Temos este último post básico antes de passarmos aos
elementos específicos do culto. Já vimos a distinção entre o culto particular e
o público, e que o culto público deve ser marcado por reverência e solenidade em
todos os seus elementos. Agora, vamos esclarecer mais um princípio geral do
culto: ele deve ser essencialmente verbal, e não pictórico. Em resumo: o culto
público deve ser prestado com palavras, especialmente com a própria Palavra de
Deus – lida, declarada, cantada e pregada –, e não com elementos icônicos
não-verbais.
1. Seja a palavra a forma de comunicação no
culto.
Por que a
comunicação do povo com Deus no culto deve ser verbal? Uma análise holística da
Bíblia demonstra que a palavra “Palavra” é uma palavra-chave (yo dawg!) para o
entendimento da relação de Deus com o homem. A palavra é a maneira principal e
ordinária com a qual Deus se revela ao homem, e também a maneira como ele exige
que respondamos. Antes da queda, Deus simplesmente falava ao homem, e o homem falava
a Deus. Não havia imagens, cerimônias nem nada desse tipo. Porém, após o homem
cair e se afastar do conhecimento da verdade, Deus instituiu ícones cerimoniais
para ilustrar ao povo realidades sobre o Messias vindouro, aquele que
restauraria o que Adão perdeu. Por isso, o culto do Antigo Testamento continha
objetos sagrados, símbolos visíveis, um cenário específico, roupas que
comunicavam significados. Todas essas coisas palpáveis, que apelavam a vários
dos sentidos, foram encerradas na obra de Cristo. Por isso, a adoração é hoje
em Espírito e em verdade: porque não precisamos mais de símbolos do que é
espiritual, mas recebemos plenamente do próprio Espírito para adorar o Pai. (Os
sacramentos são uma exceção que pertencem a outro post.) Jesus Cristo é o
sumossacerdote eterno, o último e suficiente sacrifício, a água purificadora, o
templo de Deus etc. E mais uma coisa é dita sobre ele: ele é a Palavra de Deus.
O Filho de Deus é a Palavra pela qual o Pai criou o mundo, sustenta o universo
e revela a si mesmo aos homens. Como Palavra divina, Jesus exerce seu ofício de
profeta. Ele é a imagem de Deus – sim, a única e última imagem que realmente
expressa o ser de Deus (Cl 1; Hb 1). E, pela sua doutrina e seu ensino, pelas
Escrituras que testificam sobre ele e pela instrução do Espírito, ele permanece
sendo a Palavra de Deus em nós.
Tudo isso foi dito para deixar claro que a maneira como
Deus quer ser adorado é por meio da palavra. A Palavra é o mediador entre nós e
Deus. É por meio da Palavra divina que prestamos culto a Deus. Visto que Cristo
é a Palavra encarnada e a Bíblia é o testemunho fidedigno sobre ele, segue-se
que é por meio da Palavra escrita que, na dimensão dos sentidos, o culto deve
ser prestado. Digo isso porque, no plano espiritual, é Cristo que faz a
mediação. Porém, no plano físico, precisamos usar a Palavra que Deus nos deixou
acessível nesse plano, e que corresponde à revelação de Jesus. Portanto, são
inseparáveis Jesus e a Bíblia, de sorte que ninguém deve pensar que realmente
adora o Pai por meio de Cristo se não usar para isso a Bíblia. Todos os
símbolos e elementos de imagem somente fizeram parte do culto temporariamente,
para ilustrar o que viria, mas essa não é a forma ordinária segundo a qual Deus
ordena o culto. Nas palavras de Jesus: “No princípio, não era assim”.
A Bíblia é a Palavra de Deus, e é uma palavra verbal.
Calma, já explico essa aparente redundância: biblicamente, nem toda palavra de
Deus é verbal no sentido a que estamos acostumados. Um exemplo é o próprio
Jesus: ele é a Palavra de Deus, mas é um ser pessoal, com corpo e Espírito, não
um conjunto de letras. Talvez seja o único exemplo. Mas o ponto é que a Palavra
de Deus revelada na Bíblia é um conjunto de textos, frases, palavras, livros. Não
é uma revelação em imagens, em esculturas ou em gifs. E é utilizando essas
palavras que devemos prestar o culto a Deus. Qual é a implicação disso, na
prática? É que os elementos do culto devem ser verbais, e mais do que isso –
devem derivar das Escrituras o seu conteúdo verbal. Veja o que aparece no culto
do Novo Testamento: oração, ensino e leitura da Bíblia e cânticos – todos
elementos verbais regulados pelas Escrituras. E nenhuma dessas coisas é
adornada por imagens.
2. Sejam proscritas as comunicações por
imagens:
-Católicas romanas ou gregas: Quando
pensamos em imagens no culto, talvez o mais óbvio exemplo sejam os ícones
católicos: estátuas de santos e anjos, o crucifixo, as vestes sacerdotais dos
padres, os vitrais e todos os adornos desse tipo. Até hoje, as duas igrejas
católicas – a do Ocidente e a do Oriente – seguem a tese de João Damasceno,
teólogo do oitavo século, de que imagens são obrigatórias no culto, por
derivarem do princípio da encarnação: tal qual adoramos Deus Pai por sua
imagem, que é Jesus, também devemos adorá-lo por meio de imagens de santos,
visto que homens são também imagem de Deus. Logo, negar o uso de imagens no
culto é negar a encarnação de Cristo. Não é necessário gastar tempo apontando as
muitas falácias dessa heresia. A Bíblia deixa claro que Jesus é a única imagem
que expressa perfeitamente o ser de Deus. E a ordem de Deus é: não fazer
imagens nem dele mesmo e nem de qualquer criatura na terra, o que inclui os
mais santos homens. Cristo é a única imagem de Deus que não é uma criatura. A
aplicação maior desse mandamento, como as confissões reformadas reconhecem, é
que Deus deseja manter íntegros todos os elementos que ele prescreveu para o
seu culto. E o exemplo maior que ele dá é a repugnância ao uso de imagens. As
imagens podem ser belíssimas e impressionantes aos olhos carnais. Eu mesmo amo
vitrais. Mas que essas coisas não existam no culto público, e que nem sejam
superestimadas no culto particular a ponto de obscurecerem a revelação
principal de Deus, as Escrituras.
-Judaicas: Um grande número de igrejas
neopentecostais têm flertado com o judaísmo de maneira doentia. A teologia
dispensacionalista que elas adotam demonstram bem isso. Muitos pensam nos
judeus como “quase irmãos”: já seguem a Bíblia quase toda, só falta Jesus. E
nisso confundem judaísmo com a religião do Antigo Testamento. Mas não é a mesma
coisa, de forma alguma. Judeus só se aproximam do Antigo Testamento por meio do
Talmude, o livro de tradições rabínicas, e não compreendem em nada o verdadeiro
sentido do Antigo Testamento. Pois o Novo ilumina o Antigo. Esse flerte com o
judaísmo e essa confusão das religiões têm afetado seriamente a teologia de
culto da tais igrejas. A consequência é que o culto fica cheio de imagens do
Antigo Testamento: uma “menorá” no fundo do edifício (o candelabro de sete
braços); uma procissão de “levitas” trazendo a “arca da aliança” (igualzinha à
que aparece no filme do Indiana Jones, por sinal); às vezes um véu entre a arca
e o público etc. Por mais que respeitemos esses elementos em seu lugar adequado
– no Antigo Testamento, para prefigurar a realidade em Jesus –, devemos execrar
por completo a continuidade dessas coisas no culto. Trazer para a prática atual
os elementos transitórios da Lei é uma forma de legalismo, contra a qual os
apóstolos se levantaram no Concílio de Jerusalém. Muitas das cartas de Paulo
são duras a esse respeito, como a carta aos gálatas. Prestar culto a Deus por
meio dessas imagens é despojar Jesus de sua majestade, é afirmar que o Messias
nem veio. É adorar o que não se conhece (Jo 4). Uma blasfêmia desorientada.
-Evangélicas: Nem todas as igrejas
neopentecostais usam imagens do judaísmo. E, obviamente, nem todas as igrejas
são católicas. Em vez disso, a maioria das igrejas usa tipos de imagens da
modernidade, por influência não do judaísmo nem do catolicismo, mas do próprio
mundo secular. A ideia é: vamos pegar essas coisas que existem no mundo e dar
uma caracterizada gospel nelas. Devo dizer que essa mentalidade é a regra para
igrejas novas; as que rejeitam tais imagens são chamadas chatas e
preconceituosas. A que me refiro? Retornemos ao tema do primeiro post: o
problema do entretenimento. A fim de tornar o culto mais parecido com o mundo,
para que os mundanos gostem mais de comparecer à liturgia, vamos adorná-lo com
elementos que apelam ao visual mundano. Em casos mais extremos, vemos igrejas
enfeitadas com imagens laicas, sem conotação religiosa direta. No momento das
músicas, por exemplo: efeitos de luzes coloridas, flashes e até fumaça. No sermão,
o púlpito torna-se um banco como os de um bar, ou mesmo uma prancha de surf. O
pastor se veste com uma fantasia bem descolada e jovial; ou mesmo com uma
fantasia árabe. Imagens que comunicam não um culto a Deus, mas um culto aos
mundanos; os visitantes pagãos tornam-se o centro e o propósito do culto.
Algumas igrejas colocam a imagem do seu pastor no outdoor do edifício: o centro
do culto é o pastor, nesse caso. Esses exemplos são mais pontuais (embora a
parte da música seja mais complexa, e receberá mais atenção em outro post). Mas
há outros dois exemplos que são encontrados em praticamente toda denominação
evangélica: dança litúrgica e teatro.
A maioria
dos que aprovam dança litúrgica no culto acreditam sinceramente que esse é um
elemento autorizado pela Bíblia. Ainda que saibam que o culto deve ser regulado
pelas Escrituras, entendem que a dança faz parte do que Deus se agrada no
culto, por causa dos exemplos de Miriam e Davi. Quando alguém diz que a dança
não deve ser parte do culto, a primeira resposta que vem à mente é “Mas Miriam
dançou, mas Davi dançou”. E, para elucidar a questão, é necessário recordar a
distinção básica entre o culto particular e o público. Miriam e Davi dançaram
em seus cultos particulares. Miriam estava exultante pela libertação do Egito,
e Davi estava alegre pelo retorno da arca ao tabernáculo. Sim, dançar é muito
bom, dançar pela honra de Deus é aprovado biblicamente. Mas os exemplos de
Miriam e Davi não justificam a dança no culto público. São exemplos pontuais
que ocorrem fora do contexto do culto litúrgico. Davi dança por todo o caminho,
mas não há nenhum registro, nem na Bíblia nem nas tradições judaicas, de que
houve dança no culto do tabernáculo e do templo. Muito menos no Novo
Testamento, e nunca na história da Igreja, até esse século de sincretismo.
Muitos salmos são escritos como ordens para o povo de Deus fazer tal ou qual
coisa no culto do templo, mas nenhum fala da dança (os poucos que falam da
dança fazem-no no contexto de culto particular, como uma exegese cuidadosa
provará).
A dança não
comunica nada verbalmente – e a maioria não comunica realmente nada e limita-se
à exibição de talento. Por falar em exibição, caso as dançarinas sejam ingênuas
a esse respeito, quero afirmar que os homens da congregação são levados a
admirar os corpos delas e desviar a mente de Deus. Pedro instrui as mulheres a
irem à igreja com vestes decentes e modestas. Isso é bom, para que os homens
não sejam incitados a pensamentos inconvenientes. Mas a dança é igualmente
provocante. Por mais que não seja sensual aos olhos do mundo, ainda assim
bagunça os pensamentos dos homens. É mais fácil para um homem pensar “Hmm, com
qual dessas varoas ungidas eu vou me casar?” do que concentrar-se no ser de
Deus. A disposição imaginativa masculina é um pouco mais cortante do que as
moças ousam especular. E, cá entre nós, só os parentes das dançarinas gostam da
dança. A maioria dos membros sai do culto rindo da desajeitada e da gordinha.
Não é isso que queremos num culto congregacional. Contrária à edificação mútua e
sem autorização bíblica, a dança litúrgica deve ser proibida. Enfatizo que a
dança no culto particular é permitida, inclusive com músicas laicas e em
lugares laicos, como discotecas (porque “boate” é um termo muito
escandalizante). Com sobriedade e domínio próprio, dançar é louvável. Mas, no
culto público, é errado.
Sobre o
teatro, não há muito o que comentar. Se retirarmos os elementos icônicos – a
atuação, o cenário, os personagens – e deixarmos só o elemento verbal da fala,
temos uma pregação em vez de um teatro. Naturalmente, o teatro não é autorizado
pela Bíblia. Na sua esfera profissional de culto particular, pode fazer teatro
o quanto quiser. No culto, não. E é bom lembrar: nem mesmo para propósitos
evangelísticos. É comum que o teatro seja um encorajamento para os membros da
igreja convidarem mundanos. O convite é “vamos assistir a uma peça”. E os
mundanos vão, porque eles gostam de ir ao teatro e assistir a espetáculos em
suas vidas laicas. Neste ponto, espero não ser redundante, e acho que já dá pra
adivinhar o problema aí: mitigação da exposição da Palavra, centralidade no
mundano e exibição artística supérflua, que atrai também atenção ao artista, e
não a Deus.
3. Conclusão.
Este é o
terceiro post básico sobre o PRC. Até aqui, foram esclarecidos os princípios
que definem o culto público e que dão forma a tudo o que é feito nele. Os
próximos posts serão mais específicos e aplicarão esses princípios com mais
detalhes em cada um dos elementos de culto: oração, cânticos, leitura e pregação
da Palavra, declaração de fé e administração dos sacramentos.
Paulo diz
que o evangelho é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê. E o
evangelho é o centro da Palavra de Deus. Se crermos nisso e em tudo o que isso
implica, entenderemos que é tolo confiar em qualquer outra coisa além do
evangelho para que alguém creia. Confiar em teatros, danças, shows, cenários e
piadas é um desvio da fé no evangelho somente. Não há carência alguma no
evangelho para que ele precise ser adornado. É essa verdade que nos impedirá de
especular “o que mais podemos fazer de diferente, para que os mundanos nos
ouçam, além de pregar o evangelho” e que nos manterá apaixonados e zelosos pela
verdade da salvação em Cristo.
André
Duarte
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