quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

PRC 9 – Ofertas


           Este é um dos últimos posts da série. Depois dele, vou fazer só mais dois: um sobre os sacramentos e outro sobre o dia de domingo.

O assunto das ofertas é rápido e tranquilo. As controvérsias teológicas são relativamente fáceis de resolver. O tema do post é sobre o elemento do culto público que consiste em dar ofertas em dinheiro para a Igreja, com vistas à aplicação justa e ao crescimento do reino de Deus. Pela pouca atenção que o Novo Testamento dá ao assunto, muitas igrejas nem mesmo consideram que o ato de ofertar é obrigatório no culto público. Quando os apóstolos falam sobre ofertar, é quase sempre para o auxílio emergencial em uma situação específica. Por exemplo, temos 1Coríntios 16, em que Paulo fala para a Igreja fazer as doações no domingo. Como foi um caso extraordinário por causa da fome em Jerusalém, não fica tão claro que as ofertas são obrigatórias a cada domingo. Mas, pelo menos podemos saber que é algo permitido recolher ofertas no culto público. O Antigo Testamento fala bastante sobre o ato de dar ofertas, mas os aspectos de descontinuidade com o Novo são tantos que é difícil aplicar literalmente as ordens do Antigo.

Por exemplo, no Antigo Testamento, as ofertas eram em alimento para o sustento dos pobres e dos levitas. Os levitas cuidavam do tabernáculo e, depois, do templo, e apenas a eles isso era permitido. Não possuíam propriedades como as outras tribos. Viviam das ofertas. Os dízimos eram dados a eles e aos outros pobres – viúvas, órfãos e estrangeiros. A ideia é a da provisão para quem não pode ganhar sustento por conta própria. Lemos em Malaquias 3 que Deus ordena que seja dado todo o dízimo, pois, do contrário, os pobres ficariam sem esperança. Na Lei, especialmente em Deuteronômio, aprendemos que havia três dízimos: o dízimo da produção anual, o dízimo para a comemoração das principais festas como a Páscoa, e o dízimo do que havia sido estocado por três anos. Além disso, havia algumas outras ocasiões de ofertas, como a dos primeiros frutos da terra.

Essa realidade é muito diferente daquilo que encontramos no Novo Testamento. Lemos em Atos 2 e 4 que os membros da Igreja começaram a espontaneamente ajudar uns aos outros com seus bens e dinheiro. Enfatizo o “espontaneamente” para que ninguém com inclinações esquerdistas pensem que o “ter tudo em comum” era uma regra para a Igreja. Em outras passagens, vemos claramente que havia ricos e pobres e que havia propriedade privada. O princípio da solidariedade aqui é que ninguém na Igreja deveria ficar desamparado. Ao contrário do que vemos no Antigo Testamento, a prática de doação envolvia dinheiro, e não simplesmente alimentos (por causa do tipo de sociedade mais centrada no mercado, e não tanto em terras). Depois, em Atos 6, Lucas registra a instituição do diaconato para a administração desses bens, devido ao descuido que estava começando a acontecer com viúvas de judeus helenistas. E, por todo o Novo Testamento, lemos sobre essa prática constante de se dar dinheiro a oficiais da Igreja para que ajudassem os membros em necessidade. Esse é um aspecto de continuidade: os pobres tanto do Antigo como do Novo testamentos deveriam receber ajuda dos irmãos mais abastados.

Com o passar do tempo, foi necessário esclarecer que a ajuda aos pobres deveria obedecer a certos critérios. Por exemplo, em 2Tessalonicenses, Paulo diz que “quem não quiser trabalhar também não coma”. O dinheiro da Igreja não deve ser usado para bancar indolentes e preguiçosos. Em 1Timóteo 5, Paulo diz que as viúvas devem receber ajuda dos seus filhos em primeiro lugar. Além disso, somente viúvas mais idosas (idade de 60 anos) podiam ser inscritas no rol de sustentadas pela Igreja; as mais novas devem se casar e ter filhos, para que as primeiras fossem bem atendidas. O versículo 16 dá a conclusão: “Se alguma crente tem viúvas em sua família, socorra-as, e não fique sobrecarregada a Igreja, para que esta possa socorrer as que são verdadeiramente viúvas”. Existe, portanto, uma ordem de prioridade na ajuda que deve ser prestada pela Igreja. Os administradores do dinheiro da Igreja, que resolverão e aplicarão essas regras, são os diáconos, os quais devem também preencher os requisitos de 1Timóteo 3.8-10.

Até aqui, vimos que o dinheiro dado à Igreja deve ser dado à assistência regulada dos pobres que não têm outra possibilidade de se sustentar. Outra aplicação do dinheiro da Igreja é para o salário de pastores e missionários. Em 1Timóteo 5.17, 18, Paulo diz que os presbíteros docentes são “dignos de duplos honorários”. Alguns interpretam esse termo como se o significado fosse apenas respeito e reverência, mas o versículo 18 deixa claro que trata-se do sustento para o trabalho. Os presbíteros docentes devem ter salário pago pela Igreja para que possam se dedicar integralmente ao ministério da pregação. Também, o próprio Paulo, sendo missionário, deixa claro em 1Coríntios 9 que, como tal, tem o direito de ser pago pela Igreja. Embora ele voluntariamente tenha procurado se sustentar com trabalho próprio, o princípio que ele estabelece é que missionários, plantadores de igrejas, devem receber ajuda financeira da Igreja. Esse salário aparenta ser uma continuidade sutil do sustento dado aos levitas. Assim pode ser considerado, desde que se entenda que há muito mais descontinuidade do que continuidade entre os levitas e os presbíteros em diversos aspectos.

Essas são, portanto, as funções do dinheiro dado à Igreja: sustento de missionários, salário do pastor e socorro aos necessitados da Igreja. Naturalmente, a Igreja pode e deve também ajudar necessitados fora da Igreja, desde que os da família da fé estejam sendo atendidos em primeiro lugar. Agora, e quanto à quantidade? E o tal do dízimo? Novamente, temos o problema da descontinuidade. O dízimo não é ensinado no Novo Testamento para os cristãos, e a descontinuidade entre os testamentos na natureza das ofertas nos faz compreender que essa fração não é obrigatória. A regra está em 2Coríntios 8 e 9. Paulo dá duas normas: que as ofertas devem ser segundo as posses de cada um e que devem ser dadas com alegria e liberalidade. A primeira norma diz respeito à proporcionalidade: quem tem mais deve dar mais e quem tem menos deve dar menos, para que ninguém fique sobrecarregado. Como a proporção de 10% era a norma no Antigo Testamento, muitos teólogos entendem que essa medida é boa também no Novo. Isso é verdade, mas até certo ponto. Devemos lembrar que, quando se trata de dinheiro, e não de comida, algumas coisas mudam. Um pobre que recebe 500 reais e dá 50 sente muito mais falta dessa porção do que um rico que ganha 20.000 e dá 2.000. É muito estranho que igrejas não se importem com isso e ordenem o dízimo como se fosse uma medida obrigatória e absoluta, especialmente quando não cumprem a obrigação de dar assistência aos pobres da Igreja. Então, é necessário ter cautela quanto a essa questão da proporção.

Com relação à segunda norma, o que Paulo nos diz é que as ofertas devem ser dadas com o propósito correto no coração, com desprendimento e sincero desejo de prestar socorro. Isto é, as ofertas são atos de amor aos pobres e ao Reino de Deus. Se alguém dá ofertas por motivos legalistas, ou pensando em benefício próprio, como se pudesse atrair o favor de Deus com isso e prosperar, então o motivo é contrário ao que Paulo ordena. É um pecado e um desacato ao próprio culto público. Esse é apenas um dos muitos motivos por que a teologia da prosperidade, ou mesmo uma pequena fração dela que, de qualquer maneira, instigue os congregantes a dar ofertas para receber de volta, é uma heresia que deve ser exterminada.


Por fim, para o bom testemunho público e para que a adoração simples seja protegida, não é correto que o ato de dar ofertas ocupe preeminência no culto público. Muitas igrejas neopentecostais fazem desse elemento praticamente o centro do culto, o que é uma desonra ao ministério da Palavra e dos sacramentos. Que seja uma prática não negligenciada, mas exercida com discrição e posta à periferia.

André Duarte

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