domingo, 8 de dezembro de 2013

PRC 6 – Música no louvor – Parte 2/2 - Sobre os músicos e o estilo musical


       O assunto da música precisou de dois posts, por causa de sua complexidade e dos abusos grandemente numerosos que têm sido cometidos. O primeiro post expôs o tipo de letra que Deus ordena que seja cantado. Agora, neste post, devo comentar sobre a aplicação dos princípios do PRC sobre a música propriamente e sobre a postura dos ministros e da congregação.

            1. Seja a composição musical feita com reverência e publicidade.
           
Enquanto a Bíblia nos instrui sobre o conteúdo das letras, ela não nos ensina nada claro sobre a melodia. Embora muitos salmos contenham, em seus subtítulos, indicações melódicas, o significado delas ficou perdido na história. Sendo assim, o povo de Deus tem liberdade quanto à melodia das composições para o culto público. Porém, ainda permanecem aplicáveis os princípios de reverência e publicidade para a música. Pela reverência, entende-se que a composição musical não pode instigar as emoções humanas a perderem o senso de solenidade. A esse ponto, a execução da melodia pelos instrumentos está vinculada, e trataremos disso no próximo ponto. Basta enfatizar aqui que a melodia deve ser regulada pela reverência devida ao Senhor, e não servir às voláteis emoções humanas. Pois é perceptível que a melodia, bem como o andamento e o ritmo, possui o potencial de instigar a sensação dos ouvintes às mais variadas emoções, no tipo e na intensidade. Nenhuma dessas emoções deve desviar-se da adoração racional ao Santo Deus, e a composição musical deve zelar por isso. Por publicidade, entende-se que as músicas devem ser facilmente executadas pela congregação. Pois não é a uma equipe especializada que as Escrituras ordenam cantar e tocar, mas sim a todo o povo de Deus em conjunto. Consequentemente, nenhuma música deve ter tonalidade tal que as mais variadas capacitações de homens e mulheres não consigam atingi-la. Nem devem ter melodia difícil de aprendizagem. E tampouco devem os músicos abusar da seleção de músicas novas; do contrário, a congregação estará sempre ouvindo e tentando aprender, e nunca realmente cantando com segurança. Essa foi uma das preocupações dos reformadores com a música: torná-la pública. Hinos com melodia fácil e previsível, letras compreensíveis para o leigo, e o refreio na suplantação do velho pelo novo. Se os músicos buscarem sempre músicas novas e negligenciarem as velhas, estarão roubando da comunidade o direito de cantar em paz.

2. Seja a execução musical feita com reverência e publicidade.

Esse ponto depende do anterior em muitos aspectos. Pois, certamente a composição tem em vista a forma da execução, de forma que esta depende daquela. Porém, ainda que a composição preze pela simplicidade e pelos princípios já expostos, é comum que os músicos esbanjem sua criatividade em arranjos e em acréscimos de harmonias, linhas melódicas sobrepostas e instrumentos. Nisso, devem ser eles também refreados. Sobre os instrumentos musicais, a Bíblia dá ordens para a sua execução, como os salmos e os exemplos dos levitas nos livros das Crônicas nos mostram. Muitos puritanos aboliram os instrumentos do culto cristão por entenderem que eles estavam necessariamente vinculados ao momento dos sacrifícios, que foram evidentemente encerrados. Porém, a Bíblia nos dá exemplos de instrumentos musicais tocados no culto mesmo sem haver sacrifícios. Se Deus não ordenou que parássemos com eles, então eles podem continuar. Porém, ainda assim, seu uso deve ser moderado, especialmente em nosso tempo em que os maiores ídolos humanos são artistas musicais. O músico, no culto público, não pode de forma alguma equiparar o brilho de sua execução musical ao dos artistas mundanos. Ele não pode deixar seus talentos tão evidentes de forma que eles chamem a atenção do público e obscureçam a glória de Deus. Isso não quer dizer tocar mal, mas sim não tocar tanto. Os instrumentos devem ser poucos e secundários, limitando-se a auxiliar o público na execução do canto. É natural que os músicos objetem a isso alegando que, quanto maior a magnificência da execução e da complexidade instrumental, mais apropriado é o louvor a Deus, pois “devemos fazer o nosso melhor”. Isso pode ser aceitável em outras ocasiões, mas não no culto público, por causa do princípio da publicidade. No culto público, inclusive na música, o principal é o cântico da congregação. Instrumentos muito complexos, numerosos ou notórios não ajudam em nada a congregação a cantar a uma só voz. Em lugar de um canto público, teríamos uma tocada particular para um público. Isso tem sentido somente em shows, não em cultos. O mesmo vale para as vozes. Os cantores devem limitar-se a servir de apoio para a congregação. Corais, orquestras e solistas não fazem mais do que roubar para si o que é do povo. A Igreja não é chamada para ir assistir a uma apresentação musical, mas sim para cantar a Deus. Alguma arte ajuda a Igreja a louvar; muita arte é exibicionismo reprovável. Em lugar de glorificar o nome de Deus, os músicos que abusam dos instrumentos e da voz colocam os seus talentos no foco, e cobrem a glória de Deus como uma neblina. Portanto: que a música preze pela simplicidade, pelo uso contido dos instrumentos e por uma execução que pertença em igual nível aos músicos e à congregação. Se os músicos estão fazendo mais do que a congregação pode fazer, extrapolando o que é necessário para ajudá-la, algo está errado.   

3. Que nenhum músico roube a atenção devida a Deus.

Como sabemos que é necessário haver músicos no culto? Com que direito das Escrituras sancionamos o “ministério da música”, ou algo do tipo? Ora, é óbvio que a congregação precisa do direcionamento de alguém que entenda de música. Como poderão tantos leigos cantar a uma só voz, no mesmo tom, em uníssono, no mesmo ritmo? Entendemos que a existência dos músicos valida-se pela própria existência de diversidade de dons, os quais Deus concede para a edificação do seu povo. Agora, é difícil colocar músicos de forma que não chamem a atenção para si, mas que limitem-se a ajudar a congregação a cantar corretamente, quando aprendemos na vida ordinária a admirar além da medida sóbria os músicos temporais. Por isso, a Igreja deve tomar medidas para que os músicos não fiquem em evidência além do necessário. Percebe-se, então, que grande desvio cometem as igrejas que, confundindo culto com show, fazem questão de colocar os músicos no lugar mais visível e que insistem que a comunidade deve olhar para eles e imitar seus gestos, danças e outras invenções humanas. Não é Cristo dissipado das mentes do povo quando toda a atenção é exigida dos músicos para si? A verdade teológica das letras não some da sensação do povo quando os músicos ficam falando e balbuciando suas emoções durante o andamento da música? Quando os músicos fazem isso, imitam os ídolos gospel, os quais não se envergonham se assentarem-se em tronos de anticristos quando percebem que podem comandar e manipular o povo como quiserem por meio de manifestações teatrais de sua presença. Mas as Escrituras ordenam o contrário: que imitem humildes servos do Senhor, que apontem e chamem a atenção para o Filho de Deus, e não para si. Isso nunca poderia ser demasiadamente enfatizado, devido à posição peculiarmente difícil inerente àquele que serve como músico.

Pela mesma razão, e pela falta de autorização bíblica, dizemos que “ministro de louvor” é um ofício inexistente. Já dissemos que os músicos são necessários. Porém, o ministro de louvor é aquele músico principal, que fica falando inutilidades à congregação, que toma a posição no centro dos músicos e que comanda toda a execução musical, bem como a própria seleção de músicas. Esse ofício não tem a aprovação das Escrituras e não serve em nada para a edificação, mas somente para a confusão. Ele é o principal que faz as coisas reprovadas no parágrafo anterior: que chama a atenção para si, que coloca-se como um dirigente acima dos demais – sendo que os ofícios de autoridade não podem ser outros além daqueles que a Bíblia define, os presbíteros e diáconos –, que usa a sua voz para si mesmo, e não para servir de apoio à comunidade, que fala uma série de coisas particulares e em nada pertinentes, etc. Os outros problemas desse ofício inventado pela imaginação pecaminosa estão no seguinte e último tópico.

4. Que o fim da música seja Deus, e não o homem.

Para encerrar, é adequado que todo adorador de Deus pergunte: pra quê música? Por que Deus ordenou que houvesse música em seu culto instituído? Porque ele não deixou só oração e pregação, prescindindo dessa arte? A Bíblia não explica por quê. Mas, podemos especular algumas coisas. A música tem essa peculiaridade de falar ao coração de uma forma particular. Ela é muito útil quando trazida para o contexto do culto. Ela facilita a memorização das doutrinas por causa da metrificação e da melodia. É muito mais fácil decorar uma música do que decorar um texto de igual extensão. Ela facilita que o povo de Deus aprenda a verdade das Escrituras. Nisso, ela ajuda a congregação a declarar quem Deus é. Essa é a função da música: declarar, proclamar a verdade de Deus, de forma que o povo aprenda facilmente a sã doutrina e a use para adorá-lo. Logo, o fim da música é Deus, e o que ela faz em nós é melhorar nossas mentes para proclamar com mais clareza e riqueza sobre quem Deus é. Isso sim glorifica Deus.

Agora, quase todas as igrejas modernas perderam essa reflexão. Aceita-se, sem contestação, que o fim da música é o homem. Muitos não conseguem imaginar a execução da música sem aquela coisa estranha chamada “ministração”. E essa é outra função do ministro de louvor, outra corrupção do uso da música no culto. Parece que o pressuposto é que a música deve mover nossas emoções para que nos elevemos a um estado espiritual mais sensível e mais límpido para que Deus nos edifique. Isso é, como eu disse, uma corrupção do propósito da música, em nada diferente do que as religiões pagãs fazem por meio dos mantras. A Escritura jamais nos autoriza a usarmos a música no culto para esse fim no homem. Ministração é invenção supersticiosa de mentes maculadas com religiosidade primitiva. É uma transgressão do culto racional, um retorno a religiões romanas e africanas. É incompatível com a solenidade e com a edificação espiritual do culto público. Embora a ministração seja feita com o pretexto de edificação, essa tal edificação tem significado completamente diferente daquilo que a Bíblia define. Em nenhum lugar a Bíblia associa edificação com esse sentir-se bem e emocionar-se positivamente. Edificação, de outro modo, é sempre vinculada à instrução e assimilação da verdade de Deus. A ministração não instrui ninguém, não é o meio ordinário escolhido por Deus para o arrependimento e a santificação e não tem lugar no culto público. Emoções nunca devem existir senão em consequência de perceber a verdade de Deus. Emoções produzidas por mantras ou por quaisquer outros meios psicológicos não são válidas no contexto de adoração. E ninguém deve buscar isso na música do culto. Quem faz isso incorre no pecado do desvio da finalidade. A ministração faz de Deus um meio para o homem; faz do homem o fim. E a insistência em produzir emoções na ministração necessariamente levará à quebra da reverência e da sobriedade. Desses momentos emotivos, surgem as espontaneidades loucas, as glossolalias e outros surtos psicopatológicos; e qualquer observador atencioso perceberá que tais inovações carismáticas nada fazem para produzir fruto espiritual, mas são excelentes para envergonhar o nome de Cristo entre os gentios.


André Duarte

3 comentários:

  1. Caro André,

    Gostaria de parabenizá-lo pelos dois textos, muito bem escritos. Se couber uma sugestão, no entanto, creio que deveriam ser evitadas expressões, isto é, palavras ou desenhos, que criassem prevenções contra seus argumentos. Suas ideias são sempre expostas clara e elegantemente, mas podem perder seu efeito.

    Eu bem gostaria de compartilhar seu blog com o pessoal da minha igreja, que teria muito o que aprender de seus posts, mas não vejo como eles aceitariam suas exposições ao deparar-se com o meme do início do texto, que contém palavras de baixo calão, o famoso "bitch, please". Sei que podem ser discutidos a causa e o efeito sociais ou estilísticos de palavrões, mas o fato é que crentes não devem fazer deles uso e, corretamente, não gostam de músicas, textos ou ideias que os utilizem. Por essa razão, haveria barreiras imediatas ao seu argumento.

    Outra razão para prevenções seria a suposta arrogância que um meme como aquele veicula. Não que seja sua intenção, mas as pessoas normalmente já têm dificuldade de ser convencidas de seus erros; quando se sentem diminuídas, então, é quase impossível que isso ocorra. Isso, em um debate de ideias cristãs, pois sabemos que quem convence do pecado é o Espírito Santo. Creio que seu intento seja persuadir por argumentos os crentes a obedecer à Palavra de Deus, e isso é importante - como ouvirão se não há quem pregue? Mas creio que devemos fazê-lo com toda humildade e temor. Além disso, devemos evitar a aparência do mal. Portanto, mesmo que você não desejasse ser altivo, com tais memes e expressões de alijamento alheio, pode parecê-lo - a mim, pelo menos, muitas vezes ocorreram resistências.

    Peço desculpas se soo inconveniente, mas minha opinião é que somos humildes servos de Cristo e devemos pregá-lO com amor e humildade e assim proceder em nossa vida. Que seja o Espírito Santo falando, e não nossa intelectualidade ou nós mesmos, para que todo o corpo de Cristo possa desfrutar da verdade, sem escândalo.

    Um abraço,

    João

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  2. Caro João,

    Obrigado pelos elogios e pelas sinceras exortações.
    Mas, acho que devo explicar algumas coisas. Primeiramente, o uso de memes para este blog é uma tradição nossa que começou quando ainda não sabíamos muita coisa, inclusive o quão sério o blog poderia ficar no futuro. Nós mantemos o uso de memes porque entendemos que chamam a atenção para o público jovem, porque essa é a linguagem atual na internet. Não que queiramos obscurecer a clareza da Palavra de Deus com esses apelos culturais, mas faz parte do nosso humor tranquilo e da maioria do público.

    Pensando na questão do potencial de ofender gratuitamente, sempre buscamos fazer memes "leves". Confesso que fiquei hesitante quanto ao uso do "bitch please". Nós nunca fizemos nada tão grave. Mas, entendi, particularmente, que ninguém tomaria o termo "bitch" como palavrão, porque ele, de fato, não é. Não na língua inglesa. E, por causa da fama dessa expressão como gíria de meme, pela qual nunca vi ninguém ficar ofendido ou censurar, concluí que não causaria problemas.

    Mas, até meus colegas íntimos sabem que sou pouco capacitado para prever reações fora do comum, e tenho essa dificuldade no diálogo inovador. Sendo assim, peço desculpas se você ou um de seus conhecidos sentiu-se ofendido pelo uso daquele meme. Tomarei cautela para não usar expressões assim consideradas "fortes" novamente.

    Creio que, à parte daquele meme, não há nenhum outro tão pesado. A ideia deles não é ofender, é só quebrar o gelo mesmo. Então, se achar que algum dos posts é tranquilo e aceitável, fique à vontade para compartilhar.

    Paz,

    André.

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  3. André,

    Obrigado pela pronta resposta e por compreender minha inquietação. Entendo sua visão, mas fiquei preocupado, porque vejo no seu blog potencial para ir além do atual público jovem: você tem ótimos argumentos, que podem ser usados em contextos diferentes deste do blog.

    Novamente, desculpe minha intromissão. Que Deus continue abençoando você e seus textos.

    Abraço,

    João

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