador que faz isso, mesmo em igrejas hoje em
dia, é rejeitado e impopular. O próprio evangelho é ofensivo e inconveniente:
quem gosta de ouvir que é pecador, que todos os esforços próprios para ser
justo são vãos, e que a salvação vem de fora, do Filho de Deus, e que você nada
pode contribuir para isso? É uma facada no orgulho. Essa é a mensagem
verdadeira que os pregadores, em sua atuação profética, devem proclamar.
Agora,
os falsos profetas de hoje são mais espertos do que os da época do cerco em
Jerusalém. Eles sabem que, se, por acaso, a palavra deles não se cumprir, vai
pegar mal. Então, eles profetizam quase sempre coisas tão vagas que ficam
inverificáveis. Quando eu era membro de igreja neopentecostal, presenciei
vários exemplos. Em certo acampamento de adolescentes, um homem “cheio do
Espírito” profetizou que “Deus me disse que há um adolescente aqui que está
brigado com os pais, mas Deus está restaurando o relacionamento”. Eram mais de
100 adolescentes. Que há, no mínimo, um adolescente brigado com os pais dentre
100, é um fato estatístico óbvio, não uma revelação sobrenatural! Em certa
vigília, noutra ocasião, um adulto respeitado se levantou e disse que Deus
mostrou para ele que um grande mal estava vindo sobre Brasília, mas que Deus o havia
afastado. Como alguém pode averiguar isso? Não obstante, todos os presentes
assumiram como verdadeiro sem nenhum bom motivo e gritaram “aleluia”. Em outra
vigília, um pastor convidado, de uma Assemb das maiores denominações
pentecostais, mandou fazer uma fila para receber profecias dele. Estupidamente,
entrei na fila, querendo ouvir qualquer coisa boa. Ele orou por mim e disse “Olha...
eu vi direito na sua vida”. De quantas maneiras convenientes eu poderia
interpretar isso? Que eu vou cursar
direito no Ensino Superior? Que será na pós-graduação? Que eu vou estudar
direito para passar em concurso público – o que é também estatisticamente muito
provável, tratando-se de Brasília? Que um dia eu contratarei um advogado para
me defender? Que eu vou casar com uma? Um último exemplo: certa vez, fui por
conta própria, ainda adolescente, a uma famosa “profetisa” na Ceilândia. Era
dessas malucas que usam o método de usar versículo-biscoito-da-sorte (abrir a
Bíblia aleatoriamente, e dizer que o texto aberto era a resposta pro meu
problema particular). Não lembro muito bem o que ela me disse, mas, à minha
mãe, disse que ela tinha culpa na questão dela. Quem não tem culpa? Quem pode
dizer que sofre inocentemente neste mundo caído? Assim são todas as profecias
modernas: vagas, impassíveis de verificação e quase sempre dizem o que é
agradável. Quando um falso profeta moderno profetiza com especificidade, sua
palavra tem tanta probabilidade de se cumprir como de não se cumprir; as duas
maneiras são atestáveis. E não faltam aqueles que usam de charlatanismo para
fazer profecias específicas certas (como aquele pastor carismático que usava
fones de ouvido para que sua esposa passasse para ele informações sobre os
membros da igreja). As profecias dos verdadeiros homens bíblicos são exatamente
o contrário: frequentemente dizem o que dói no orgulho, as profecias são
verificáveis e específicas e apontam sempre para a glória de Deus.
E
quanto às congregações enganadas por esses profetas? São vítimas? Em realidade,
eles são culpados também. Pois nenhum falso profeta existiria se não houvesse quem
o admirasse. Ezequiel 14 diz algo severíssimo: que Deus detesta tanto o falso
profeta como quem vai procurá-lo (1-8). E os versos 9 a 11 acrescentam: o
próprio Deus engana o falso profeta para que ele minta ao povo, e depois
destrói ambos por crerem na mentira. Falsos profetas são ímpios instrumentos de
Deus para castigarem aqueles que os procuram. Paul Washer disse que falsos
mestres são o juízo de Deus sobre a multidão idólatra. Se o povo já não
estivesse anteriormente desejando regozijar-se na mentira, jamais iria atrás de
um falso profeta, o qual, por sua vez, cessaria de existir. Não há lugar para o
pensamento humanista “poxa, mas a pessoa estava tão bem intencionada e sincera”.
Ninguém que não ouve a voz do Bom Pastor, cujos ensinos estão registrados pelos
apóstolos, está bem intencionado e sincero diante dele.
Não
são apenas pastores ou “profetas” que dizem falar em nome de Deus. Devido à
crença carismática em que o Espírito fala audivelmente e independentemente da
Bíblia, todos os crentes carismáticos tendem a confundir seus próprios
pensamentos com a fala de Deus, ou seus sentimentos com a direção do Espírito.
E mesmo leigos são encorajados a “ouvir a voz de Deus”, a elevar suas intuições
a uma normatividade espiritual. E qualquer um que disser “Deus me disse isso”,
ou “Deus colocou essa palavra no meu coração” é automaticamente aprovado com
grande júbilo. Vimos que a Bíblia fala severamente sobre o cuidado com os
profetas – inclusive, na própria época em que a profecia era dom comum na
Igreja (1Co 14:29). Hoje em dia, como podemos responder à questão do “e se”?
Como saber se alguém falou de Deus ou de si mesmo? Simples: se alguém estiver
pregando fielmente o que a Bíblia ensina, está exercendo a profecia
corretamente. Se alguém, por outro lado, disser que suas próprias palavras são
palavras de Deus, é mentiroso. Por que? Porque a única segurança que a Igreja
tem é dentro do que as Escrituras já ensinam. Elas são definitivas e eternas.
Jesus Cristo já veio – o grande profeta dado como solução em Deuteronômio 18 já
falou ao seu povo. Veja como o escrito de Hebreus diz: “No passado Deus nos
falou pelos profetas; agora, ele nos falou pelo seu Filho” (Hb 1:1, 2). Jesus é
o nosso grande profeta que nos ensina pelo seu Espírito (Jo 14, 16). E ele faz
isso não em vozes particulares e novas, mas pela própria Escritura. A Bíblia é
a palavra proclamada por Deus, ela é a manifestação da vontade do Espírito para
as nossas vidas. As revelações novas cessaram com os apóstolos e os poucos profetas
do primeiro século. A Bíblia é útil e eficaz para nos instruir a respeito de
tudo o que precisamos (2Tm 3:16, 17). A mania profética dos carismáticos
precisa ser execrada pelos fiéis.
André
Duarte
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